Lula volta à Presidência 12 anos após ter deixado o poder; relembre a trajetória do presidente eleito
Quase doze anos após encerrar o governo com aprovação recorde e três depois de sair da prisão, onde passou 580 dias, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito neste domingo (30), em segundo turno, presidente da República pela terceira vez.
Ao superar Bolsonaro, primeiro presidente a perder a reeleição, Lula demonstrou ter apoio popular mesmo diante de escândalos de corrupção das gestões petistas e reforçou a capacidade de articulação ao reunir amplo arco de alianças, que incluiu antigos adversários, entre os quais o futuro vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB). O ex-tucano foi vencido pelo próprio petista em 2006.
Derrotado em 1989, 1994 e 1998, vitorioso em 2002, 2006 e 2022, Lula é 💥️o primeiro político a vencer três eleições presidenciais no Brasil. Em 1º de janeiro, repetirá a cena de duas décadas atrás. Subirá a rampa do Palácio do Planto para vestir a faixa presidencial e dar início ao novo mandato de quatro anos de duração.
O resultado foi confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às 19h57, quando 98,81% das urnas já tinham sido apuradas. Àquela altura, Lula tinha 50,83% dos votos válidos e não poderia mais ser alcançado por Bolsonaro, que contabilizava os outros 49,17% de votos válidos.
A apuração chegou a 100% nas primeiras horas da madrugada de segunda (31). Lula foi eleito com 60.345.999 votos (50,9% do total de votos válidos), 2,1 milhões a mais que os 58.206.354 votos de Bolsonaro (49,1% dos válidos). A diferença percentual a favor de Lula é a menor de um presidente eleito desde 1989.
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Sétimo filho do casal de lavradores Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Mello, a dona Lindu, Lula nasceu em 1945 no interior de Pernambuco. Aos sete anos, subiu em um caminhão rumo a São Paulo. Viveu na periferia do Guarujá e, depois, seguiu com a mãe e irmãos para a capital – onde morou em uma habitação de um cômodo, nos fundos de um bar.
Engraxate e office boy, Lula se empregou na Fábrica de Parafusos Marte. Concluiu curso de torneiro mecânico no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e se tornou metalúrgico. Aos 17 anos, perdeu o dedo mínimo da mão esquerda em um acidente de trabalho.
Lula trabalhou na Indústria Villares, metalúrgica em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista. Ingressou no movimento sindical por influência do irmão José, chamado de Frei Chico. Foi suplente, primeiro-secretário e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.
Reeleito presidente do sindicato, Lula ganhou visibilidade nacional pela liderança nas greves de metalúrgicos que paralisaram o ABC em plena ditadura militar (1964-1985). O governo federal reagiu, e o sindicalista ficou 31 dias na cadeia em 1980, com base na antiga Lei de Segurança Nacional.
Também em 1980, Lula foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), junto com políticos, sindicalistas, intelectuais, lideranças rurais e religiosas. O país entrava na reta final da ditadura, com a abertura política "lenta e gradual" definida pelos militares, e ganhou alternativa de partido à esquerda.
1 de 7 Lula ao lado de Plínio de Arruda Sampaio durante a campanha à Presidência em 1989 — Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão ConteúdoLula ao lado de Plínio de Arruda Sampaio durante a campanha à Presidência em 1989 — Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão Conteúdo
Lula concorreu, sem sucesso, ao governo de São Paulo em 1982 e foi eleito deputado federal em 1986, participando da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou dois anos depois a atual Constituição do Brasil.
Em 1989, o petista estreou na corrida ao Planalto na primeira eleição direta para presidente desde 1960. Ele chegou ao segundo turno, porém foi derrotado por Fernando Collor de Mello – à época no PRN – que em 1992 renunciou e foi condenado em um processo de impeachment motivado por denúncias de corrupção.
Lula voltou a concorrer ao Planalto em 1994 e 1998, porém nas duas ocasiões foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), candidato impulsionado pelo êxito do Plano Real no combate à inflação.
2 de 7 Lula com Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor no governo, quando ele ainda ocupava a presidência em 2002 — Foto: Agência EstadoLula com Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor no governo, quando ele ainda ocupava a presidência em 2002 — Foto: Agência Estado
Em 2002, com o mote de que a esperança venceria o medo da vitória de um candidato de esquerda, Lula caminhou ao centro com sua versão "paz e amor". Para acalmar temores do mercado financeiro, lançou a "carta ao povo brasileiro", na qual disse que manteria as contas públicas sob controle.
A estratégia deu certo. Lula foi eleito com 52,7 milhões de votos. Derrotou no segundo turno José Serra (PSDB), candidato governista. Em 1º de janeiro de 2003, tornou-se o primeiro operário a governar o Brasil. Definiu como meta a redução da miséria e da desigualdade, aprimorou políticas sociais e lançou programas como Fome Zero, Bolsa Família e ProUni.
3 de 7 O presidente Lula durante pronunciamento em rede nacional sobre o escândalo do mensalão em agosto de 2005 — Foto: Reprodução/TV GloboO presidente Lula durante pronunciamento em rede nacional sobre o escândalo do mensalão em agosto de 2005 — Foto: Reprodução/TV Globo
Em 2005 estourou o escândalo do mensalão. O então deputado e presidente do PTB, Roberto Jefferson, delatou em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" um esquema de compra de apoio político no Congresso por meio de mesadas pagas a parlamentares de partidos da base de Lula.
O escândalo resultou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios e derrubou o ministro da Casa Civil, José Dirceu. O PT argumentava que o esquema se tratava de caixa dois, dinheiro não declarado à Justiça Eleitoral.
Ainda em 2005, Lula foi à televisão para um pronunciamento em cadeia nacional no qual se disse “traído”. Sem usar a palavra mensalão, admitiu que o partido e o governo tinham errado e deveriam pedir desculpas.
4 de 7 Lula e seu adversário em 2006, Geraldo Alckmin, se cumprimentam durante debate entre presidenciáveis — Foto: ReutersLula e seu adversário em 2006, Geraldo Alckmin, se cumprimentam durante debate entre presidenciáveis — Foto: Reuters
Lula resistiu à crise. Ampliou a base parlamentar e se manteve popular graças ao bom momento da economia, com inflação sob controle, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e aumento da classe média, cenário favorecido pela valorização das commodities. O desempenho refletiu nas urnas.
Em 2006, Lula recebeu 58,2 milhões de votos e venceu Geraldo Alckmin – que estava no PSDB – no segundo turno. Reeleito, lançou novos programas, com destaque para a política de habitação do Minha Casa, Minha Vida e para as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Lula foi badalado no exterior, ao ponto de ser chamado de “o cara” pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Com aprovação recorde de 87%, o petista se despediu em 2010 tendo sido decisivo na vitória de Dilma Rousseff (PT), sua ex-ministra, na corrida presidencial.
5 de 7 Dallagnol apresenta power point durante coletiva — Foto: (Foto: Rodolfo Buhrer/FotoArena/Estadão Conteúdo)Dallagnol apresenta power point durante coletiva — Foto: (Foto: Rodolfo Buhrer/FotoArena/Estadão Conteúdo)
Como ex-presidente, Lula viveu altos e baixos. Superou um câncer na laringe e viu o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar 28 dos 38 réus na ação penal do mensalão.
Em 2014, ele comemorou a reeleição de Dilma. No mesmo ano, começou a Operação Lava Jato, que descobriu esquema de desvio de recursos públicos nas gestões petistas por meio de contratos da Petrobras. O dinheiro irrigava doleiros, executivos, partidos e políticos.
A operação avançou sob a condução de Sergio Moro, juiz da 13ª Vara Criminal de Curitiba. A Lava Jato gerou delações premiadas, devolução de parte do dinheiro desviado, prisões de empreiteiros e políticos e influenciou no impeachment de Dilma, em 2016. A cassação marcou a saída do PT do Planalto após 13 anos no poder.
6 de 7 Lula ao chegar à sede da Polícia Federal em Curitiba, onde ficou preso por 580 dias — Foto: Ricardo Moraes/ReutersLula ao chegar à sede da Polícia Federal em Curitiba, onde ficou preso por 580 dias — Foto: Ricardo Moraes/Reuters
Em 2017, Lula foi condenado por Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá (SP). A condenação, a primeira de um ex-presidente por crime comum no Brasil, foi confirmada no ano seguinte no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), a segunda instância de Justiça Federal. Para três desembargadores Lula recebeu propina da construtora OAS por meio do triplex e de reformas no imóvel.
O petista negava os crimes e se dizia vítima de perseguição. Travou uma batalha nos tribunais nos últimos anos. Como o STF tinha entendimento de que era possível cumprir a pena após condenação em segunda instância, Lula foi preso em 7 de abril de 2018. Ele foi levado para uma sala na sede da Polícia Federal em Curitiba, onde ficou encarcerado por 580 dias.
Preso, Lula pediu registro da candidatura a presidente em 2018. Líder nas pesquisas, teve o registro rejeitado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o considerou inelegível em razão da Lei da Ficha Limpa. Fernando Haddad (PT) substituiu o ex-presidente e foi derrotado no segundo turno por Bolsonaro, à época no PSL – partido que mais tarde iria se fundir ao DEM para formar o União Brasil.
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação pelo caso triplex, porém Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2023 após o STF considerar inconstitucional a prisão em segunda instância, antes de se esgotarem todos os recursos. O TRF-4 ainda condenou o ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia, mas ele recorreu em liberdade.
Lula seguia inelegível, situação que mudou em março de 2023. O ministro Edson Fachin, do STF, anulou as condenações impostas por Moro, decisão confirmada pelo plenário do tribunal, que entendeu que o juiz não tinha competência para julgar quatro processos contra o petista. Lula recuperou os direitos políticos e ficou elegível. O STF ainda julgou Moro, que em 2023 virou ministro da Justiça de Bolsonaro, parcial na condenação de Lula no caso do triplex.
7 de 7 Lula posa com casaco do Corinthians e boné escrito 'Favella' durante comício na Zona Leste de São Paulo — Foto: Amanda Perobelli/ReutersLula posa com casaco do Corinthians e boné escrito 'Favella' durante comício na Zona Leste de São Paulo — Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Lula reuniu aliados tradicionais e antigos adversários em uma espécie de frente ampla contra Bolsonaro, que ganha adesões nas últimas semanas de campanha. Relator cujo voto balizou condenações de petistas no mensalão, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, por exemplo, declarou voto no ex-presidente, bem como a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, e o tradicional adversário Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Lula outra vez guinou ao centro e tentou retomar pontes no mercado financeiro. A campanha focou em temas como retomada do crescimento, redução da miséria no país e defesa da democracia, mas sem detalhar os planos para economia.
De olho no voto dos cristãos, o petista lançou uma carta aos evangélicos na qual reafirmou ser pessoalmente contrário ao aborto, criticou o uso da fé com finalidade eleitoreira e desmentiu boatos de que fecharia templos religiosos se fosse eleito.
Vitorioso, Lula confirmou sua reabilitação por meio do voto dos brasileiros e terá o desafio de pacificar e desenvolver o país nos próximos anos.
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