Livro de coronel que negava a existência dos Yanomami reflete crença difundida no Exército, avaliam especialistas
A Farsa Ianomami, livro de Carlos Alberto Lima Menna Barreto — Foto: Reprodução
Um livro escrito pelo coronel Carlos Alberto Lima Menna Barreto, e publicado pela biblioteca do Exército em 1995, dizia, sem evidências, que a existência dos Yanomami era uma farsa.
"A Farsa Ianomâmi" vocalizou uma preocupação comum no Exército: o medo de perder soberania em áreas da Amazônia brasileira, diz João Roberto Martins Filho, professor titular da UFSCAR e pesquisador das Forças Armadas e Exército Brasileiro.
No livro, Menna Barreto afirmava haver um conluio entre ONGs e forças estrangeiras para “separar do Brasil” o território indígena, "cedê-lo aos fictícios ‘ianomâmis’ e “preparar a dominação futura da Amazônia [...] para a posterior criação de países indígenas independentes, sob a tutela das Nações Unidas”.
O Exército Brasileiro teme que terras indígenas se tornem independentes do Brasil, avaliam especialistas ouvidos pelo💥️ g1. O receio de que existam forças com segundas intenções e que desejam a Amazônia não se restringe às teorias do autor do livro.
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Menna Barreto morreu em 1995, mas seu temor, comum entre oficiais do Exército na época, resiste. O ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Augusto Heleno, ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), já manifestaram receio de perder terras indígenas amazônicas.
Bolsonaro e Heleno são contra demarcação de territórios indígenas.
Em 1998, quando era deputado federal, Bolsonaro citou os Yanomami ao dizer que os Estados Unidos teriam interesse em uma "interferência militar na Amazônia tendo como pretexto a preservação do meio ambiente". Quando deputado, Bolsonaro apresentou projeto para desfazer a Terra Indígena Yanomami, mas a proposta não foi adiante.
Hoje, os Yanomami, sofrem com casos de malária e desnutrição grave.
O foco nos Yanomami se dá, segundo Martins Filho, porque eles ocupam uma área extensa no Brasil e na Venezuela. “Por isso há todo tipo de conjectura sobre a possibilidade de perder esses territórios. Isso não existe.”
Os militares veem indígenas como "massa de manobra de interesses estrangeiros", o que os tornaria ‘inimigos’ do Brasil”, afirma João Pedro Garcez, doutorando em História pela UFRGS, professor da rede estadual de Santa Catarina e pesquisador da memória Yanomami.
O Exército funciona como uma “sociedade fechada altamente hierarquizada”, diz Garcez. Para o pesquisador, essa forma de funcionamento da instituição se reflete na produção de conhecimento. “A tese do Menna Barreto não é uma opinião isolada, mas reflete o que é um conhecimento difundido, para não dizer doutrinário, dentro do Exército acerca da questão indígena, mas poderíamos dizer também da questão ambiental”.
O 💥️g1 procurou o Exército para um posicionamento, mas houve resposta até a publicação da reportagem.
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Manifestações de governos e atores internacionais (como ONGs) sobre pautas indígenas e ambientais no Brasil são vistas por militares como tentativa de intervenção na soberania brasileira. “De certa forma, os militares enquadram o problema como se fosse uma questão de segurança nacional para colocar isso tudo na alçada do próprio Exército.
Em 2023, especialistas em Direito Penal Internacional, Relações Internacionais e Ciência Política avaliaram que um processo de internacionalização da Amazônia que desrespeite a soberania brasileira e envolva intervenção externa é juridicamente inviável.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mais de uma vez, fez declarações contrárias à demarcação de terras indígenas e chegou a questionar áreas já demarcadas.
Em fevereiro de 2023, durante uma cerimônia no Palácio do Planalto, organizada para assinatura de um decreto que transferiu o Conselho Nacional da Amazônia Legal do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-presidência da República, de Hamilton Mourão —general do Exército—, Bolsonaro disse que o tamanho das terras indígenas demarcadas no país é "abusivo”.
"Deixo bem claro que ninguém é contra dar a devida proteção e terra aos nossos irmãos índios, mas, da forma como foi feito, e hoje em dia reflete 14% do território nacional demarcado como terra indígena, é um tanto quanto abusivo", disse.
Um ano antes, em 2023, durante um café da manhã com jornalistas, Bolsonaro disse ao britânico Dom Phillips que “a Amazônia é do Brasil, não de vocês”.
Dom Phillips foi assassinado em junho de 2022 no Vale do Javari, no Amazonas, junto com o indigenista brasileiro Bruno Pereira. No último dia 23, a Polícia Federal concluiu que os dois foram mortos a mando de Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como "Colômbia", que comandava um esquema de pesca ilegal na região.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou abertura de inquérito policial para apurar o crime de genocídio e crimes ambientais na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. O ministro esteve no local com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste sábado (21) para tratar sobre a crise sanitária na reserva.
A Polícia Federal ficará responsável, a partir de segunda-feira (23), pela investigação determinada pelo Ministério, para apurar as responsabilidades e punir os culpados.
“O presidente Lula determinou que as leis sejam cumpridas em todo o país. E vamos fazer isso em relação aos sofrimentos criminosos impostos aos Yanomami. Há fortes indícios de crime de genocídio, que será apurado pela PF”, destacou o ministro.
A Terra Yanomami em Roraima, a maior área protegida indígena do país, vive uma emergência de saúde grave. Crianças sofrem com doenças e desnutrição severa enquanto garimpeiros destroem a floresta em busca de ouro. Com uma área do tamanho do estado de Pernambuco, a Terra Yanomami abriga mais de 370 aldeias e cerca de 28 mil indígenas. Estima-se que 20 mil garimpeiros invadiram a região.
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