E se Portugal voltasse a ser uma monarquia? Não seríamos os primeiros a abrir mão da rep&ua

"Isto da ética republicana é treta". Quem o diz é o embaixador José Bouza Serrano, que fez toda a sua carreira em monarquias. E conta esta história: "O rei de Espanha esteve quase para dar um título a Mário Soares. E ele dizia: 'Ai, eu para mim não, mas para os meus filhos...'. Esteve mesmo para acontecer".

"Monárquico convicto ao serviço da república", José Bouza Serrano começou a sua carreira em Espanha e terminou-a nos Países Baixos. Pelo caminho Bélgica, Vaticano, Malta (república desde 1974) e Dinamarca. Pura coincidência, embora "para o fim já tenha sido um bocadinho mais forçado [ri]".

O que mudaria em Portugal se o país fosse uma monarquia? "Olhe, desde logo não havia estes dramas de Marcelo e Costa, porque o rei reina e não governa. Sobretudo, os reis têm de se manter no seu pedestal e não podem andar a trocar galhardetes", responde sem hesitar.

“(…) não havia estes dramas de Marcelo e Costa, porque o rei reina e não governa. Sobretudo, os reis têm de se manter no seu pedestal e não podem andar a trocar galhardetes”José Bouza Serrano

Rodrigo Moita de Deus, director do News Museum e um dos fundadores do blogue 31 da Armada, que em 2009, juntamente com outros membros, hasteou a bandeira monárquica nos Paços do Concelho de Lisboa e acabou detido, não podia estar mais de acordo. 

"A monarquia é o melhor sistema de governação possível”, sobretudo pela “separação da chefia do Estado do sistema partidário", diz. "Sabemos que no sistema político é inevitável essa ligação partidária e, portanto, como vemos por esta mais recente crise, o presidente da República acaba por ser um dos players numa crise que é pura e simplesmente partidária. A vantagem das monarquias é que retiram a chefia de Estado do jogo partidário. E do jogo parlamentar”.

Mas os benefícios não ficam por aqui. O presidente do PPM - Partido Popular Monárquico, Gonçalo da Câmara Pereira, acredita que "uma das grandes vantagens da monarquia sobre a república é a justiça. "Em Portugal, os juízes do Tribunal Constitucional não são nomeados inter pares, mas pela Assembleia da República [dez de 13 juízes], logo quem zela pela justiça são os partidos maioritários", o que significa que "não há separação de poderes".

O "conflito permanente entre o presidente da República e o primeiro-ministro" também são mencionados pelo presidente do PPM, partido representado no Governo Regional dos Açores, onde tem o secretário regional das Pescas e o diretor da Cultura. "Imagine que o rei da Inglaterra ou da Holanda demite um governo maioritário, como fez Jorge Sampaio. Ou que entravam num conflito como o que está a acontecer entre Marcelo e Costa. Uma monarquia não tem de se meter na esfera do poder executivo".

Teresa Côrte-Real foi a primeira mulher eleita presidente da associação Causa Real, que representa o ideal monárquico em Portugal. Licenciada em Relações Internacionais, considera que "é muito difícil, hoje em dia, falar sobre monarquia, porque as pessoas têm uma ideia muito errada do que é ser monárquico”. Viver numa república é, por isso, "um desafio". 

“É muito difícil, hoje em dia, falar sobre monarquia, porque as pessoas têm uma ideia muito errada do que é ser monárquico”Teresa Côrte-Real

"É muito difícil falar do que é a monarquia quando, na cabeça das pessoas, muito por culpa dos monárquicos, com muitas aspas, existe uma ideia preconcebida da monarquia de há 300 ou 400 anos, ideias que já não são as de hoje. É importante ter no topo um chefe de Estado que, no fundo, não tem poder efectivo, mas tem um enorme poder de falar com as pessoas, de ir ao coração, visitar as aldeias", afirma.

Mas, afinal, não é isso que faz Marcelo? Teresa Côrte-Real responde à provocação. "Marcelo tenta, Mário Soares tentou. Só que, e esta semana vimos isso, há um choque ideológico, a defesa de um dado campo político em detrimento doutro. Porquê? Porque não são independentes".

Além disso, "há uma grande falta de visão para o país. Quem explicava isto muito bem era Gonçalo Ribeiro Telles, o monárquico do século XXI. Significa viver o país, pensar na sua coesão, colocar as visões políticas abaixo do que é o interesse nacional. Não estou a dizer que Marcelo Rebelo de Sousa não pensa no futuro do país, mas a visão que tem nunca pode ser totalmente livre, porque vem de um campo político. Com um rei a ideologia é a do país", mas não chega trocar um por outro, "é todo um sistema, toda uma lógica".

Há mais de 40 monarquias no mundo, 12 das quais na Europa

José Bouza Serrano, que escreveu "A viúva de Windsor", livro dedicado à rainha de Inglaterra e com o título inspirado na sua condição depois da morte do príncipe Filipe, lembra que "é nas monarquias que há menos convulsões. E são os mais ricos de todos. Se pensarmos na Suécia, na Noruega, nos Países Baixos, no Luxemburgo, que tem aqueles milhares de portugueses, no Liechtenstein, uma coisa muito especial, ou no Mónaco, mesmo encravado onde está. A Espanha é que me preocupa mais, por causa daquela canalha que tomou conta do poder. Porque Sánchez [primeiro-ministro] vende a mãe, a avó, tudo o que tiver à mão, só para ficar no poder e faz aquelas alianças contra-natura".

Tudo somado são mais de 166 milhões de "almas na Europa, que pertencem aos países mais desenvolvidos e onde há mais qualidade de vida. Mas a tradição ajuda. As pessoas querem exemplos que a república não dá, porque esta ética republicana é uma treta", como diz o embaixador.

Só no século XX foram abolidas 16 monarquias na Europa, incluindo a portuguesa. Actualmente existem 12 e duas delas, Espanha e Países Baixos, já foram repúblicas: em Espanha o regime derrotado por Franco era uma república, que o general entretanto decretou reino. Hoje, são muitos espanhóis que reivindicam o regresso ao republicanismo e a maioria apoia um referendo. Os Países Baixos eram a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, que entre 1581 e 1795 agrupava as sete províncias do norte dos Países Baixos. Por isso o príncipe Guilherme costumava dizer: "Je suis né républicain" [nasci republicano].

Ao todo, dos 203 estados reconhecidos pela NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), 42 são monarquias (15 pertencentes à Commonwealth). Entre elas contam-se a Arábia Saudita, Marrocos, Jordânia, Omã, Kuwait, Catar, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Austrália, Japão, Tailândia ou Butão, para dar alguns exemplos. As monarquias constitucionais e parlamentares, como é o caso do Reino Unido, Países Baixos ou Suécia, são as mais comuns.

O diplomata confessa que não sabe quantos monárquicos há em Portugal, mas lembra que "ainda são alguns". E todos os anos fazem a sua festa e celebram o 1.º de Dezembro, o dia em que um grupo de 120 revoltosos invadiu o Paço da Ribeira, em Lisboa, e expulsou os castelhanos, derrubado o domínio espanhol, e proclamando D. João IV, 8.º Duque de Bragança, rei de Portugal - que depois devolveu a independência política, financeira e fiscal a Portugal e anulou os impostos criados pela dinastia filipina.

É ridículo ser-se monárquico em Portugal? "Não é. Porque é histórico. É como comemorar outro género de efeméride. Esta, para os monárquicos, é uma altura especial. Faz-se um discurso e há um debate. Quando foi o casamento de D. Duarte eu estava na Bélgica, mas vim de propósito. Havia greve dos aviões, mas eu e a minha mulher chegámos a tempo. Correu muitíssimo bem. Agora vamos ver como corre o casamento da infanta Maria Francisca, que vai casar em Outubro".

Não são só os partidos políticos que têm jotas. Sebastião Sá-Marques é presidente da Juventude Monárquica Portuguesa, que conta com 500 membros, e acredita "que o papel fundamental dos monárquicos é quebrar o preconceito que existe sobre a monarquia. Desde a implantação da República houve uma desmonarquização da sociedade portuguesa" e pode parecer que a monarquia está morta. "Só que não está. Senão não víamos o funeral da rainha ou a coroação do rei, e repare que as pessoas chamam-lhe a rainha".

Ser monárquico numa república "é desafiante. Mas, e acho que é isto que atrai tanto os jovens, interessante é ter uma linha de pensamento e determinados valores a que nos agarramos. Há um certo espírito de corporação entre os monárquicos. Não sei se reparou, há muitos monárquicos que põem nos carros os autocolantes com as armas reais. Não há sistema que mais relevância dê à figura da família do que na monarquia. Temos a família, não temos a primeira dama", concretiza.

"Não há sistema que mais relevância dê à figura da família do que na monarquia. Temos a família, não temos a primeira dama"Sebastião Sá-Marques

"Se conversarmos com calma e humildade, qualquer português acaba por perceber o que é ser monárquico e a importância dos ideais monárquicos, que se resumem numa palavra: Portugal. E qualquer português que goste de Portugal, e gosta de Portugal, gosta de ser defendido, de conservar e perceber que a melhor forma de defender Portugal é a monarquia", acredita.

Referendo, "o último grande tabu"

Para José Bouza Serrano a monarquia não é popular em Portugal "porque nem sequer se discute".

Este é um dos motivos por que Sebastião Sá-Marques defende a realização de um referendo. "O referendo é sempre bom, porque traz o debate para cima da mesa. Se o resultado ia ser a favor da monarquia ou não, dependeria de as pessoas terem a humildade para receber uma ideia nova. Porque é nova, a monarquia é uma ideia nova, para o futuro. Não é uma coisa que vai desenterrar-se do passado. É preciso quebrar a ideia de que não há democracia em monarquia".

Para haver um referendo, contudo, seria necessário "dar passos no plano legislativo, não tanto no judiciário, porque não é político, mas no executivo. E aqui já são outros 500 mil réis".

Por agora, o referendo é proibido constitucionalmente. Rodrigo Moita de Deus acredita que esta é uma forma de blindagem: "Esta constituição democrática tem esta limitação, os portugueses não podem escolher a forma de regime. É uma pena enorme, porque a nossa constituição, e as suas sucessivas revisões, tende a abrir-se e continua com essas limitações. É o último grande tabu".

Sem esse impedimento, o referendo faria todo o sentido. "Tem de ser uma opção em aberto. Não podemos dar como adquirido que o desenho do Estado será assim por mais 800 anos. Isso foi o problema dos monárquicos, que também deram por adquirido que a forma de Estado seria sempre uma monarquia". Até ao dia 4 de Outubro de 1910.

O presidente do PPM considera o referendo essencial "para sabermos o que querem os portugueses, mas é preciso ter atenção para não fazer um referendo como foi feito no Brasil. Tem de haver isenção de informação".

A antiga presidente da Causa Real é a única deste grupo de monárquicos que não defende um referendo. "O país não está preparado para isso, não conhece o que é ou o que se pretende com a monarquia sem um debate sério. Um referendo não iria acrescentar nada. Defendo uma monarquia com um projecto que possa mudar aquilo que não funciona nas instituições actuais. Não quero o rei só para ter rei, há toda uma reestruturação do sistema, do regime, que tem de acontecer".

"Ainda estamos muito longe disso", garante Teresa Côrte-Real. Mas tem esperança "que as pessoas acordem e percebam que, independentemente de ser uma república ou uma democracia, o sistema não está a funcionar, está a degradar-se, estão a surgir extremismos de um lado e do outro. É altura de parar para pensar. E isso só se consegue com uma forte aposta na educação".

E, a propósito de educação, um episódio que ilustra a vida dos Bragança, que muito consideram faustosa. "Não estou a cometer nenhuma inconfidência, porque isto já foi dito: foi um dos irmãos Pereira Coutinho que pagou os estudos dos príncipes no estrangeiro", conta José Bouza Serrano.

"A nossa família real são pessoas muito como deve ser", diz. "D. Duarte está um pouco cansado, acho, já está com 75 anos. Ela [Isabel de Herédia] é muito mais nova, mas também já não trabalha, administra os bens da família. Mas são pessoas com convicções fortes, cristãs e têm uma vida bastante sóbria, porque também não têm muito dinheiro. Ele [D. Duarte de Bragança] tem alguns rendimentos, prédios que lhe deixou a Rainha D. Amélia e alguma coisa que vem do Brasil, porque a mãe era princesa do Brasil. Mas tudo coisas simples".

Apesar disso, há bem pouco tempo subsistiam guerras internas, se não pela sucessão, pelo menos pela defesa de títulos. Foi por esse motivo que foi extinto o Conselho de Nobreza, substituído pelo Instituto da Nobreza Portuguesa, "que aos termos da lei não existe".

"Isso teve a ver com outras lutas", explica o embaixador. "Foi o Câmara Pereira que começou a registar marcas no INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Há sempre uma gente que gosta de fazer as coisas ao contrário; registou uma série de marcas, deu-lhes um nome e pôs-lhes um brasão, para mais ninguém poder mexer porque está registado. Mas com um rótulo de vinho não se prova que é nobreza. E D. Duarte o que não tinha era bons advogados, porque senão tinha corrido com aquilo tudo", conclui.

"Penso sempre que pouco mais de 100 anos de república deram cabo de oito séculos de monarquia. É uma pena"José Bouza Serrano

A verdade, garante, é que "a monarquia é muito mais barata do que a república, não tenha dúvidas. Sabe quanto custa a eleição de um presidente? São milhares de euros. O presidente tem uma série de carros, usa os bens do Estado. E Portugal ainda tem tanta coisa ainda, tantos palácios e museus. No fundo, penso sempre que pouco mais de 100 anos de república deram cabo de oito séculos de monarquia. É uma pena. Os meus filhos brincam comigo e dizem: "Não se preocupe, pai. Daqui a mais oitocentos anos já está tudo bem, ficamos quites"" [ri].

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