Orçamento secreto e cargos no governo Lula: o que está travando a PEC da Transição?
Arthur Lira (à esquerda) e Lula (à direita) vêm mantendo diálogo desde a vitória do petista — Foto: Reuters
Após uma aprovação rápida no Senado, a PEC da Transição "travou" na Câmara dos Deputados. A estimativa é que ela fosse votada ainda nesta semana, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) sequer a colocou em pauta. A expectativa é de que ela só entre em votação na semana que vem.
A proposta de emenda constitucional (PEC) é considerada estratégica pela equipe do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cumprir algumas das promessas feitas durante a campanha eleitoral deste ano. A principal delas é o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023.
💥️ Mas por que a PEC aprovada com rapidez no 💥️Senado💥️ está "patinando" na 💥️Câmara dos Deputados💥️?
A BBC News Brasil ouviu especialistas que apontaram 💥️dois motivos principais para explicar a demora para que a medida seja colocada em votação: a indefinição sobre o chamado "orçamento secreto", cuja legalidade está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a pressão feita pelo Centrão por cargos no futuro governo Lula.
2 de 4 Senado aprovou em dois turnos na quarta-feira (07/12) a 'PEC da Transição' — Foto: Marcos Oliveira/Agência SenadoSenado aprovou em dois turnos na quarta-feira (07/12) a 'PEC da Transição' — Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
A medida ganhou o apelido de "PEC da Transição" porque vem sendo desenhada por aliados de Lula.
O texto aprovado no Senado prevê uma ampliação do teto de gastos de até 💥️R$ 168,9 bilhões para os anos de 2023 e 2024.
Desse total, R$ 145 bilhões serão destinados ao pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e um bônus de R$ 150 para cada família com criança de até seis anos de idade.
Sem essa ampliação do teto, dizem aliados de Lula, o governo não teria como pagar os benefícios nestes valores a partir de janeiro de 2023.
Além disso, o texto também prevê que até 💥️R$ 23,9 bilhões fruto de arrecadações extraordinárias poderiam ser usados para investimentos.
A PEC da Transição é considerada importante para o novo governo Lula porque permite que ele cumpra a promessa de manter o valor do Auxílio Brasil sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia gerar eventuais pedidos de impeachment.
3 de 4 PEC da Transição é considerada estratégica para o novo governo Lula — Foto: DivulgaçãoPEC da Transição é considerada estratégica para o novo governo Lula — Foto: Divulgação
Além disso, com a ampliação do teto de gastos para o pagamento do auxílio, o governo poderá usar o espaço que será aberto no orçamento para recompor as verbas de outros programas, como o das farmácias populares, além de aumentar as verbas para a merenda escolar.
Na etapa anterior, a condução da PEC foi feita por uma espécie de "dobradinha" entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o senador Alexandre Silveira (PSD-MG).
Pacheco se manteve relativamente distante do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a corrida eleitoral e é visto como uma figura moderada no Congresso Nacional. Silveira, por sua vez, é cotado para assumir um cargo no futuro governo Lula.
O resultado é que a PEC demorou apenas dois dias para ser aprovada no Senado.
Mas se o consenso no Senado foi tão rápido, a história não se repetiu na Câmara dos Deputados. Sob o comando de Arthur Lira, que foi aliado de Bolsonaro ao longo dos últimos anos e durante a corrida eleitoral, a Casa ainda não começou a apreciar a matéria.
Para o professor de Ciência Política na Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, os dois principais fatores atrasando a tramitação da PEC são: o julgamento no STF sobre o "orçamento secreto" e a pressão de Lira e outros líderes do Centrão por cargos no futuro governo.
Nas emendas de relator-geral do orçamento, esse nível de detalhamento é menor.
Críticos afirmam que, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, houve um aumento no valor destinado às emendas de relator, que a falta transparência abria brechas para casos de corrupção e que o mecanismo foi usado para comprar apoio político.
Bolsonaro, no entanto, nega responsabilidade no funcionamento do chamado "orçamento secreto".
Nesta semana, o STF deu continuidade ao julgamento de uma ação que pede o fim das emendas do relator-geral do orçamento. O julgamento foi interrompido na quinta-feira (15/12) e o placar está cinco a quatro pelo fim do mecanismo
"Eles estão esperando o julgamento porque, se o Supremo julgar o orçamento secreto inconstitucional, eles vão querer barganhar mais recursos em outros tipos de emendas e vão aproveitar a PEC da Transição para fazer isso", disse.
Enquanto o julgamento do orçamento secreto no STF aguarda uma conclusão prevista para a semana que vem, deputados e senadores aprovaram uma resolução que muda algumas regras das emendas de relator.
Uma das mais importantes delas é o fim da possibilidade de que a autoria de uma emenda de relator possa ser atribuída à nomenclatura "usuário externo", sem a designação exata do seu responsável.
A medida é vista como uma forma de dar mais transparência às emendas do relator e apresentar uma satisfação ao STF para convencer a Corte a manter o orçamento secreto em pé.
4 de 4 Líderes do Centrão estariam buscando espaço na composição do novo governo do presidente eleito Lula — Foto: Getty ImagesLíderes do Centrão estariam buscando espaço na composição do novo governo do presidente eleito Lula — Foto: Getty Images
Outro elemento apontado pelos especialistas para explicar a demora na tramitação da PEC da Transição seria a suposta pressão feita por Lira e outros líderes do Centrão por cargos no novo governo Lula.
Até agora, Lula anunciou cinco ministros, todos eles do PT ou próximos ao partido: Fernando Haddad (Economia), Rui Costa (Casa Civil), José Múcio Monteiro (Defesa), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública).
Outros nomes são especulados, como o do ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT), apontado como futuro ministro da Educação. O desafio do futuro governo, porém, é acomodar o grande número de aliados que se formou durante a eleição e que inclui, por exemplo, a senadora e ex-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB).
Reportagem publicada no portal "UOL" nesta semana mostra que Lira estaria pressionando o governo eleito para indicar o novo ministro da Saúde, uma das pastas com o maior orçamento do governo federal. Segundo o portal o "Metrópoles", Lira quer o comando do Ministério da Saúde ou de Minas e Energia.
Além de Lira, outros partidos do chamado Centrão também estariam pressionando o governo por cargos, como o MDB do senador Renan Calheiros (AL), que é adversário político de Lira em Alagoas.
"Há uma briga por espaço na composição do governo. Lira e Renan brigam para ocupar esses cargos e isso está travando, também, a definição sobre a PEC da Transição", aponta Marco Antonio Teixeira, da FGV.
"Os deputados estão negociando e usando a PEC da Transição para obter cargos nos ministérios. Enquanto essa negociação acontece, a PEC não anda", diz Denilde Holzhacker, professora assistente no curso de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Oficialmente, porém, Arthur Lira nega que a demora na votação da PEC da Transição seja resultado de algum tipo de barganha. Segundo reportagem publicada pela CNN Brasil, a medida começará a ser votada na semana que vem e o tempo que se levou para colocá-la em votação foi para obter uma "acomodação dos votos", uma vez que, até agora, não haveria apoio suficiente para aprovar a PEC.
"Diferentemente do que tem sido noticiado, sem nenhum tipo de barganha, porque essa presidência nunca fez, mas acomodando votos para que se tenha o quórum necessário para enfrentar as votações principais e os destaques que possam vir do plenário desta Casa", afirmou Lira.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64008245
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