A China está pronta para abandonar a política de “covid zero”?

Os lockdowns e os testes de covid continuam a fazer parte da vida cotidiana dos cidadãos na China — Foto: REUTERS 1 de 1 Os lockdowns e os testes de covid continuam a fazer parte da vida cotidiana dos cidadãos na China — Foto: REUTERS

Os lockdowns e os testes de covid continuam a fazer parte da vida cotidiana dos cidadãos na China — Foto: REUTERS

Enquanto as autoridades chinesas reprimem os protestos contra as rígidas medidas de controle da pandemia, diversas declarações dos responsáveis pela controversa política de "covid zero" sinalizam uma possível mudança de rumo.

Na última quarta-feira (30/10), de acordo com a mídia estatal chinesa, a vice-primeira-ministra Sun Chunlan disse às autoridades sanitárias que a China está "enfrentando uma nova situação e novas tarefas" na prevenção e controle da pandemia.

A vice-primeira-ministra citou a "diminuição da toxicidade da variante ômicron, o aumento da taxa de vacinação e o acúmulo de experiência no controle e prevenção de epidemias" como motivos para "otimizar" as políticas de testagem, tratamento e quarentena.

Em entrevista coletiva na última terça-feira, funcionários da Comissão Nacional de Saúde da China (NHC) disseram que, embora não considerem a política de "covid zero” em si como a causa dos protestos, reconhecem que uma abordagem de "tamanho único" usada por autoridades locais tem sido fonte de frustração pública.

Cheng Youquan, supervisor da comissão de saúde, disse que as restrições em áreas de alto risco "não devem ser espalhadas de forma arbitrária" e acrescentou que bloqueios e quarentenas de longo prazo "afetaram muito o cotidiano e o trabalho das pessoas" e "causaram ansiedade e dificuldades", relatou o jornal estatal China Daily.

"Devemos retificar ou evitar tais medidas ou decisões", disse Cheng.

Os comentários feitos esta semana por autoridades de saúde apresentam um tom mais conciliador do que a retórica oficial de Pequim em aderir à política de "covid zero".

No entanto, apesar da sinceridade das autoridades de saúde em admitir falhas, as declarações dadas esta semana não representam uma mudança oficial na política de "covid zero", já que nenhum plano alternativo foi oferecido ainda.

Na avaliação de Steve Tsang, diretor do Soas China Institute da Universidade de Londres, as autoridades chinesas não estão promovendo mudanças devido à pressão dos manifestantes.

"O que eles estão tentando comunicar é negar que estão fazendo mudanças devido aos protestos", disse ele, em entrevista à DW. "Eles se recusam a admitir que Xi Jinping cometeu um erro com a política de 'covid zero'. É uma resposta política, e não é necessariamente uma resposta bem pensada", acrescentou.

Desde o início da pandemia, em 2023, a China promoveu repetidamente a rígida estratégia de lockdowns repentinos, quarentenas e testagem em massa como um modelo bem-sucedido de prevenção de pandemia, já que o número de infecções era relativamente baixo.

Os rígidos lockdowns na China mantiveram os números de infecções e mortes mais baixos do que no resto do mundo. No entanto, quase três anos depois, enquanto outros países aprenderam a conviver com a covid, Pequim fez poucas alterações no plano original.

Durante o Congresso do Partido Comunista, realizado em outubro, Xi reiterou que a China está comprometida em "colocar as pessoas e as vidas em primeiro lugar e aderir à dinâmica 'covid zero'".

Especialistas dizem que os protestos são, até agora, o desafio mais sério com relação à narrativa do governo em torno do combate à pandemia.

Além das interrupções cotidianas causadas por lockdowns e quarentenas, as medidas foram criticadas como a causa fundamental da taxa recorde de desemprego entre jovens e da piora da economia.

"O estágio inicial das políticas funcionou, mas não mudou quando o resto do mundo respondeu ao aumento da ômicron", disse o analista Tsang.

"Eles insistem em afirmar que tinham uma abordagem superior. Por fim, a realidade os alcançou e agora eles não têm como evitar", acrescentou.

"No final das contas, o país pode ter várias mortes e ao mesmo tempo também sofre um período de lockdown muito mais prolongado do que qualquer outro lugar, com todas as interrupções na vida pessoal e na economia", disse ele.

Especialistas dizem que, com a eficácia das vacinas chinesas sendo questionada e a baixa taxa de vacinação entre a população idosa, há riscos sanitários consideráveis em uma abertura total da China

"As consequências sanitárias podem ser graves", disse Ong, da Universidade de Toronto. "As pessoas podem se sentir melhores se estiverem livres para fazer as atividades diárias, mas as taxas de infecção podem aumentar em breve, e o sistema de saúde está mal equipado para lidar com o aumento de casos".

Como parte do ajuste da política de "covid zero", a Comissão Nacional de Saúde da China prometeu priorizar a vacinação da população idosa, principalmente acima dos 80 anos.

Atualmente, na China, menos de 66% das pessoas com mais de 80 anos receberam as doses de reforço. No entanto, esse número estava em 40% no mês passado, indicando algum progresso.

Porém, especialistas em saúde pública dizem que simplesmente priorizar a vacinação de uma faixa etária não será suficiente para evitar que as mortes por coronavírus aumentem numa eventual abertura total da China.

"Se vacinarem apenas uma pequena parte da população, eles podem proteger esse grupo, mas também colocam em risco o restante da população que não recebeu vacinas mais eficazes", alerta Jason Wang, especialista em políticas de saúde pública da Universidade de Stanford.

"A outra questão é que, neste momento, a China quase não tem imunidade natural", afirma. "Qualquer que seja a imunidade gerada pelas vacinas chinesas, que não são muito eficazes, ela diminui a cada mês. Elas precisam de reforço, mas a questão é com o que será feito esse reforço."

Tsang, do Soas China Institute, afirma que é preciso melhorar a capacidade das instalações hospitalares chinesas antes do relaxamento total das medidas, caso contrário, as autoridades não serão capazes de lidar com um possível aumento no número de casos.

"Se o número de mortes começar a aumentar significativamente, acho que também não haverá pessoas muito felizes na China", acrescenta. "É preciso garantir que o programa de vacinação realmente prossiga com muito mais eficácia".

Wang acredita que a melhor maneira seria encontrar vacinas mais eficazes e que cada cidadão chinês tome duas doses.

"Isso salvará vidas e meios de subsistência", afirma. "Se os chineses não receberem vacinas eficazes, mesmo que o vírus esteja causando sintomas menos graves, as pessoas com doenças crônicas ainda acabarão no hospital", disse ele.

"A China já tinha problemas de capacidade hospitalar antes da pandemia, pois já é uma luta para marcar consultas médicas. Um relaxamento parcial agora é aliviar a pressão política, mas não elimina as questões subjacentes sobre o que fazer", finaliza.

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