Exército da Nigéria massacrou crianças em guerra contra insurgentes islâmicos, dizem testemunhas
Mulher nigeriana que relatou à Reuters ações dos militares da Nigéria durante guerra contra insurgentes posa para foto em local não revelado na Nigéria — Foto: REUTERS/Paul Carsten
Primeiro ele ouviu vozes, depois o barulho de tiros. Kaka rastejou até uma árvore e congelou de terror. O adolescente estava voltando para casa depois de pegar lenha no final de uma tarde de julho de 2023. À frente, ele viu um grupo de homens em um poço, a maioria com camuflagem do exército da Nigéria.
Eles estavam ao lado de uma fila de crianças com o rosto no chão, chorando por suas mães, lembrou Kaka. Perto dali, vários adultos estavam deitados, incluindo mães com bebês amarrados nas costas. Ele ouviu algumas vozes clamando a Deus.
Dois ou três homens já estavam mortos; os soldados atiraram em mais três. Eles mataram as mulheres em seguida, e depois as crianças, cortando seus gritos com uma saraivada de balas, disse Kaka. Os soldados arrastaram os corpos para uma cova já aberta, jogaram terra arenosa sobre eles e saíram.
Em pânico, Kaka partiu em direção a Kukawa, cidade no nordeste da Nigéria perto de onde ele morava. O jovem, agora com 20 e poucos anos, foi uma das cinco pessoas que contou à Reuters detalhes sobre a operação liderada pelo exército e o disparo de tiros em massa contra pelo menos 10 crianças e vários adultos no poço naquele dia.
O massacre, relatado pela primeira vez, é apenas um caso em que os militares nigerianos e as forças de segurança aliadas mataram crianças durante a guerra de 13 anos contra extremistas islâmicos no nordeste do país, mostrou uma investigação da Reuters.
Soldados e guardas armados empregados pelo governo disseram à Reuters que os comandantes do exército repetidamente ordenaram que eles "excluíssem" as crianças, porque elas supostamente colaboravam com militantes do Boko Haram ou do braço do Estado Islâmico, ou porque tinham herdado o sangue contaminado de pais insurgentes.
Assassinatos intencionais de crianças ocorreram com uma frequência indistinta em toda a região durante a disputa, de acordo com testemunhas entrevistadas pela Reuters. Mais de 40 fontes disseram ter visto militares nigerianos matarem crianças ou viram os cadáveres de crianças após uma operação militar. Essas fontes incluem pais e outras testemunhas civis, bem como soldados que disseram ter participado de dezenas de operações nas quais crianças foram massacradas.
Juntas, as estimativas somam milhares de crianças mortas.
A Reuters não conseguiu verificar cada uma dessas estimativas de forma independente. Mas os repórteres investigaram seis incidentes específicos e descobriram, com base em relatos de testemunhas oculares, que pelo menos 60 crianças foram mortas nesses episódios, o mais recente em fevereiro de 2023.
Cada um desses incidentes, incluindo o massacre do poço relatado por Kaka, foi confirmado por pelo menos duas fontes que viram os assassinatos ou as consequências.
A maioria das vítimas nessas seis ações lideradas pelo exército da Nigéria foram baleadas, algumas nas costas, enquanto fugiam. Outros métodos, no entanto, também foram utilizados. Testemunhas contaram sobre casos específicos em que crianças foram envenenadas ou sufocadas pelos militares.
Em resposta à reportagem, líderes militares nigerianos disseram à Reuters que o exército do país nunca teve crianças como alvo deliberado. De acordo com eles, a reportagem é um insulto e parte de um esforço estrangeiro para minar a luta da Nigéria contra os insurgentes.
"Isso nunca aconteceu, não está acontecendo, não vai acontecer", disse o major-general Christopher Musa, que lidera a campanha de contrainsurgência no nordeste do país. "Não está em nosso caráter. Somos altamente profissionais. Somos seres humanos, e esses são os nigerianos de quem vocês têm falado."
O major-general Jimmy Akpor, diretor militar de informações de Defesa da Nigéria, enviou uma declaração aos repórteres da Reuters em que chama os relatos de execuções de crianças de "alegações forjadas". Os militares nigerianos, disse ele, são "criados, instruídos e treinados para proteger vidas, mesmo por sua própria conta e risco, especialmente quando se trata de crianças, mulheres e idosos".
Na segunda-feira (13), o Departamento de Estado dos Estados Unidos disse estar "profundamente preocupado" com as informações reveladas pela investigação da Reuters. "Estamos buscando mais informações, inclusive do governo da Nigéria e das partes interessadas que trabalham neste espaço", afirmou um porta-voz do governo norte-americano.
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