Voz de Gal Costa fica eternizada como o cristal luminoso que abrilhantou e atravessou toda a música brasileira
♪ 💥️OBITUÁRIO – Fatal. Plural. Fenomenal. Magistral. Tropical. Legal. Muitos foram os adjetivos usados para, rimando, tentar qualificar a amplitude e o alcance do cristal de Gal Costa na história da música brasileira. Por isso mesmo, é em choque que o Brasil recebe na manhã de hoje a notícia da morte de Maria da Graça Costa Penna Burgos (26 de setembro de 1945 – 9 de novembro de 2022), uma das mais belas e importantes vozes do mundo. A partida de Gal, aos 77 anos, é perda irreparável, da dimensão da saída de cena de Elis Regina (1945 – 1982), outra cantora referencial na MPB.
Todos os caminhos da música popular do Brasil passaram pela voz cristalina da imortal cantora baiana, desde a estreia oficial no palco do Teatro Vila Velha na cidade natal de Salvador (BA), no segundo semestre de 1964 – fazendo o show 💥️ com artistas conterrâneos como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Tom Zé – até o corrente show 💥️ (2021), estreado em 30 de outubro do ano passado.
💥️Bastidores dos últimos álbuns de Gal mostram como ela manteve o espírito tropicalista até o fim; ouça no podcast g1 ouviu
A importância de Gal transcende o campo musical. De 1964 a 1967, Gal incorporou a tímida , cantora de tons acariciantes, devota de João Gilberto (1931 – 2023) em comunhão com o amigo de fé Caetano Veloso, com quem dividiu o primeiro álbum, 💥️, lançado em 1967. Tanto que o primeiro single de Gal, editado em 1965 com músicas inéditas de Gil (o samba 💥️) e Caetano (💥️), ecoou nos arranjos e no canto a estética cool da bossa nova.
Só que, a partir de 1968, com a defesa de 💥️ (Caetano Veloso e Gilberto Gil) no palco de festival, Gal se transformou em outra. Inflamou o canto, deixou uma Janis Joplin (1943 – 1970), tomou atitude roqueira e adotou indumentária hippie. Estava aberto o caminho para que Gal – a voz feminina de Tropicália – se tornasse a musa nacional da contracultura quando Caetano e Gil partiram para o exílio, em 1969.
Álbuns como 💥️ (1969) e 💥️ (1970) refletiram o momento de desbunde e conectaram a cantora com o guitarrista Lanny Gordin e com o sempre Jards Macalé. Estreado em outubro de 1971 e transformado em álbum duplo ao vivo editado ainda em dezembro daquele ano, o show 💥️ foi o retrato mais bem lapidado de Gal como a voz da resistência, sob a batuta do poeta e diretor Waly Salomão (1943 – 2003). A voz que lançou Luiz Melodia (1951 – 2017) com 💥️ (1971).
💥️Veja discografia de Gal na linha do tempo abaixo:
Na sequência, o álbum 💥️ (1973) fechou esse ciclo de desbunde.💥️, o atualmente cultuado álbum de 1974, amaciou novamente o canto de Gal com o toque de João Donato, músico, arranjador e compositor recorrente no álbum produzido por Caetano Veloso. A patrulha da época minimizou 💥️, mas o tempo lhe fez justiça.
Em 1975, a voz de Gal ecoou diariamente nas noites do Brasil com o tema de abertura da novela 💥️ (TV Globo), 💥️, do compositor Dorival Caymmi (1914 – 2008). O sucesso motivou a gravação no ano seguinte do álbum💥️ (1976), um dos pioneiros da MPB, formato ao qual Gal voltaria quatro anos depois ao dar voz ao cancioneiro do compositor Ary Barroso (1903 – 1964) no disco 💥️ (1980).
1 de 2 Gal Costa na capa de disco de 1969 — Foto: Divulgação
Gal Costa na capa de disco de 1969 — Foto: Divulgação
O canto luminoso de Gal sempre ignorou patrulhas e cobranças. Se foi roqueiro, jazzístico e introspectivo no álbum 💥️ (1977), acenou para as massas reais a partir do disco 💥️ (1978) com sucesso amplificado no show e disco 💥️ (1979) e no álbum 💥️ (1981), disco impulsionado nas paradas pela marcha-frevo junina 💥️ (Moraes Moreira e Abel Silva), arranjada pelo maestro Lincoln Olivetti (1954 – 2015) com a estética tecnopop que seria dominante na música brasileira ao longo dos anos 1980.
Após o álbum 💥️ (1982), feito na cola do disco anterior, Gal encerrou a passagem pela gravadora Philips com 💥️ (1983) e, de contrato assinado com a RCA, refinou o mel industrializado de baladas como 💥️(Ed Wilson e Ronaldo Bastos, 1984) – carro-chefe do álbum 💥️ (1984) – e 💥️ (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1985), mega hit do álbum 💥️ (1985), título comercialmente mais bem-sucedido da discografia de Gal.
Cinco anos e um controvertido álbum depois, 💥️ (1987), o disco 💥️(1990), idealizado pelo mesmo Waly Salomão (1943 – 2003) que guiara Gal no show 💥️, rendeu show aclamado que ia do samba urbano de Noel Rosa (1910 – 1937) ao samba-reggae do Olodum. Em 1993, Gal fez um dos álbuns mais refinados da discografia, 💥️, gravado com produção musical do norte-americano Arto Lindsay.
💥️ consolidou a virada estética iniciada no álbum 💥️e deu origem a um show modernista, dirigido pelo encenador teatral Gerald Thomas e atacado com fúria insana pela maior parte da crítica.
A dor da perda de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) foi o mote de outro álbum sofisticado, 💥️ (1995), disco gravado com produção musical de Jaques Morelenbaum e repertório formado por músicas de Caetano e Chico Buarque.
Dois anos depois, em 1997, Gal revisitou o próprio repertório, com arranjos do maestro Wagner Tiso, em bem-sucedido álbum ao vivo da série 💥️. No ano seguinte, Gal foi a vez de 💥️ (1998), álbum produzido por Celso Fonseca e batizado com nome de sambossa de Cezar Mendes e Caetano Veloso, música que ganhou força com o passar dos anos.
A partir de então, Gal passou a fazer discos de menor ambição artística, sem a centelha da ousadia. Registro de show gravado em São Paulo com produção musical de Marco Mazzola, o álbum duplo 💥️ (1999) se escorou com reverência no cancioneiro soberano do compositor carioca.
💥️ (2001) reciclou sucessos com arranjos orquestrais de Wagner Tiso e encerrou o vínculo da cantora com a BMG, gravadora antes denominada RCA.
Gal atravessou os anos 2000 em gravadoras de pequeno porte, sem a velha chama. Disco feito com o produtor Marco Mazzola, 💥️ (2002) soou irregular, por vezes equivocado, mas emplacou a regravação de 💥️ (Arnaldo Antunes e Alice Ruiz, 1994). Produzido por Mariozinho Rocha, o álbum💥️ (2003) foi comportado mergulho no universo do samba-canção da fase pré-Bossa Nova.
O álbum💥️ (2005) fechou a cortina do passado, mas surtiu efeito moderado, talvez pela produção musical ter sido confiada a César Camargo Mariano, nome pouco identificado com a obra de compositores como Clima, Junio Barreto, Moreno Veloso, Nuno Ramos e Péri. O disco 💥️ gerou show gravado ao vivo em São Paulo (SP) e lançado em 2006, em CD e DVD (o primeiro registro de show de Gal no formato de vídeo digital).
Gal teve outro disco ao vivo editado em 2006, só que nos Estados Unidos. Lançado no Brasil em 2007, 💥️ foi, como o título já explicitou, o registro de show feito pela cantora em 19 de maio de 2006 na casa de jazz de Nova York (EUA).
A partir de 2007, Gal se ausentou dos estúdios. A volta se deu em grande estilo, quatro anos depois, precisamente em dezembro de 2011 com 💥️, revigorante álbum de textura eletrônica, idealizado por Caetano Veloso e produzido por ele com o filho Moreno Veloso.
Somente com músicas de Caetano, o álbum 💥️ gerou show que estreou 2012 e rejuvenesceu o público e a alma musical de Gal, como percebido no álbum duplo 💥️ (2013).
2 de 2 Gal Costa (1945 – 2022), uma das maiores cantoras do mundo, morre aos 77 anos — Foto: Carol Siqueira / DivulgaçãoGal Costa (1945 – 2022), uma das maiores cantoras do mundo, morre aos 77 anos — Foto: Carol Siqueira / Divulgação
Com a entrada em cena do diretor artístico Marcus Preto, a chama de 💥️permaneceu acesa em álbuns posteriores como 💥️ (2015) – disco em que, sob produção musical de Kassin e Moreno Veloso, Gal deu voz a músicas inéditas de Arthur Nogueira, Céu, Criolo, Mallu Magalhães e Zeca Veloso, entre outros nomes da geração anos 2010 – e 💥️ (2018), gravado com produção musical de Pupillo e com repertório que incluía músicas de Tim Bernardes, Silva, Emicida, Gilberto Gil e Adriana Calcanhotto, além de dueto com Marília Mendonça (1995 – 2023), musa da sofrência feminina sertaneja.
Ao lançar o álbum de estúdio 💥️ (2021) no ano passado, Gal voltou novamente ao passado, mas já antenada com o presente, fazendo duetos com nomes com Tim Bernardes, Zé Ibarra e Zeca Veloso.
A dor sentida hoje pelo Brasil somente é amenizada pela certeza de que a voz de Gal Costa – a mãe de muitas vozes – fica eternizada como lâmina cristalina que atravessou e abrilhantou todos os caminhos da música brasileira de 1964 a 2022.
💥️VÍDEOS: 'Meu Nome é Gal', 'Força Estranha', 'Baby'... relembre músicas
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