Daniela Mercury afina o ativismo no álbum 'Baiana', mas a música resulta sem a força do discurso
Capa do álbum 'Baiana', de Daniela Mercury — Foto: Célia Santos com arte de Letícia Vasconcelos
Resenha de álbum
Título: 💥️
Artista: 💥️Daniela Mercury
Edição: Páginas do Mar
Cotação: ★ ★ 💥️½
♪ 💥️ é álbum afinado com o ativismo manifestado por Daniela Mercury com intensidade crescente ao longo dos últimos anos. Nas letras, a artista baiana exalta a força feminina da mulher brasileira – sobretudo a da mulher soteropolitana – e o vigor rítmico da nação nordestina, em especial de Salvador (BA), cidade onde a cantora e compositora veio ao mundo em 28 de julho de 1965.
A verborragia da maior parte das letras das 14 músicas do disco remete inclusive à fome antropofágica do álbum 💥️ (2015). Contudo, há em 💥️ a unidade e a coerência que inexistiram no confuso disco de 2015.
💥️ até pode ser caracterizado como álbum conceitual porque há sólido fio que liga o discurso da primeira música – 💥️ (Daniela Mercury), na qual a artista mapeia riquezas do nordeste do Brasil sob prisma feminino, escorada na fusão de baticum e programações da faixa produzida por Juliano Valle com a própria Daniela – à narrativa da 14ª e última música, 💥️.
Música de Daniela Mercury e Mikael Mutti, também produtores musicais da faixa, 💥️ vai atrás dos trios elétricos – veículos para a propagação dos temas agalopados e marchas-frevos que fizeram o Carnaval da Bahia no auge do gênero rotulado como axé music – para saudar a chegada da , como diz a letra com alusão a verso poético de 💥️(💥️ – Joe Darion e Mitch Leigh, 1965, em versão em português de Chico Buarque e Ruy Guerra, 1972).
O grande problema do álbum 💥️é que a música resulta sem a força do discurso. Falta no disco uma composição realmente inebriante, como tantas de álbuns como 💥️ (1992), 💥️ (1996) e 💥️ (2005), títulos sobressalentes na já irregular discografia de estúdio da cantora. Sob o viés estritamente musical, até o anterior 💥️(2020) exalou aroma de sedução indetectável em 💥️.
Sinalizada pelos singles que apresentaram as músicas 💥️ (Daniela Mercury) e 💥️(Mikael Mutti e Daniela Mercury), faixa que vai atrás do trio elétrico, a supremacia do discurso ativista em relação à música é recorrente ao longo das 14 faixas de 💥️.
3 de 3 Daniela Mercury evoca Carmen Miranda (1909 – 1955) em imagem promocional do álbum 'Baiana' — Foto: Célia SantosDaniela Mercury evoca Carmen Miranda (1909 – 1955) em imagem promocional do álbum 'Baiana' — Foto: Célia Santos
Da atual safra autoral de Daniela Mercury, o samba-título 💥️merece menção honrosa, tendo sido valorizado na gravação pela cadência gerada pela produção musical orquestrada por Daniela com Yacoce Simões (teclados, violão, guitarra baiana acústica e programações de percussão, cordas e metais).
, se perfila Daniela na letra de 💥️, música que sintetiza o conceito de álbum tão político quanto feminino e... baiano.
Sim, a Bahia está entranhada no disco, seja quando Daniela professa a fé afro-brasileira, citando orixás e símbolos do Candomblé em 💥️ (Mikael Mutti, Aila Menezes, Léo Reis, Deco Simões, Emerson Taquari e Sérgio Rocha) – boa composição, incrementada pela percussão de Léo Reis e pelo arranjo vocal da gravação feita com produção musical de Gabriel Póvoas – seja quando a cantora saúda um ilustre filho da terra em 💥️(Daniela Mercury e Jaguar Andrade).
A letra deste tributo a Caetano Veloso cita versos de músicas como 💥️ (1967) e 💥️ (1967) no estilo da gravação feita pela artista com arranjo do produtor musical Jaguar Andrade (baixo, violão , guitarras , loops percussivos e edição) e a percussão precisa de Marcio Victor.
Música construída por Daniela a partir de texto do encenador teatral José Celso Martinez Correa, sendo assinada também por Fernando de Carvalho, 💥️também segue a linha e persegue o pulso do rap no canto falado de letra que cita nominalmente Elza Soares (1930 – 2022), Elisa Lucinda e Fernanda Montenegro. O arranjo e a coprodução são de Juliano Valle.
Marca sonora do disco, o mix de percussões e sons sintetizados dá o tom de 💥️, música inédita do compositor pernambucano Martins, também autor do ijexá 💥️ (2019). Ambas as músicas foram formatadas por Mikael Mutti, nome recorrente no time de produtores musicais arregimentados por Daniela Mercury para a produção musical do álbum 💥️. Mutti também é o compositor de 💥️, outra faixa que coproduziu com a dona do disco.
Ao mesmo tempo em que ostenta unidade, o discurso de 💥️ por vezes soa repetitivo. Samba de cadência suave, 💥️ (Daniela Mercury e Jaguar Andrade) faz ode à cidade de Salvador sob o mesmo prisma feminino de outras músicas do álbum 💥️.
Além de 💥️ (Martins, 2023), outras duas músicas são regravações no repertório quase inteiramente inédito. Samba que versa sobre a ilusão do Carnaval, e por isso mesmo merece estar em álbum gerado em cidade tão foliã como Salvador (BA), 💥️ (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) reaparece com arranjo que sublinha o delicado toque do piano de Bruno Aranha e com natural evocação do clima da bossa nova.
Já 💥️ (Carlos Posada, 2023) vai surtir efeito sobretudo em quem desconhece a gravação original feita por Juliana Linhares no álbum 💥️ (2021). Os sopros de Marcelus Leone sobressaem na gravação feita com arranjo do pianista Ubiratan Marques, produtor musical da faixa ao lado de Daniela Mercury, verdadeira baiana que, com a moral de ter levantado a voz contra o autoritarismo, reforça a necessária ideologia ao propagar neste farto álbum o canto ativista da cidade natal.
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