Bolsistas brasileiros no exterior temem congelamento de auxílio e relatam sufoco: 'sentimento de impotência'

A notícia sobre os bloqueios no orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), para o pagamento de bolsas para estudantes no Brasil tem deixado intercambistas que vivem no exterior em alerta. A situação é um reflexo dos congelamentos feitos pelo governo Bolsonaro e que afetam diversos setores.

Em nota, a Capes esclarece que a Diretoria de Relações Internacionais possui atualmente diversos programas vigentes com previsão de concessão de bolsas para o exterior e o recurso para o pagamento desses benefícios para os anos seguintes está previsto no seu Projeto de Lei Orçamentária.

A catarinense Carolina Dumke de Siqueira é aluna de doutorado no programa de pós-graduação em farmácia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e diz que tem enfrentado dificuldade desde o início do programa de intercâmbio estudantil que a levou para Newscastle, na Austrália, em outubro deste ano.

"Os problemas já começam no Brasil, pois a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] não se responsabiliza pelos gastos relacionados ao visto e somos obrigados a desembolsar cerca de R$ 2.200. Depois vem a compra da passagem, já que nos é passado um valor fixo que está longe do valor real e eles costumam depositar menos de um mês antes da partida, quando a passagem em si está ainda mais cara. Por baixo, comecei o processo com uma dívida de quase R$ 6 mil", conta.

A 💥️defasagem dos programas de intercâmbio 💥️é uma das principais críticas de alunos que vão para o exterior. O físico Lucas Falcão, 28 anos, desenvolve sua pesquisa na área do acelerador de partículas que fica entre França e Suíça e explica que um aluno de doutorado recebe cerca de 4.000 francos suíços, mas a bolsa que ele recebe pela Capes está na casa dos 2.100 francos.

Lucas Falcão, 28 anos, desenvolve trabalho de pesquisa no acelerador de partículas europeu — Foto: Lucas Falcão/Arquivo pessoal 1 de 4 Lucas Falcão, 28 anos, desenvolve trabalho de pesquisa no acelerador de partículas europeu — Foto: Lucas Falcão/Arquivo pessoal

Lucas Falcão, 28 anos, desenvolve trabalho de pesquisa no acelerador de partículas europeu — Foto: Lucas Falcão/Arquivo pessoal

"Quando tive que comprar as passagens e o seguro saúde com dinheiro do meu bolso, porque a Capes ainda não tinha feito o primeiro depósito, fiquei com medo de cancelarem a bolsa", relata.

Ao receber as notícias de congelamento de bolsas no Brasil, Lucas disse que o principal medo é ter que abandonar a pesquisa: "Não terei outra opção a não ser voltar ao Brasil".

Mestre em genética, a biomédica Daniela Pereira, 30 aos, faz o seu doutorado em São Francisco, nos EUA, e conta que a bolsa de US$ 1.700 não dá para os gastos básicos e é preciso contar com a ajuda de estranhos e até se submeter a programas de doação de sangue e testes para novos produtos.

Daniela Pereira faz intercâmbio em São Francisco, nos EUA — Foto: Arquivo pessoal 2 de 4 Daniela Pereira faz intercâmbio em São Francisco, nos EUA — Foto: Arquivo pessoal

Daniela Pereira faz intercâmbio em São Francisco, nos EUA — Foto: Arquivo pessoal

Segundo ela, sua alimentação é baseada em alimentos doados e, quando sobra dinheiro, vai para alimentos básicos no supermercado. “Eu pego a comida na igreja, na universidade e vou ao mercado comprar pão, leite e ovo”, diz.

Para ela, esse 💥️problema prejudica no desenvolvimento da pesquisa, pois há muita preocupação com a falta de dinheiro em um país estrangeiro.

O presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinícius Soares, explica que há um processo de desvalorização das bolsas de estudo. "Há muito tempo que não há valorização dessas bolsas e auxílios e, para agravar, há uma crise econômica muito grande no exterior, como a falta de gás, que tem elevado o custo de vida dos estudantes", afirma.

Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) — Foto: Arquivo pessoal 3 de 4 Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) — Foto: Arquivo pessoal

Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) — Foto: Arquivo pessoal

Segundo ele, já há relatos de alunos com bolsas em atraso. "Soubemos de casos de até 40 dias de atrasos na remessa de bolsas, mas não sabemos ainda se é por causa do processo burocrático ou outro tipo de problema. Já solicitamos uma reunião com a Capes, mas não obtivemos retorno".

A ANPG fez uma pesquisa com 160 intercambistas e foi constatado que o problema está generalizado em praticamente todos os países. "Estamos enviando pós-graduandos para fora do Brasil e muitos estão em caráter de vulnerabilidade social e isso tem atrapalhado, inclusive, o próprio desempenho deles perante a produção científica".

Alexandre Branco Pereira, 34 anos, é antropólogo, pesquisador e consultor. Aprovado para desenvolver sua pesquisa no Canadá até abril de 2023, ele vive fora do país com a esposa e filho. Ele classificou o temor de não receber a bolsa como "terror psicológico".

Uma reclamação recorrente é a dificuldade de comunicação com a Capes. "Não sabemos se vão responder em tempo hábil". A família também teve que arcar com as despesas do filho de 1 ano e 10 meses e da esposa, que ainda está amamentando.

Já Rita de Kassia Guarnier, 31 anos, saiu de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, para fazer um intercâmbio em Perth, na Austrália. Por causa dos valores defasados, ela diz estar sofrendo com contas básicas.

"O aluguel aqui é muito caro e o pagamento é semanal. Na cidade onde moro, há muita procura e eu pago US$ 350 dólares semanais e tive que pagar vários adiantados. No total, recebo US$ 2.157, mas o salário-mínimo local é de US$ 3.000. Por isso, quase todo o meu dinheiro vai para o aluguel", contou.

As coisas pioraram ainda mais quando ela teve uma emergência médica. "O osso do meu pé saiu do lugar e fui ao hospital. Passei pela triagem, mas não fui atendida, pois não teria como pagar mais de US$ 600. Por mais que a seguradora repassasse depois, não teria como ficar sem esse dinheiro naquele momento".

Segundo ela, a médica australiana se compadeceu e fez um atendimento residencial ao menos para imobilizar o pé fraturado.

Apesar de ter melhorado clinicamente, a preocupação com novos imprevistos ainda faz parte da rotina da brasileira, que recorreu a grupos de ajuda. "Em novembro, eu não tinha dinheiro mais e achei um grupo de solidariedade no meu bairro, que distribui cestas básicas para pessoas em vulnerabilidade e isso que está me ajudando", falou a pesquisadora, que classifica a situação como frustrante.

Doações do grupo solidário do bairro de Rita de Kassia para pessoas que precisam — Foto: Arquivo pessoal 4 de 4 Doações do grupo solidário do bairro de Rita de Kassia para pessoas que precisam — Foto: Arquivo pessoal

Doações do grupo solidário do bairro de Rita de Kassia para pessoas que precisam — Foto: Arquivo pessoal

Questionada sobre as queixas dos bolsistas, a Capes enviou uma nota ao 💥️g1. Veja o conteúdo na íntegra:

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