Lu& s Miguel Ribeiro. "Por cada 100 pessoas que saem do mercado de trabalho apenas ingressam 76"

💥️Como avalia o mercado de trabalho?
A taxa de desemprego está ainda a níveis historicamente baixos, apesar de uma tendência de subida desde o final do ano passado – em fevereiro situou-se em 6,8%, que compara com 7% em janeiro e 5,6% em fevereiro de 2022). Em fevereiro, o emprego manteve uma trajetória de crescimento em relação ao mês anterior (0,6%). Por razões várias, o mercado de trabalho é um enorme desafio. À cabeça está a falta de mão-de-obra que tende a agravar-se no contexto de uma dinâmica demográfica adversa, vincada pela alteração da pirâmide etária: estreitamento da base e alargamento nas idades mais avançadas. Entre os dois últimos censos, a população residente em Portugal diminuiu em todos os escalões etários até aos 39 anos. Em contrapartida, todos os escalões acima dos 44 anos aumentaram a sua importância relativa, com a percentagem de população idosa (65 e mais anos) a representar mais de um quinto (23,4%), enquanto a de jovens (0-14 anos) apenas 12,9%. O índice de envelhecimento subiu mais de 140% e o índice de rejuvenescimento da população ativa agravou-se de forma significativa. Potencialmente, por cada 100 pessoas que saem do mercado de trabalho, apenas ingressam 76, muito abaixo do valor que permite assegurar a reposição da população em idade ativa. São estatísticas que devem preocupar toda a sociedade, que exigem reflexão, mas, sobretudo, ação imediata. Os desafios do mercado de trabalho colocam-se também ao nível da qualificação e requalificação dos ativos, ainda baixa quando comparada com países europeus que concorrem diretamente com Portugal, um aspeto fundamental para fazer face à dupla ambição das transições digital e ambiental.

💥️E a falta de mão-de-obra acaba por prejudicar a atividade das empresas...
Sim, no contacto diário que temos com as empresas e nos inquéritos que realizamos regularmente junto dos nossos associados, a falta de mão-de-obra tem sido apontada como uma das principais dificuldades ao bom desenvolvimento da atividade empresarial. O problema é de tal forma preocupante para as empresas que no inquérito que realizámos em janeiro, a dificuldade de contratação de mão-de-obra qualificada surge em terceiro lugar, logo a seguir à inflação elevada e ao aumento dos custos com a energia. Os números são claros: 39% das empresas consideram que atualmente a dificuldade em contratar afeta de modo muito significativo a sua atividade, mas esta percentagem sobe para quase metade (48% das empresas) relativamente às dificuldades que preveem sentir na contratação de mão-de-obra no final do ano. Este é um problema para o qual a AEP tem vindo insistentemente a chamar a atenção e que nos deve remeter para uma reflexão e, sobretudo, para a ação para tentar colmatar este constrangimento.

💥️Tem ideia de quantos trabalhadores seriam precisos neste momento?
Não conseguimos ter essa estimativa, depende de setor para setor. O que sabemos é que a falta de mão-de-obra é transversal em termos de perfil de trabalhadores, desde os indiferenciados aos mais qualificados. Destacamos, em particular, as queixas de escassez de mão-de-obra especializada em muitas áreas da indústria, desde há bastante tempo. É verdade que estamos numa situação de quase pleno emprego, com a taxa de desemprego próxima dos 7%. Contudo, não podemos ignorar que a taxa de desemprego jovem está perto dos 19%, o que, num contexto de escassez de mão-de-obra, constitui um desperdício de recursos que deveriam estar alocados à atividade económica.

💥️Esta falta de escassez está a levar os empresários a subirem os salários? 
O mercado de trabalho funciona como qualquer outro mercado, pelo que o preço, neste caso o salário, tende a aumentar em situações de pressão da procura sobre uma oferta mais escassa. As estatísticas oficiais são muito claras quanto ao aumento da remuneração bruta total mensal média por trabalhador, mas também são muito claras de que, em termos reais, tendo por referência a variação do Índice de Preços do Consumidor, no ano passado a remuneração bruta total mensal média diminuiu. Portanto, é fundamental reduzir a elevada tributação sobre o trabalho para melhorar o rendimento líquido disponível do trabalhador. Como mostra o mais recente relatório da OCDE, “Taxing Wages 2023”, Portugal é dos países com maior tributação sobre o trabalho, paga pelos empregados e empregadores, surge, quase sempre, nos dez lugares cimeiros entre os 38 países da OCDE.

💥️Há margem de manobra financeira para as empresas continuarem a subir os salários para captar e reter talento?
As empresas ainda estão a sair dos impactos acumulados da pandemia e da guerra, que degradaram as margens de negócio. Haverá empresas com menos margem do que outras, conforme tenham sido mais ou menos afetadas pelas crises recentes (pandemia e guerra). Ainda assim, as empresas continuam a subir os salários, como mostram as estatísticas. De acordo com os dados disponíveis mais recentes da Segurança Social, o valor médio das remunerações declaradas à Segurança Social continuou a crescer ao longo deste ano.

💥️O que poderá ser feito para resolver esta questão? 
Desde logo pela atuação na elevada carga fiscal sobre o trabalho, conforme referido na questão atrás, que constitui um duro e duplo golpe para trabalhadores (ao reduzir o seu salário líquido disponível, já de si “castigado” pela inflação) e empregadores (ao onerar os custos das empresas) – penalizando a capacidade de retenção e atração de investimento e de mão-de-obra, sobretudo a mais qualificada, com implicações sérias na atratividade e competitividade do nosso país. Depois, através da melhoria dos custos de contexto, por forma a promover a melhoria da produtividade empresarial, a única via para uma subida sustentada dos salários, sem colocar em causa a perda de competitividade das empresas. Nesta altura, destaco a necessária desburocratização e aumento da eficiência da máquina administrativa do Estado ao nível dos fundos europeus, de modo a acelerar a execução do PRR e do Portugal 2030, que são fundamentais para apoiar o investimento das empresas e, dessa forma, o emprego e o crescimento económico.

💥️A imigração poderá ser uma alternativa? 
A imigração é uma boa solução, pelo menos em parte e, sobretudo, no curto prazo, sendo de assinalar que o saldo migratório tem registado uma evolução positiva, contribuindo para minorar problemas no mercado de trabalho. De facto, a um nível geral, os dados demográficos mostram que o saldo migratório é positivo desde 2017, permitindo, desde 2023 compensar o saldo natural (estruturalmente) negativo. Por isso, o país precisa de uma política de imigração adequada e, de forma mais ampla, de uma estratégia correta para lidar com as demais (e urgentes) questões demográficas: envelhecimento, baixa natalidade e falta de mão-de-obra a curto, médio e longo prazos. Reafirmo, as pessoas são a solução, não o problema. A AEP tem defendido uma política integrada de retenção e atração de talento, que evite não apenas a saída de população qualificada (jovens em particular) – nomeadamente por via da redução da elevada carga fiscal que incide sobre o fator trabalho –, mas também que promova a atração de talento e de mão-de-obra especializada de outros países.

💥️O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) poderá dar uma ajuda nestas matérias?
O PRR continua a padecer de um “pecado original”: uma forte alocação ao setor público (sobretudo financiamento de medidas sociais) em detrimento do setor produtivo (privado). A proposta de atualização (reprogramação) do PRR mantém, ou até reforça, esse enviesamento. 

A ajuda que o PRR poderia dar seria através de um claro reforço do apoio ao investimento empresarial privado (incluindo na formação e requalificação dos ativos) claramente mais reprodutivo e com impactos positivos no perfil de especialização da economia portuguesa, estimulando a melhoria da produtividade, competitividade, solidez financeira das empresas e, por essa via, melhores níveis de remuneração.

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