Opera& ão Influencer. Escutas tramam Costa

O inquérito que visa António Costa foi aberto pelo Ministério Público na manhã de terça-feira passada, pouco antes de o primeiro-ministro se demitir: está em causa a suspeita de crimes de tráfico de influência para beneficiar os negócios de, pelo menos, um grupo empresarial que contratara Diogo Lacerda Machado (o seu ‘melhor amigo’), supostamente para a representar como advogado, mas que verdadeiramente atuava na sombra como consultor e influenciador.

Segundo o✅ Nascer do SOL apurou, coube a José Fernando Duarte da Silva, o procurador-geral-adjunto que coordena os serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), abrir o inquérito. Nestes autos, já constam as cerca de 20 escutas de conversas telefónicas em que António Costa foi apanhado de forma fortuita a falar com os arguidos da ‘Operação Influencer’ – nomeadamente, José Matos Fernandes, ex-ministro do Ambiente, João Galamba, ex-secretário de Estado da Energia e atual ministro das Infraestruturas, Vítor Escária, chefe de gabinete do PM, e Diogo Lacerda Machado. Essas conversas são de 2023 e 2023 e foram validadas – conforme previsto na lei, que estipula este regime especial para o primeiro-ministro e Presidente da República – pelos presidentes do STJ em exercício de funções. As três conversas mais antigas, entre Costa e Matos Fernandes, foram analisadas por Joaquim Piçarra, que as considerou irrelevantes só por si, tendo chegado a mandá-las destruir. O MP recorreu, argumentando que tinham de ser preservadas até ao final do inquérito pois poderiam ser relevantes para a análise da prova ao longo da investigação, e o então vice-presidente do STJ deu-lhe razão. As escutas mais recentes, 17, foram validadas pelo juiz-conselheiro Henrique Araújo, que sucedeu a Piçarra no cargo.

O coordenador do MP no Supremo solicitou, ainda no próprio dia de terça-feira, aos procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que conduzem a ‘Operação Influencer’ – João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Correia Lamas – as restantes interceções telefónicas que incriminam os outros arguidos e em que estes implicam António Costa, referindo explicitamente que o PM interveio no desbloqueamento dos negócios que estão sob investigação.

Nas conversas telefónicas intercetadas, os investigadores ficaram com a convicção de que António Costa já sabia, ou pelo menos suspeitava fortemente, que estava sob escuta, pois chega a cortar o discurso de Matos Fernandes, dizendo-lhe que falarão mais tarde e pessoalmente sobre o assunto. Em declarações ao Observador, Costa negou que soubesse estar sob escuta.

💥️Dinheiro em envelopes 💥️em S. Bento

As buscas realizadas na manhã de terça-feira é que apanharam mesmo toda a gente de surpresa, além de causarem um terramoto político.

Na residência oficial do primeiro-ministro, as equipas de agentes da PSP lideradas por um magistrado do MP também não contariam encontrar o que encontraram no gabinete de Vítor Escária – o ex-chefe de gabinete de José Sócrates, que António Costa foi buscar para a mesma função, apesar de todo o historial que ficou escancarado na ‘Operação Marquês’. O achado consistiu em nada mais nada menos do que cinco envelopes com notas, um numa caixa de vinho guardada numa gaveta da secretária usada por Escária e os outros nas estantes, entre livros. Um dos elementos da investigação embasbacou: 💥️«Parece que estamos num comércio de porta aberta ou uma casa de traficantes…». Perguntaram a Escária que dinheiro era aquele e este respondeu, de forma ainda mais surpreendente: 💥️«Não é meu». Ontem à tarde, o seu advogado, Tiago Bastos, aumentou o mistério: afirmou aos jornalistas que o dinheiro terá que ver com assuntos profissionais do seu cliente, não será nada de ilegal, e não com o que está em causa no processo. Costa exonerou ainda ontem Vítor Escária.

Depois de contadas todas as notas, os investigadores tiveram mais uma surpresa: em vez de um valor ‘redondo’, eram 75.800 euros, indiciando que algum dinheiro já fora gasto e que se estava perante um ‘fundo de maneio’, a típica ‘mala’ ou ‘saco azul’. Ou seja: dinheiro cuja origem não se pode saber e que é para pagar despesas que ninguém deve saber ou ter possibilidade de comprovar.

💥️Muitos crimes, três negócios

Prevaricação, corrupção ativa e passiva (de titular de cargo político), tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem quanto a titular de cargo político e a alto cargo público são os crimes em causa no inquérito da ‘Operação Influencer’, iniciado em 2023.

A investigação tem três eixos fundamentais. O mais consolidado centra-se no projeto de construção de um ✅data center na zona industrial e logística de Sines, pela Sociedade Start Campus, a empresa que contratou Lacerda Machado como advogado, por 7.000 euros por mês, sem que haja, porém, até agora, qualquer documento jurídico com a sua assinatura. Os cinco arguidos detidos estão, aliás, todos implicados nestes negócios: além do amigo do PM, são eles Vítor Escária, Rui Oliveira Neves, advogado e um dos administradores da empresa Start Campus, Afonso Salema, diretor executivo da Start Campus, e Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines. Todos têm pernoitado desde terça-feira no Comando Metropolitano da PSP e começaram ontem à tarde a ser ouvidos pelo juiz de instrução criminal Nuno Dias Costa

Os outros dois dossiês em investigação são as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (em Montalegre) e do Barroso (em Boticas), e a instalação de uma central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por um consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI).

No despacho de indiciação dos arguidos, o MP afirma que, 💥️«em data não concretamente apurada, mas anterior a outubro de 2023, pessoa que ainda não se logrou identificar, agindo sob as orientações e no interesse da Pionneer Partners LLP (empresa que tem Lacerda Machado como consultor)💥️, acordou com Diogo Lacerda Machado que, recebendo em contrapartida vantagens patrimoniais, e aproveitando-se da sua relação de amizade próxima com o PM, bem como da relação de proximidade que mantinha com Vítor Escária, iria exercer contactos e exercer influência e pressão sobre membros do Governo, titulares de órgãos de autarquias locais e de outras entidades públicas, com vista a determinar indevidamente o sentido de atos desses membros e titulares de forma a fazer com que os atos fossem praticados de forma mais célere, tudo em benefício do mencionado projeto da Start Campus».

O MP constata ainda: 💥️«Na verdade, a influência exercida por Diogo Lacerda Machado sobre os mencionados titulares públicos corria e decorre da circunstância de estes terem conhecimento da relação de grande proximidade ente Diogo Lacerda Machado e o PM e de bem saberem que, em virtude dessa relação, Diogo Lacerda poderia influenciar positiva ou negativamente a imagem dos referidos decisores junto do PM, consoante a sua atuação fosse ou não favorável aos interesses da Start Campus».

Os responsáveis da Start Campus são suspeitos de 💥️«estabelecer relações de proximidade e exercer influência» junto de João Galamba. O MP diz que Galamba aceitava jantares pagos pelos empresários e que chegou a apresentar no Conselho de Ministros documentos escritos por eles. Os administradores desta empresa terão conseguido 💥️«uma relação de proximidade e confiança» com Galamba, não só enquanto secretário de Estado da Energia, mas também depois como ministro das Infraestruturas. Afonso Salema e Rui Oliveira Neves contactavam-no com muita regularidade, reuniam com ele no Ministério, em encontros formais, mas também em almoços e jantares. Estes administradores da Start Campus mandavam escrever despachos de Governo, que Galamba fazia aprovar em Conselho de Ministros e depois publicar rapidamente em ✅Diário da República.

Nos mandados de busca e nos despachos de indiciação dos arguidos, o MP fala da montagem de uma verdadeira 💥️«teia de influências para conseguir concretizar um negócio de mais de 3.500 milhões de euros» (o centro de dados em Sines, da Start Campus), «💥️uma teia de ligações e empresários e membros do Governo que chegavam ao PM». Lacerda Machado, afirma, por ser o melhor amigo de António Costa, foi contratado para influenciar decisões a favor da empresa, recebendo cerca de 7 mil euros por mês para desbloquear contactos – ou seja, um lobista.

Diogo Lacerda Machado seria a ponte entre os cinco detidos e a amizade de 40 anos com Costa permitiu-lhe 💥️«influenciar o Governo na tomada de decisões». Estabelecia contactos regulares com o primeiro-ministro, com Vítor Escária e Galamba, mas também com os titulares de pastas-chave para os negócios em causa: Pedro Siza Vieira (ex-ministro da Economia) e Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente. Tudo 💥️«para tomarem decisões ilícitas favoráveis ao interesse da empresa e envidou esforços para influenciar as decisões daqueles, o que nalguns casos conseguiu».

Em relação a José Matos Fernandes, o MP constituiu-o arguido por três questões: quando era ministro do Ambiente, só convocou a Comissão Permanente da Seca (com vista à interdição da produção de energia em quatro barragens) e proibiu o uso de água para rega da albufeira da Bravura, em Lagos, dois dias após as legislativas de 30 de janeiro de 2022, havendo a suspeita de que o objetivo foi favorecer o PS perante a reação negativa da população. Ou seja: prejudicou o interesse público para beneficiar um partido político.

É ainda investigado por suspeita de ter beneficiado o consórcio H2 Sines (Galp, EDP, Martifer e Vestas), no projeto para a exploração de hidrogénio verde.

💥️‘Temos que escalar já ao PM’ – as escutas que implicam Costa

Os arguidos estiveram sob vigilância policial e a serem escutados durante um ano e meio. Ao longo deste período, os arguidos têm múltiplas questões cuja resolução passa por empresas e organismos públicos. António Costa é invocado por múltiplas formas – na sua autoridade, na necessidade de a ele recorrer ou mesmo na constatação de que já terá dado a palavra necessária para se avançar.

Por exemplo, em dezembro de 2022, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves (Start Campus) discutem:💥️ «O que precisa o Rodrigo, de uma chamada do primeiro-ministro a dizer que ele precisa de fazer isso?». Referem-se ao presidente da REN, Rodrigo Costa. 💥️«O Rodrigo só precisa que lhe digam, que o Governo lhe diga que aquilo é para avançar», respondeu Rui Oliveira Neves. Salema sugere-lhe que, então, transmita a João Conceição, membro da Comissão Executiva da REN, que💥️ «vão ter de escalar com isto».

Noutra conversa, estes dois arguidos fazem um ponto da situação de questões técnicas do projeto que estão bloqueadas por falta de autorizações e que nunca mais se resolvem. Hesitam em ir diretos ao PM, através de Escária ou Lacerda Machado, ou irem primeiro a Galamba e só depois ao PM, senão Galamba ficaria 💥️«chateado» quando soubesse que andavam 💥️«a fazer queixinhas» a Costa. Acabam por decidir conforme sintetiza Afonso Salema:💥️ «Temos que escalar já ao primeiro-ministro».

💥️«É preciso escalar» é uma expressão que se repete e com a qual os arguidos estão a ser confrontados nos interrogatórios perante o juiz de instrução.

Meses antes, em agosto de 2022, Afonso Salema disse a Diogo Lacerda Machado que💥️ «abordasse o Governo para suscitar junto da Comissão Europeia uma alteração em matéria de códigos de atividade económica para os data centres». 💥️«’Tá bem. Eu vou decifrar essa, se é economia ou finanças. Vou começar por aí e depois logo lembro como tomamos a iniciativa de suscitar e sugerir. Se for finanças, eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes, que é o secretário de Estado. Se for economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa».

Também o próprio João Galamba coloca Costa em maus lençóis. Em conversa com um amigo, quando vem à baila o projeto do data center de Sines, diz que os empresários 💥️«querem apoio político e no licenciamento». O amigo questiona:💥️ «O primeiro-ministro já percebe a importância disto?». 💥️«Tem pessoas à volta dele que percebem», respondeu-lhe o ministro das Infraestruturas.

Noutro telefonema, dessa vez com a sua chefe de gabinete, Eugénia Correia, João Galamba contou-lhe que assistiu à apresentação do projeto, que seria💥️ «o maior investimento privado em Portugal desde a Autoeuropa», e que o investidor lhe agradeceu publicamente pelas políticas que tem estado a desenvolver. E acrescenta: 💥️«Um dos advogados deste megaprojeto é o grande amigo do PM. Como ele está nas reuniões e vê o que a nossa equipa está a fazer pelo projeto, ele conta ao PM, não é?».

💥️Mais uma mudança de planos: sede do PS ficou de fora

A operação tem neste momento 14 arguidos.

As buscas, ao contrário do que tem sido dito por muitos comentadores televisivos, não foram precipitadas pela entrevista dada pelo presidente do STJ ao ✅Nascer do SOL, na passada sexta-feira (2 de novembro). A data inicialmente fixada foi a de 24 de outubro. A única dificuldade desta investigação, que correu longe dos holofotes das televisões, prendeu-se, como é habitual, com a falta de meios: arranjar viaturas para 145 homens da PSP não foi tarefa fácil e a operação acabou por ser adiada para 7 de novembro, exatamente quinze dias depois. No terreno, estiveram 17 magistrados do Ministério Público, três juízes, dois advogados representantes da Ordem dos Advogados, nove elementos da Autoridade Tributária e os 145 elementos da PSP.

As instruções eram claras: encontrar documentos relativos aos procedimentos administrativos na base dos negócios em causa, à atividade das empresas, apreender suportes e equipamentos informáticos, telemóveis e eventuais 💥️«quantias em numerário que possam consubstanciar vantagem ou produto da atividade criminosa em investigação». As buscas, justificou o MP, 💥️«são proporcionais à muita elevada gravidade das condutas investigadas». O gabinete de Vítor Escária, acrescentou,💥️ «pelas funções exercidas, naturalmente carece de acrescida ponderação: por forma a compatibilizar as necessidades probatórias com os demais interesses em conflito, a busca será restrita ao espaço de trabalho do suspeito e à matéria factual em causa».

Segundo o ✅Nascer do SOL ainda apurou, chegou a estar previsto fazerem-se buscas também na sede do PS, apenas no escritório ou gabinete habitualmente usado por Escária. Mas isso não aconteceu. Em julho deste ano, recorde-se, houve buscas à sede do PSD, no âmbito de um inquérito ao uso de dinheiros públicos para pagar assessores deste partido. 💥️«Todos os partidos ficaram de sobreaviso», comenta uma fonte judicial. 

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