O historiador que apela a consensos e à união de esquerda
Doutorado em História e especializando-se em História da Arte, Rui Tavares já escreveu vários livros e fundou em 2003 o blogue Barnabé, mas tornou-se mais conhecido aos olhos dos portugueses quando foi eleito em 2009 deputado para o Parlamento Europeu como independente integrado na lista do BE. Dois anos mais tarde, abandonou o partido acusando Francisco Louçã de promover uma “caça ao independente” e de ser incapaz de lidar com opiniões contrárias.
Até criar o seu partido foi um salto. No final de 2013, o Livre referia que “O nosso lugar é no meio da esquerda” e é legalizado pelo Tribunal Constitucional em março de 2024, apresentando-se com três objetivos principais: “Em primeiro lugar, libertar Portugal da dependência financeira e do subdesenvolvimento económico e social. Em segundo lugar, traçar um modelo de desenvolvimento para o país assente na valorização das pessoas, do conhecimento e do território. Em terceiro lugar, cumprir com estes objetivos através de um profundo processo de democratização e de maior inclusão dos cidadãos na ação e representação política”.
À beira de fazer 10 anos, nem tudo na vida interna do partido, que se assumiu desde o início como de esquerda, europeísta e ecologista, foi pacífico.
O Livre apoia publicamente António Sampaio da Nóvoa nas presidenciais de 2016 e elegeu pela primeira vez candidatos nas autárquicas de 2017, conquistando nove lugares, incluindo representação na Assembleia Municipal de Lisboa.
No Parlamento Europeu, Rui Tavares foi autor de diversas moções e relatórios, sobretudo na área dos direitos humanos, incluindo um relatório pioneiro para o estabelecimento de um Programa Europeu de Reinstalação de Refugiados e o primeiro relatório a alertar para regressão na situação da Democracia, do Estado de Direito e dos Direitos Fundamentais na Hungria e na UE em geral.
Nas europeias de 2023, Rui Tavares surge como cabeça de lista e em segundo lugar Joacine Katar Moreira, mas, apesar de ter falhado as eleições para o Parlamento Europeu, conseguiu eleger Joacine para a Assembleia da República. Só que os conflitos entre os dois foram quase imediatos, passando a deputada à condição de não inscrita em 2023.
O líder do partido chegou a reconhecer à Rádio Renascença que a rutura entre os dois foi “humana e pessoal” e “dolorosa para o partido”, acusando a ex-deputada de ser “uma espécie de Bruno de Carvalho” do livre. E explicou a razão: “Ganhou eleições, tornou-se egocêntrica e saiu do partido”.
Uma “guerra” que teve as suas consequências: “Perdeu o seu mandato que tinha conquistado, esteve anos fora do Parlamento”, mas regressou e “a vida seguiu”, referiu Rui Tavares.
Numa entrevista dada ao i em janeiro de 2022 apontou para essa perda. “Certamente afetou, certamente que teve consequências, certamente nos levou a não desempenhar a função na última legislatura que queríamos ter desempenhado, mas também é verdade que neste período eleitoral não sentimos que as pessoas façam diferença por causa da perda da representação parlamentar”.
Como diz o ditado popular, “em casa roubada, trancas na porta”, e, perdida a representação parlamentar, o Livre apertou as suas regras e conseguiu regressar nesse ano à Assembleia da República, desta vez, com o deputado único e porta-voz Rui Tavares, que ainda hoje é a principal figura do partido.
Na mesma entrevista ao nosso jornal, mostrou-se defensor de uma maioria à esquerda, que seja plural, pois acredita que só assim é possível afastar uma maioria de direita. “Os nossos concidadãos querem é ter várias vozes representadas no Parlamento, umas com as quais concordam mais, outras com as quais concordam menos, mas que saibam trabalham em conjunto. Esse sentido de responsabilidade e essa visão do futuro faltou nesta legislatura, infelizmente”.
Rui Tavares é também conhecido pela busca de consensos, apelando várias vezes à união da esquerda. E não hesita quando refere que Portugal enfrenta uma “crise de regime” e não apenas uma crise política – daí ter vindo a afirmar que “a maneira como nós vamos passar o ano dos 50 anos do 25 de Abril não é a comemorar o 25 de Abril, é a salvar o 25 de Abril”.
Nasceu em Lisboa em 1972. A sua família é do Ribatejo, de uma aldeia que fica entre o distrito de Lisboa e o de Santarém. “Grande parte das minhas raízes está lá, apesar de ser muito lisboeta. É uma aldeia ferozmente independente, é quase uma ilha num planalto onde as estradas que chegavam lá, ficavam lá. Não se ia para lado nenhum, ia-se para chegar à Arrifana. As pessoas das aldeias à volta chamam-nos ‘os turcos’, nós chamamos às pessoas de fora ‘os gentios’, como os judeus se referem a toda a gente que não é judia. Muito comunista, muito pouco católica, e a certa altura muito batista”, disse numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro.
Nasceu numa família de esquerda, um dos seus irmãos pertencia à Juventude Comunista Portuguesa e foi estudar para a Checoslováquia. Por isso mesmo, cedo compreendeu que não “podia defender argumentos comunistas”, como reconheceu na mesma entrevista.
Quanto à escrita, diz ser um trabalho como o de um carpinteiro. “A escrita é um bocado como ser carpinteiro. O carpinteiro é o tipo que trabalha com a madeira, e depois há tanoeiros, marceneiros. Dentro da não-ficção pode-se ser ensaísta, filósofo, historiador. Mas também escrevi ficção, uma peça de teatro, e tenho sempre ideias para romances e para contos”, diz, reconhecendo, no entanto, que o que mais gosta de fazer é tradução.
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