Ucrânia não sai de Vilnius de "mãos a abanar" 24

O ex-ministro dos Negócios estrangeiros António Martins da Cruz considera que a Ucrânia não saiu de "mãos a abanar" da cimeira da NATO, onde se registaram avanços na adesão de Kiev à Aliança Atlântica e reforço da ajuda militar.

Comentando à agência Lusa os resultados da cimeira da NATO, que hoje terminou em Vilnius, capital da Ucrânia, e dominada pela invasão da Rússia da Ucrânia, Martins da Cruz afirmou que, com expectativas elevadas por parte do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, Kiev viu a sua posição reforçada após a reunião.

Para Martins da Cruz, que participou em sete cimeiras da NATO - na qualidade embaixador de Portugal na organização, assessor do ex-primeiro ministro Cavaco Silva e de chefe da diplomacia portuguesa (2002-2003) - Kiev conseguiu dispensar a existência de um plano de ação para a adesão, uma etapa exigida aos Estados candidatos, implicando "negociações longas" mas que os países membros entenderam já estar cumprido, e foi criado o Conselho NATO-Ucrânia.

"Depois, é evidente que o convite que será formulado para entrar [na NATO] - o que em termos técnicos se chama 'Bucareste' [numa alusão à primeira vez, em 2008, que foi levantada a inclusão de Kiev] - é agora reforçado", pelo que a "Ucrânia não sai de mãos a abanar, antes pelo contrário", ​​​​​​​sustentou.

Apesar de demasiado longa, segundo o ex-diplomata, a declaração de 90 pontos divulgada pela organização está "muito bem feita" e resulta de uma negociação que presume que ter sido difícil.

O texto, adianta, "diz claramente que a NATO estará em posição de convidar a Ucrânia (…) assim que os aliados estejam todos de acordo", o que, segundo as regras da organização, depende da unanimidade dos Estados-membros.

Na terça-feira, os 31 membros concordaram que a Ucrânia integrará a NATO quando as condições estiverem reunidas "e esta frase é o segredo" da posição comum sobre a adesão, frisou Martins da Cruz.

Isto, referiu ainda, por se tratar de uma formulação "propositadamente vaga" e que vai permitir, no futuro, que "os aliados estejam ou não estejam de acordo", dependendo, além das questões técnicas de interoperacionalidade, o cumprimento de condições políticas, de Defesa, da democracia e de defesa dos valores democráticos.

Por outro lado, assinalou, os aliados tiveram a consciência de que a Ucrânia se encontra em conflito militar desde a invasão russa, em 24 de fevereiro do ano passado, e que uma adesão neste contexto implicaria "a aplicação imediata do artigo 5.º", segundo o qual, ao abrigo do Tratado do Atlântico Norte, um ataque armado contra um ou vários países-membros na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque contra todos, "ou seja, soldados americanos, ingleses, franceses e portugueses no teatro de guerra".

Martins da Cruz assinalou também o apoio que foi manifestado à Ucrânia, nomeadamente pelos países que compõem o G7 (Alemanha, França, Estados Unidos, Itália, Reino Unido, Canadá e Japão), que assinaram uma declaração que dá garantias de segurança até à eventual adesão do país.

Como exemplos, o ex-chefe da diplomacia apontou que a França prometeu mísseis de longo alcance e o Reino Unido disponibilizou mais veículos logísticos de combate, a somar ao início da formação de pilotos de combate ucranianos em 11 países, incluindo Portugal, ainda durante o verão, segundo o secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg.

A isto seguir-se-á, acredita, a entrega de caças F-16 às forças de Kiev, que carece do acordo dos Estados Unidos.

"Creio que Washington vai dar luz verde. É muito provável que nas conversações que houve em Vilnius, entre o [Presidente norte-americano, Joe] Biden e Zelensky, essa luz verde tenha sido garantida", comentou.

Todo o cenário é, porém, mutável, o que poderá explicar a pressa de Zelensky em alcançar passos concretos na adesão à NATO e um deles está relacionado com as eleições nos Estados Unidos, em 2024, às quais o ex-Presidente Donald Trump já anunciou ser candidato, e Martins da Cruz considera ser "evidente que a guerra na Ucrânia vai ser um tema de debate (…) e trazido para a ribalta eleitoral".

Na experiência do atual dono de uma empresa de consultoria internacional e presidente da Oeiras Valley Investment Agency, as cimeiras da NATO "são sempre importantes", e esta em concreto no quadro de uma guerra na Europa e da reafirmação da doutrina nuclear da Aliança, em que vários países-membros dispõem de armas nucleares, destacando "o seu efeito de dissuasão".

Esta reafirmação assume mais importância quando se lida com a Rússia, que possui o maior arsenal do mundo, e depois de Moscovo ter deslocado armas nucleares táticas para a aliada Bielorrússia, ou seja, mais perto das fronteiras NATO.

O antigo diplomata disse não ter ficado surpreendido com a inflexão da Turquia nos últimos dias, ao levantar o veto à adesão da Suécia como 32.º Estado-membro da Aliança, e a autorização de regresso a Kiev ​​​​​​​de cinco comandantes ucranianos capturados em Mariupol (sul da Ucrânia).

"A Turquia é um pilar muito importante da Aliança Atlântica e depois dos Estados Unidos têm as maiores forças armadas da NATO. Em segundo lugar, o Presidente [turco, Recep Tayyip] Erdogan ganhou as eleições, tem na sua frente vários anos e está livre das pressões eleitorais. Em terceiro, há negociações muito sérias há diversos meses entre a Turquia e os Estados Unidos", sustentou.

Essas negociações, referiu, que "nunca saltam para a comunicação social", deverão estar associadas a garantias que se podem traduzir no fornecimento de F-16 a Ancara ou a um 'upgrade' dos modelos de que já dispõe.

Observou ainda que a Turquia produz e fornece 'drones' às forças de Kiev e que se prepara para abrir uma unidade de produção deste armamento na Ucrânia.

Martins da Cruz sublinhou ainda as preocupações manifestadas na cimeira com a situação no Indo-pacífico e o convite para as presenças em Vílnius de líderes do Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia, e está convencido que as conclusões da reunião vão ser passadas "ao milímetro" pela China, mas também por outros países da região, e naturalmente pela Rússia, "obviamente com desagrado total e as reações do senhor [ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei] Lavrov foram muito claras".

Por fim, Martins da Cruz elogiou a proposta portuguesa, acolhida pelos estados-membros, de reforço do flanco sul da Aliança, considerando que "certamente houve países, como a Espanha, a Itália a Grécia e porventura a própria Bulgária e a Roménia que estiveram de acordo e que a reforçaram".

Esta preocupação com os países do Mediterrâneo sul já é antiga por parte de Lisboa e foi levada noutras ocasiões aos parceiros quando era embaixador na NATO, adiantou.

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