Do discurso violento ao terrorismo: um relato exclusivo de 2 meses dentro do acampamento de bolsonaristas golpistas em Brasília
No auge da concentração no acampamento em Brasília, em meados de novembro, havia arrecadação de dinheiro duas ou três vezes por semana. Lideranças que organizavam a vaquinha subiam em um palco no acampamento e, com um microfone, convocavam os demais participantes, que tiravam da carteira notas de R$ 50 ou de R$ 100. Em um desses eventos, chegou-se a juntar R$ 5 mil em cerca de 15 minutos.
De acordo com os acampados, a quantia arrecadada deveria ser usada para comprar água e comida, por exemplo.
Alguns deles chegaram a dizer que estavam se endividando para entregar dinheiro – e argumentavam que Bolsonaro receberia uma lista com o nome dos doadores e perdoaria eventuais dívidas que eles viessem a contrair.
Parte dos mantimentos também chegava via doação. E havia diversos cartazes com indicação de transferência via PIX.
A exemplo de outros acampamentos diante de quartéis espalhados pelo país, o da capital federal exibiu desde o começo faixas e cartazes com dizeres antidemocráticos e ataques ao processo eleitoral, ao STF, ao ministro Alexandre de Moraes e a Lula, por exemplo. Com pedidos de "Socorro, Forças Armadas", as mensagens de teor golpista e ameaçador recorrentemente reivindicavam ações inconstitucionais e violentas.
No início da concentração, em novembro, os discursos eram um pouco menos exaltados, embora clamassem por intervenção militar e pedissem aos manifestantes que continuassem ali mobilizados por "72 horas". Segundo essa "tese", que se converteria numa espécie lema sempre renovável, Bolsonaro deveria guardar silêncio por três dias, até que pudesse adotar alguma medida capaz de reverter o resultado das urnas.
Em geral, os extremistas atribuíam a "esquerdistas infiltrados" algumas convocatórias para marchas em direção à Esplanada dos Ministérios, classificadas de "armação" e, àquela altura, sempre recusadas.
Também convocavam o auxílio de Augusto Heleno, que foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional do governo Bolsonaro, e alegavam que Lula havia viajado para a Venezuela, tendo deixado um sósia no Brasil, ideia que acabou perdendo força depois da posse oficial do novo presidente, em 1º de janeiro
Com o passar do tempo, no entanto, as declarações se inflamaram e se radicalizaram ainda mais. Um áudio gravado em 5 de janeiro, por exemplo, mostra uma mulher afirmando: "Já era, agora é tudo ou nada. Se tiver que empurrar, empurra. Se tiver que dar tiro, dá tiro. Se tiver que meter a mão no pescoço... Não tem mais que ter dó".
Neste domingo, extremistas que retornaram ao acampamento após os atos terroristas falavam em "tacar fogo" no STF. Nesta segunda, depois da operação de desmonte do acampamento, extremistas passaram a dizer que o Exército "se vendeu ao sistema".
O acampamento tinha muitos geradores de energia elétrica, mas ocorreu no mínimo um caso de "gato". O registro mostra fios ligados a um refletor nas imediações do acampamento para garantir o abastecimento clandestino em pelo menos duas barracas.
Comida e água eram servidas de graça no acampamento de Brasília. No auge da lotação, em meados de novembro, havia pelo menos quatro tendas de alimentação (onde se lia, em inglês, que as eleições foram fraudadas). Pela manhã, tinha misto-quente, frutas e café. No almoço, arroz, feijão, legumes, estrogonofe, macarrão, carne de panela, frango e muito churrasco.
Acampados viam chegar bois inteiros, assados em grandes estruturas e fatiados por diversos dos trabalhadores do agronegócio que apareciam por lá. Numa tenda mais "luxuosa", o cardápio tinha picanha e outras carnes nobres (em uma ocasião, cordeiro), além de costela de porco e linguiça. Geralmente, quem servia a comida eram idosas que moravam em Brasília e se apresentavam para ajudar.
Os acampados dizem ser proibido o consumo de bebida alcoólica, mas houve situações em que os extremistas se reuniram para tomar cerveja. Também havia ambulantes espalhados pela praça, que deixaram de frequentar o local com passar do tempo. Vendiam comida, sorvete, bandeiras, roupas.
As marchas no acampamento eram praticamente diárias e ocorriam sobretudo ao som da "Canção do Exército" ("Nós somos da pátria a guarda / Fiéis soldados / Por ela amados...") e do Hino Nacional. Diante de carros de som, bolsonaristas extremistas gritavam frases como "SOS, Forças Armadas" e "Forças Armadas, salvem a nação".
Numa grande tenda, funcionava uma espécie de igreja do acampamento. Na parte externa da estrutura, foi colocada uma imensa imagem de um bebê, em campanha antiaborto. Numa tenda menor ali perto, uma folha de papel avisava: Confissão. Ali, os acampados recebiam atendimento de um padre que circulava diariamente pelo espaço.
Na semana passada, diante dos rumores de que haveria desocupação do acampamento, um morador de Santa Catarina que estava no acampamento em Brasília afirmou que estava com o aluguel atrasado.
"Se eles chegarem e tirarem o pessoal [do acampamento], legalmente eles têm que dar auxílio-aluguel pra gente. Eu não tenho pra onde ir. Hoje, faz três meses que eu não pago aluguel, então eu fui despejado em Florianópolis", afirmou.
De acordo com ele, os acampados não poderiam ser tirados do acampamento, a menos que fossem levados a um abrigo, o que não era verdade.
No auge da mobilização, os bolsonaristas radicais do acampamento enfrentaram temporais que caíram em Brasília na época do feriado de 15 de novembro. Durante uma tempestade de raios no dia 11 daquele mês, frequentadores começaram a rezar e a orar. Quando se formou ao redor do Sol um anel colorido, como se fosse um arco-íris, num fenômeno conhecido como "halo solar", muitos afirmaram: "Gente, é um sinal".
As chuvas deixavam o acampamento com um aspecto de pós-carnaval de rua: água acumulada, cheiro fétido, lixo e mosquitos. Ainda assim, era grande a lotação.
— Foto: TV Globo
1 de 1 Veja passo a passo dos atos terroristas de bolsonaristas radicais contra Congresso, Planalto e STF — Foto: Guilherme Gomes/g1Veja passo a passo dos atos terroristas de bolsonaristas radicais contra Congresso, Planalto e STF — Foto: Guilherme Gomes/g1
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