PSD acusa Governo de cometer um crime. Executivo fala em defesa do interesse público. O que se passa com o parecer da

Qual é a notícia?

Mais uma polémica relativa à TAP. E envolve novamente a comissão de inquérito. Desta vez está relacionada com a aparente recusa do Governo em divulgar o parecer jurídico que terá sustentado o despedimento da ex-CEO da companhia aérea, Christine Ourmières-Widener.

Como surgiu este caso?

A origem remete a 4 de abril, quando Ourmières-Widener foi chamada a depor perante a comissão. Foi o PSD a pedir os documentos e pareceres que deram “respaldo jurídico” à decisão do Governo de despedir por justa causa a ex-CEO para averiguar se foi a decisão que “melhor salvaguarda os interesses dos contribuintes portugueses”.

No entanto, o caso agudizou-se hoje. Em declarações à agência Lusa, o coordenador do PSD na comissão, Paulo Moniz, explicou que o partido pediu, através de um requerimento, a fundamentação jurídica referida pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, "aquando da conferência de imprensa do dia 6 de março que anunciou o despedimento por justa causa da senhora CEO da TAP”.

E qual foi a resposta do Governo?

A resposta, que partiu dos ministérios de Fernando Medina (Finanças) e de João Galamba (Infraestruturas), é a seguinte:

“A Resolução da Assembleia da República n.º 7/2023, de 14 de fevereiro, foi aprovada no dia 3 de fevereiro de 2023 para constituição de uma comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP SGPS e da TAP SA. Nos seus termos, foi delimitado o respetivo objeto (cfr. alíneas a) a g) da referida resolução) e, bem assim, o horizonte temporal (período entre 2023 e 2022)”, referem.

Segundo a mesma resposta do Governo, “extravasando o aludido objeto da comissão parlamentar de inquérito e/ou reportando-se a factos posteriores à respetiva constituição, as informações requeridas não recaem no escopo” do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.

Por outras palavras, o Governo considerou que tal documento não interessa à comissão pois esta só deve averiguar o que aconteceu na TAP entre 2023 e 2022, e o despedimento foi já este ano.

Como é que o PSD reagiu?

Primeiro, Paulo Moniz, na mesma conversa com a Lusa, disse que “não cabe ao Governo avaliar a necessidade e a oportunidade da documentação” que é pedida pelos deputados e que, ao fazê-lo, está a interferir diretamente na separação de poderes. O deputado diz que a resposta do executivo foi feita ao “arrepio do cumprimento da lei” e representa um “desrespeito profundo” e “de afronta àquilo que são os poderes para o órgão de soberania Assembleia da República”.

No entanto, Luís Montenegro aumentou a parada. Ao início da tarde, o Presidente do PSD aludiu mesmo a um possível crime a ser cometido pelos ministros que vetaram o envio do parecer, considerando o caso “uma distorção completa do equilíbrio de poderes constitucionais”.

O presidente do PSD apelou a que o Governo “recue já” nesta recusa e anunciou qual será a estratégia dos sociais-democratas se tal não acontecer. “Os deputados na CPI vão solicitar que a lei seja aplicada e a lei é muito clara: compete ao presidente da CPI dar nota deste incumprimento legal ao presidente da Assembleia da República e a este fazer a participação ao Ministério Público pela prática do crime de desobediência qualificada dos ministros das Finanças, das Infraestruturas e da Presidência do Conselho de Ministros”, defendeu.

Montenegro citou o artigo 19.º da lei dos inquéritos que determina que “a recusa de depoimento ou o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constituem crime de desobediência qualificada, para os efeitos previstos no Código Penal”.

Mais ainda:  Montenegro considerou que se os socialistas Jorge Seguro Sanches e Augusto Santos Silva não derem estes passos “significa que estão a ser ambos defensores do interesse do PS e do Governo”.

O Governo já reagiu publicamente?

Sim, numa primeira fase, o gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, enviou uma nota à Lusa citando a necessidade de proteger o interesse público.

O comunicado alega que "o parecer em causa não cabe no âmbito da comissão parlamentar de inquérito (CPI)" e "a sua divulgação envolve riscos na defesa jurídica da posição do Estado". "Por isso mesmo, a resposta do Governo à CPI visa a salvaguarda do interesse público", assinala a nota.

Parte da justificação prende-se ainda com o facto de que "os processos de demissão dos anteriores CEO e Chairman da TAP têm sido objeto de manifestações públicas suscetíveis de gerar contencioso entre os visados e o Estado".

Mais tarde, Mariana Vieira da Silva — uma das possíveis visadas na eventual queixa-crime do PSD — apimentou a discussão com referências literárias.

"O Governo entende que, tendo em conta que os pedidos feitos são todos de factos que aconteceram posteriormente à comissão de inquérito parlamentar, estão fora do seu âmbito porque, senão, estaríamos num caso muito tratado na ficção científica de procurar investigar factos posteriores", afirmou em resposta a uma pergunta do deputado Carlos Guimarães Pinto, durante a comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação.

"Além disso, estando em causa um parecer jurídico, julgamos que a defesa do interesse público e dos interesses do Estado nesta matéria beneficiam de poder não tornar público um conjunto de informação nesta matéria", afirmou Mariana Vieira da Silva, acrescentando que "os factos que estão a ser investigados na comissão de inquérito no período a que ela se dedica serão naturalmente investigados".

O deputado da IL insistiu, defendendo que os factos que levaram à demissão ocorreram em 2022 e voltou a questionar Mariana Vieira da Silva se "a desculpa" que o Governo deu "de o parecer ter sido emitido já em 2023 não é excessiva e se não demonstra alguma vontade de esconder" os motivos que levaram à demissão da ex-presidente da TAP.

"O Governo compreende que a nossa visão sobre as preocupações de defesa do interesse público não seja a mesma, porque, senão, não se sentava nessa bancada", afirmou a ministra dirigindo-se a Carlos Guimarães Pinto.

Já Fernando Medina, recusou-se a falar sobre o caso.

Que repercussões teve esta troca?

Houve reações da direita à esquerda:

O presidente do Chega afirmou hoje que, tal como o PSD, vai entregar uma denúncia no Ministério Público caso o ministro das Finanças continue a recusar entregar à comissão de inquérito o parecer.A IL, através daquele que tem sido o seu deputado em grande destaque neste dossier, acusou o PS de “enorme falta de transparência”. Bernardo Blanco apontou a mira ao gabinete de Ana Catarina Mendes, dizendo que os seus argumentos “são muito fáceis de desconstruir” porque “quem anunciou para as televisões, em conferência de imprensa, estas demissões foi o próprio Governo e, por isso, os ministros, certamente, teriam a segurança jurídica necessária para o fazer”, motivo pelo qual “o parecer tem de ser divulgado”. “Ou então não haveria parecer nenhum, pode ser uma hipótese, e pode ter havido aqui uma mentira do lado do Governo”, apontou.Do outro lado da bancada no hemiciclo, Mariana Mortágua fez uma observação parecida. "Não existe qualquer evidência” de que haja um parecer a fundamentar o despedimento, disse a deputada bloquista. “Ou esse parecer não existe e o Governo deve dizer que tomou a decisão sem que esta esteja suportada na existência de um parecer jurídico, ou, se o parecer de facto existe, tem de ser enviado à comissão de inquérito”.Menos agressivo, o PCP apelou ao Governo que seja responsável. “Escusamos estar a perder tempo em discussões como esta, porque o documento já devia ter sido entregue, porque é essa a decisão da CPI”, defendeu o deputado Bruno Dias. O comunista considerou que o “Governo tem, desde logo, de cumprir a sua responsabilidade, cumprir o seu dever e fornecer os documentos que a CPI solicitou”. “Em vez de estarmos a discutir a tática sobre fazer o cerco ao Governo para que entregue os documentos, o que é importante é que os documentos cheguem”, afirmou o deputado do PCP, salientando que “o Governo tem uma responsabilidade política antes de mais, é um protagonista principal desta história e, como tal, tem que assumir a sua responsabilidade”.

E quanto a Seguro Sanches e Santos Silva, já se pronunciaram?

Só o primeiro. O presidente da comissão de inquérito à TAP disse que vai insistir com o Governo para enviar o parecer jurídico — isto depois de uma reunião de emergência pedida pelo PSD para discutir o tema.

Depois de mais de uma hora de discussão foi decidido que Seguro Sanches vai proceder às diligências necessárias para insistir com o Governo para que envie a documentação que foi solicitada. De acordo com Seguro Sanches, ficará claro na exposição que o pedido deste parecer “está dentro do âmbito da comissão de inquérito”, refutando assim um dos argumentos do Governo para não enviar esta documentação.

O PSD, contudo, não concordou e recorreu desta decisão do presidente da comissão de inquérito por considerar que, segundo o regime jurídico dos inquéritos parlamentares, devia ser o presidente da Assembleia da República a proceder a estas diligências.

No entanto, o PSD ficou isolado nesta posição e o seu recurso foi chumbado, tendo os restantes partidos defendido que devia ser seguido o mesmo critério que tem sido usado quando uma entidade não envia documentação dentro do prazo lugar, ou seja, ser o presidente da comissão a fazer esta diligência.

Houve mais alguma manifestação quanto a este parecer?

Sim, curiosamente da parte da equipa legal de Christine Ourmières-Widener, que desconhece a existência de tal parecer jurídico. "A única coisa que recebemos e sobre a qual nos pronunciámos são as duas deliberações da assembleia-geral. Tirando isso e o relatório da IGF [Inspeção-Geral de Finanças] não conhecemos mais nada", respondeu a advogada Inês Arruda.

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