Maestro lembra conquistas e frustrações de Pelé 'cantor' no estúdio: 'Tinha no DNA a capacidade da reaçã
Com andador, Pelé gravou música em estúdio de SP — Foto: Eduardo Santos/Arquivo pessoal
O estúdio musical regado de comida árabe ou japonesa e partidas de futebol de botão em São Paulo com um amigo maestro foi quase um refúgio para Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, nos últimos 25 anos. O Rei do Futebol morreu na quinta-feira (29) aos 82 anos, na capital paulista.
A amizade com o maestro e produtor musical Ruriá Duprat começou em 1997. Por indicação de um amigo em comum, Ruriá trabalhou para o atleta e então ministro dos Esportes do governo de Fernando Henrique Cardoso.
2 de 5 Ruriá Duprat e Pelé — Foto: Arquivo pessoalRuriá Duprat e Pelé — Foto: Arquivo pessoal
“ABC, ABC. Toda criança tem que ler e escrever”, cantava Pelé cercado de crianças na campanha educativa do governo federal. A parceria entre o maestro e o ex-jogador e fortaleceu e seguiu por duas décadas depois do primeiro trabalho.
Ruriá conta que era exigente com o amigo e cobrava um desempenho de qualidade na “carreira musical”. A rigidez rendeu até uma música composta pelo Rei: “Irmão, Maestro e Carrasco Ruriá”, que nunca foi gravada.
“Fui o ‘chato’ porque se era para fazer [música], então era para fazer direito. Algumas músicas são ótimas e comecei a provocá-lo a refazer outras, induzi-lo a compor, e ele pegou gosto pela coisa. Fizemos brincando cerca de 50 músicas juntos. Nem todas foram finalizadas até hoje”, lembra.
Nos bastidores do estúdio, Edson se referia a Pelé sempre na terceira pessoa e gostava de jogar futebol de botão antes de gravar.
“No estúdio, ele se sentia muito bem. Lá era o Edson, não o Pelé. Nunca entendi por que ele se tratava na terceira pessoa. Eu até achava aquilo estranho e não era sempre. Parecia que era para aliviar o peso de ser quem era: uma pessoa genial e conhecida no planeta inteiro.”
3 de 5 Pelé e o amigo maestro Ruriá Duprat — Foto: Arquivo pessoalPelé e o amigo maestro Ruriá Duprat — Foto: Arquivo pessoal
O álbum "Pelé Ginga", gravado em 2006, com 13 faixas, chegou a ser vendido na Europa e teve composições assinadas por Pelé, Elis Regina, o rapper Rappin' Hood e Gilberto Gil. As vozes de Elis e de Pelé foram isoladas pela produtora de uma gravação feita décadas antes e usadas em novo arranjo.
“Quando conseguimos isolar [as vozes] foi emocionante. Ele [Pelé] chorou quando ouviu, porque era a voz dele daquela época com a Elis. Quando [ele] estava rouco, inclusive”, conta.
4 de 5 Pelé em gravação de música em SP — Foto: Arquivo pessoalPelé em gravação de música em SP — Foto: Arquivo pessoal
“Acredita no Véio” foi a primeira canção que gravaram quando iniciaram os trabalhos do álbum. A música, segundo o relato de Pelé ao amigo, foi baseada em um pai de santo consultado por jogadores antes dos jogos. Segundo ele contava, ele aceitava como doações de galinhas a charutos.
5 de 5 Pelé em gravação em SP — Foto: Eduardo Santos/Arquivo pessoal
Pelé em gravação em SP — Foto: Eduardo Santos/Arquivo pessoal
No mesmo álbum, uma composição do Rei do Futebol homenageou a capital paulista. A música foi parar na prefeitura e, em 2009, depois de uma conversa com o então prefeito Gilberto Kassab, virou um clipe.
“Chamamos um diretor para produzir um clipe e não era nada partidário. Essa música foi algo sincero. Na cabeça dele, era uma música de protesto, de amor a São Paulo, algo inclusivo. A gente fez um levantamento dos bairros para não esquecer de nada e colocar só de uma região.”
O último contato entre Rúria e Pelé foi em 23 de outubro, no aniversário do Rei, por telefone. O maestro contou que os dois riram e até combinaram de se encontrar. Em 29 de novembro, Pelé teve uma piora no quadro de câncer e foi internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e morreu um mês depois.
O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) manifestou pesar pela morte do ex-jogador.
“Neste momento de dor e tristeza, a instituição presta sua solidariedade aos familiares, amigos e fãs do Rei do Futebol, como era conhecido em todo o mundo. Além dos gols, dos títulos e das conquistas em campo, Pelé também deixa a sua contribuição para a música brasileira.”
Segundo o Ecad, ele tem 34 obras musicais e 15 gravações cadastradas no banco de dados. As músicas de autoria de Pelé mais regravadas foram "ABC do Bicho Papão", "Pelé Agradece" e "Cidade Grande".
“Nos últimos seis anos, Pelé teve mais de 85% de seus rendimentos em direitos autorais provenientes dos segmentos de Rádio e TVs. Seus herdeiros continuarão a receber os rendimentos por 70 anos após sua morte, como determina a lei do direito autoral.”
O Rei do Futebol estava internado desde 29 de novembro no Hospital Albert Einstein, na Zona Sul de São Paulo, para reavaliação da quimioterapia contra o tumor de cólon e o tratamento de uma infecção respiratória.
Pelé foi diagnosticado com câncer em setembro de 2023.
Um boletim médico divulgado na tarde da quinta (29) informou que a morte aconteceu às 15h27, "em decorrência da falência de múltiplos órgãos, resultado da progressão do câncer de cólon associado à sua condição clínica prévia".
"O Hospital Israelita Albert Einstein se solidariza com a família e todos que sofrem com a perda do nosso querido Rei do Futebol", completa o comunicado, assinado pelos médicos Fabio Nasri, geriatra e endocrinologista; Rene Gansl, oncologista; Alexandre Holthausen, cardiologista; e Miguel Cendoroglo Neto, Diretor-Superintendente Médico e Serviços Hospitalares.
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