Homem que sobreviveu a tiros no Chapadão vive com sequelas e busca justiça: ‘Lembrar daquele dia é torturante’

Dois anos após uma ação da Polícia Militar que deixou dois mortos e um ferido no Complexo do Chapadão, o único homem que sobreviveu aos tiros convive com sequelas e as lembranças do terror que viveu quando bebia com amigos na entrada da comunidade.

“Lembrar daquele dia é torturante. Na verdade, eu lembro todos os dias. Às vezes, não consigo dormir, tenho insônia por conta disso. Às vezes crise de ansiedade, porque é difícil”, disse o jovem, que tem vergonha de mostrar o rosto.

A investigação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) sobre o caso não começou. As famílias dos outros dois mortos também lutam para ver a justiça ser feita.

João foi baleado em março de 2023, em uma ação da Polícia Militar no Complexo do Chapadão, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Outros dois amigos dele, que também foram atingidos, morreram. Guilherme Martins tinha 20 anos e levou um tiro nas costas. Gabryel Marques, de 21 anos, também estava com o grupo.

Na época, a Polícia Militar disse que revidou ataques de criminosos e apreendeu materiais usados no tráfico. A PM afirmou também que três indivíduos foram encontrados feridos e socorridos.

Ele nega a versão.

“A polícia entrou e efetuou diversos disparos na nossa direção. Em questão de menos de 15 segundos já estava todo mundo no chão, baleado. Gabryel e Guilherme já caíram no chão sem vida”, afirmou João.

João foi baleado em março de 2023, em uma ação da Polícia Militar no Complexo do Chapadão — Foto: Reprodução/ TV Globo 1 de 2 João foi baleado em março de 2023, em uma ação da Polícia Militar no Complexo do Chapadão — Foto: Reprodução/ TV Globo

João foi baleado em março de 2023, em uma ação da Polícia Militar no Complexo do Chapadão — Foto: Reprodução/ TV Globo

Os três rapazes tinham servido no Exército e não tinham passagem pela polícia.

Quando ainda estava internado, João foi preso por tráfico de drogas. Ele ficou detido por 21 dias. Três meses depois, foi absolvido pela Justiça.

Em liberdade, convive com as sequelas dos tiros que levou e precisa usar uma bolsa de colostomia e ainda espera passar por uma cirurgia.

“Estou até agora dependendo do sistema público para fazer a reversão, para fazer novamente a cirurgia. Os trabalhos ficaram limitados devido à condição que eu me encontro”, explicou.

Dois anos após as mortes de Gabryel e Guilherme, o Ministério Público não concluiu a investigação sobre o que de fato aconteceu naquele dia. As famílias pedem que os policiais que atiraram sejam denunciados.

Porém, depois de quase um ano com o processo parado, o MPRJ, que é o órgão que leva as denúncias à Justiça, pediu que a Polícia Civil recomece as investigações do zero, na 31ª DP (Ricardo de Albuquerque). A delegacia é onde a apuração começou.

MPRJ pediu que delegacia reiniciasse investigação da morte de dois jovens no Complexo do Chapadão do zero — Foto: Reprodução/ TV Globo 2 de 2 MPRJ pediu que delegacia reiniciasse investigação da morte de dois jovens no Complexo do Chapadão do zero — Foto: Reprodução/ TV Globo

MPRJ pediu que delegacia reiniciasse investigação da morte de dois jovens no Complexo do Chapadão do zero — Foto: Reprodução/ TV Globo

O inquérito policial tinha sido concluído meses depois do caso, mas a conclusão não foi divulgada. O MPRJ pede um novo depoimento dos policiais envolvidos na operação, para que eles expliquem como foi a apreensão de materiais que eles afirmam ter feito. O prazo para cumprimento é de 120 dias.

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-Rio) aponta vários erros nas investigações e afirma que o crime deveria ter sido investigado desde o início pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Segundo uma lei de 2023, todo homicídio ocorrido por intervenção policial deve ser apurado pela delegacia especializada.

“Infelizmente, a Polícia Civil ainda segue uma normativa interna de que os casos da região do 41º Batalhão sejam investigados nas delegacias da região. O que faz com que muitos casos nãos sejam investigados da forma devida. Uma lei estadual vale mais que qualquer questão interna da Polícia Civil, mas acabou que o caso ficou mesmo na atribuição do promotor da região. O prejuízo é enorme, seja na busca por provas, seja na busca por testemunhas”, afirmou Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ.

Ainda de acordo com Mondego, quando mais o tempo passa, é maior a chance de impunidade.

“Quanto mais se demora, mais fácil ter impunidade. Tendo em vista que você não vai conseguir achar as provas necessárias, provas materiais, provas testemunhais para poder descobrir o que de fato aconteceu naquele dia”, completou.

João, que teve a ficha criminal suja pelo caso, espera que o destino mude.

“Eu topei falar agora porque eu esperei a mente dar uma acalmada, pois ainda estava muito recente. Porém, esperei dois anos e nada foi feito. O que eles fizeram não é certo, tem que ter responsabilidade. Tem muito sangue inocente sendo derramado em vão”, disse João.

A Polícia Civil afirmou que a 31ª DP (Ricardo de Albuquerque) retomou as investigações para cumprir as diligências requisitadas.

O MPRJ disse que a promotoria de investigação penal da área onde houve o crime remeteu o inquérito de volta para a delegacia. Mas não respondeu o motivo do processo ter ficado quase um ano parado em um jogo de empurra entre promotorias.

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