Quadro com divindades africanas retirado no governo Bolsonaro voltará ao Planalto, diz Janja

'Orixás', de Djanira da Motta e Silva, foi retirado do Salão Nobre do Palácio do Planalto durante governo de Bolsonaro — Foto: BBC 1 de 3 'Orixás', de Djanira da Motta e Silva, foi retirado do Salão Nobre do Palácio do Planalto durante governo de Bolsonaro — Foto: BBC

'Orixás', de Djanira da Motta e Silva, foi retirado do Salão Nobre do Palácio do Planalto durante governo de Bolsonaro — Foto: BBC

Um quadro da pintora brasileira Djanira da Motta e Silva (1914-1979), que retrata três divindades africanas, voltará a ser exibido no Salão Nobre do Palácio do Planalto, segundo a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.

A pintura Orixás foi retirada da sede do Poder Executivo Federal durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

A informação foi comunicada à imprensa durante a posse da ministra da Cultura, Margareth Menezes. De acordo com Janja, a pintura foi avariada.

"Havia um furo feito de caneta na tela. Mas vai voltar ao local que pertence, o Palácio do Planalto. Vai estar numa exposição agora em janeiro, mas vai voltar. Aliás, faremos todo o trabalho de recomposição do acervo, vamos tratar isso com muito carinho", disse.

O Salão Nobre, maior espaço do Palácio do Planalto, é usado para eventos de grande porte, como posses de ministros e recepções a chefes de Estado. Também chamado de Salão dos Espelhos por ter uma parede completamente espelhada. Quase não tem mobília em toda a sua extensão.

Era ali que ficava Orixás, uma obra dos anos 1960 que foi posta na reserva técnica do acervo (ou seja, no arquivo) e saiu da exposição pública nos anos Bolsonaro.

A pintura vai em breve ser exibida na exposição Brasil Futuro: As Formas da Democracia, que entra em cartaz no Museu Nacional da República, em Brasília.

BBC - Em 2018, Bolsonaro desmentiu informação de que mexeria nas obras do Alvorada — Foto: Reuters 2 de 3 BBC - Em 2018, Bolsonaro desmentiu informação de que mexeria nas obras do Alvorada — Foto: Reuters

BBC - Em 2018, Bolsonaro desmentiu informação de que mexeria nas obras do Alvorada — Foto: Reuters

As circunstâncias sobre por que Orixás foi retirado do Salão Nobre do Palácio do Planalto ainda não são totalmente conhecidas.

A retirada do óleo sobre a tela retratando as divindades africanas aconteceu em dezembro de 2023 e foi revelada pela revista Piauí em reportagem publicada em agosto do ano seguinte.

Na época, a Secretaria-Geral da Presidência (SG) negou que o motivo da retirada tivesse sido religioso.

No fim de 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo afirmou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que é evangélica, havia mandado retirar obras de arte e imagens com simbologia católica do Palácio da Alvorada, onde o casal iria morar.

A previsão era que Orixás, por sua vez, "escondido" durante o governo militar de Ernesto Geisel (1974-1979), que era luterano, seria retirado e cedido ao Masp (Museu de Arte de São Paulo) para uma exposição, viajando pelo país posteriormente, o que não ocorreu.

Na época, Bolsonaro desmentiu a informação de que mexeria nas obras do Alvorada, mas nada mencionou sobre Orixás.

À Piauí, a secretaria da Presidência alegou que a retirada da obra foi um "procedimento usual que visa o descanso e o rodízio das peças de arte como medida de conservação preventiva, conforme as boas práticas da museologia".

Em entrevista ao portal de notícias ysoke em agosto de 2023, o arquiteto Rogério Carvalho descreveu como "absurda" a explicação sobre o rodízio e disse que um palácio de governo não é um "museu".

Carvalho foi curador da Comissão de Curadoria para as obras de arte, a arte decorativa e o mobiliário do Palácio da Alvorada e do Palácio do Planalto em 2009, durante o segundo mandato de Lula e servidor por 13 anos no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no Distrito Federal.

Foi dele e de sua equipe a decisão de exibir Orixás no Salão Nobre a partir de 2010, após ampla reforma do Palácio do Planalto, a mais completa desde sua inauguração, em 1960, entre 2009 e 2010, durante o segundo mandato do presidente Lula. Antes, a obra já estava exposta no local, mas no terceiro andar.

À Piauí, Nelson Fernando Inocencio da Silva, professor de artes visuais da UnB (Universidade de Brasília), doutor em artes e membro do núcleo de estudos afrobrasileiros da universidade, considerou a retirada do quadro um exemplo de "intolerância e abuso de poder".

"O espaço é público, não é privado. O Planalto tem um acervo que representa a sociedade brasileira. Você tirar uma obra daquela por não estar em conformidade com sua crença é violento, violento. Se a cultura é diversificada, o quadro está ali representando um pouco dessa diversidade", disse ele à revista, lembrando que o Planalto não é a moradia do presidente, e sim o seu local de trabalho.

Figura importante do modernismo brasileiro, Djanira foi, além de pintora, desenhista, cartazista e gravadora — Foto: BBC - WILSON MONTENEGRO/VEJA 3 de 3 Figura importante do modernismo brasileiro, Djanira foi, além de pintora, desenhista, cartazista e gravadora — Foto: BBC - WILSON MONTENEGRO/VEJA

Figura importante do modernismo brasileiro, Djanira foi, além de pintora, desenhista, cartazista e gravadora — Foto: BBC - WILSON MONTENEGRO/VEJA

Medindo 3,61 metros de largura por 1,12 metro de altura, Orixás foi pintado por Djanira em 1966 e teria valor estimado atualmente entre R$ 1 milhão e R$ 4 milhões.

O quadro retrata três orixás: Iansã (guerreira), Oxum (fartura, maternidade e beleza) e Nanã (sabedoria). Ao lado das divindades, há duas filhas de santo que ajudam nas cerimônias.

No seu lugar, foi colocado outro trabalho de Djanira, Pescadores, que antes ficava no Gabinete Presidencial, porém se tratava de uma réplica de um quadro datado de 1958.

Profundamente cristã, Djanira era tão religiosa que ingressou na ordem das carmelitas, a Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro, segundo contou à Piauí o escritor e jornalista Gesiel Júnior, que escreveu uma biografia sobre a pintora.

Quando ela faleceu, foi sepultada vestindo um hábito — fato confirmado por reportagens da imprensa na época de sua morte, em 31 de maio de 1979.

Esse aspecto religioso está presente desde seu primeiro desenho, um Cristo (1939).

Figura importante do modernismo brasileiro, ela foi, além de pintora, desenhista, cartazista e gravadora.

Nascida em Avaré, no interior de São Paulo, Djanira cresceu em Porto União, Santa Catarina, antes de mudar para São Paulo em 1932.

Cinco anos depois, foi internada com tuberculose em sanatório de São José dos Campos e ali começou a desenhar.

Em 1939, abriu uma pensão no bairro de Santa Teresa onde passou, então, a conviver com artistas modernos como Milton Dacosta (1915-1988), a portuguesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), o húngaro Arpad Szènes (1897-1985), Carlos Scliar (1920-2001) e o romeno Emeric Marcier (1916-1990).

Segundo diz em seu site o Itaú Cultural, "na obra de Djanira coexistem a religiosidade e a diversidade de cenas e paisagens brasileiras. Sua trajetória permite compreender a condensação de elementos apresentada em seus desenhos, pinturas e gravuras".

Segundo o último Censo brasileiro, de 2010, 0,3% da população se diz seguidora de religiões minoritárias de raiz africana, como a umbanda e o candomblé.

A BBC News Brasil entrou em contato com a Secretaria-Geral da Presidência para saber quando exatamente Orixás voltará ao Salão Nobre, mas não recebeu resposta até a conclusão desta reportagem.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64157633

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