‘A gente sempre vai existir, não é doença’, dizem gêmeas de 21 anos sobre transexualidade e cirurgia de readequação de sexo que

"A gente sempre vai existir. Não tem como. Isso não é uma doença. Não é uma deficiência. A gente já nasceu assim, bem antes de tudo. E a gente não tem culpa, os pais não têm culpa. Não é criação", disse Mayla Phoebe, uma jovem mulher transgênero, em entrevista ao 💥️g1. Neste domingo (29) é lembrado o Dia da Visibilidade Trans no Brasil.

A declaração de Mayla é também o que pensa sua gêmea, Sofia Albuquerck. As duas irmãs de 21 anos conversaram com o 💥️g1 sobre transexualidade na infância e na adolescência e a operação que fizeram há dois anos de redesignação sexual.

Elas, que nasceram em Tapira, Minas Gerais, fizeram a cirurgia numa clínica particular em Blumenau, Santa Catarina. Antes, já haviam colocado silicone nos seios.

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Atualmente só a distância as separa fisicamente, já que ambas continuam em sintonia. Assim como Sofia, Mayla também tem um perfil no Instagram que usa para tratar de assuntos relacionados às trans.

"Gente, você não pode começar a tomar hormônio sozinho. Você tem que fazer acompanhamento porque tem muito risco", alertou Mayla a outras trans. Ela vive na Argentina, onde estuda medicina.

Antes de saírem da casa dos pais, as duas tiveram apoio da família quando decidiram contar juntas que não estavam felizes com os corpos biológicos que tinham. "A gente começou nossa transição aos 14 anos", lembrou Sofia, que descobriu a transexualidade com a irmã bem antes, entre "3 e 5 anos de idade".

"Então, papais e mamães, cuidem de seus filhos porque a família é a base de tudo", reforçou Mayla, que teve disforia, que é uma espécie de aversão às características físicas biológicas que teve ao nascer - no caso dela, a genitália masculina.

"A partir dos meus 8 anos para cima, até os 14, eu começava a não entender mais o meu órgão genital. Isso deu uma disforia tão grande, tão grande, nessa época, que eu não entendia ao certo. Então até [fui] pesquisar e entender mais e começar minha transição", contou Sofia.

"A gente [ela e a irmã] sempre esteve juntas. O maior presente que Deus deu em 'mi vida' foi alma de ser gêmea", comemorou Mayla.

Mayla Phoebe e Sofia Albuquerck; gêmeas de 21 anos são duas jovens que fizeram redesignação de sexo e usam redes sociais para falar também de transexualidade — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal 1 de 3 Mayla Phoebe e Sofia Albuquerck; gêmeas de 21 anos são duas jovens que fizeram redesignação de sexo e usam redes sociais para falar também de transexualidade — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Mayla Phoebe e Sofia Albuquerck; gêmeas de 21 anos são duas jovens que fizeram redesignação de sexo e usam redes sociais para falar também de transexualidade — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

A respeito da cirurgia de readequação, o médico 💥️José Carlos Martins Júnior, da Transgender Center Brazil e que operou as gêmeas, explicou ao 💥️g1 que nem sempre ela é necessária.

"A mulher trans, ela não tem indicação de cirurgia. Ela é uma mulher trans pelo simples fato de se entender como tal. Quando a cirurgia entra? Quando há o diagnóstico da chamada 'disforia de genêro'. A disforia de gênero não é uma doença, mas ela é um mal-estar", falou o cirurgião.

Segundo o especialista, as gêmeas foram operadas juntas, numa mesma cirurgia, o que, de acordo com ele, seria algo inédito até então no mundo.

Atualmente, 380 pessoas identificadas como trans de todo o Brasil fazem transição de gênero gratuitamente no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista.

Desse total, 💥️são 100 crianças de 4 a 12 anos de idade, 180 adolescentes de 13 a 17 anos e 100 adultos a partir dos 18 anos.

O 💥️g1 conversou com transgêneros que estão em busca ou conseguiram passar por processos como o bloqueio da puberdade, a hormonização cruzada e a cirurgia de redesignação sexual. Médicos especializados no assunto também foram ouvidos.

Jovens trans contam como estão sendo suas transições — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/Juan Silva/g1 Design

💥️Veja vídeos abaixo:

Instituto de Psiquiatria da USP onde 380 pessoas trans são acompanhadas no processo de transição de genêro — Foto: Divulgação/HCFMUSP 2 de 3 Instituto de Psiquiatria da USP onde 380 pessoas trans são acompanhadas no processo de transição de genêro — Foto: Divulgação/HCFMUSP

Instituto de Psiquiatria da USP onde 380 pessoas trans são acompanhadas no processo de transição de genêro — Foto: Divulgação/HCFMUSP

A procura pelo atendimento na rede pública de saúde é tão grande que o 💥️Amtigos foi obrigado a suspender as triagens em novembro de 2022, por não conseguir atender a demanda.

Existe a possibilidade de que elas voltem a ser realizadas a partir de fevereiro deste ano. Enquanto isso, 160 famílias que têm crianças e adolescentes que se identificam como transgêneros estão na fila de espera da triagem, que é feita por uma equipe multidisciplinar de especialistas.

Além dos filhos, a família também é acompanhada por uma equipe multidisciplinar durante a possível transição. O processo pode ser interrompido a qualquer momento dependendo da decisão ou avaliação de alguma das partes envolvidas.

O Amtigos deixou de atender adultos em 2015, quando notou que eles tinham outros equipamentos públicos e até particulares de saúde para recorrer. E também por notar uma busca maior de responsáveis por crianças e adolescentes trans pelo serviço em São Paulo.

Os maiores de idade que ainda são atendidos no Amtigos são remanescentes das primeiras turmas ou eram menores quando entraram no programa de transição.

Pela lei brasileira, a operação para adequação sexual só pode ser realizada em adultos acima dos 18 anos. Esta é a última etapa do processo de transição ou acompanhamento. Em homens trans, além da retirada dos seios e útero, a genitália feminina pode ser modificada para se aproximar a um órgão sexual masculino. Nas mulheres trans, existe a possibilidade de se retirar o pênis e transformá-lo numa espécie de vagina.

Antes da cirurgia, no entanto, há a hormonização, que consiste na utilização de hormônio do sexo oposto na pessoa. Injeções são aplicadas regularmente em adolescentes a partir dos 16 anos, seguindo recomendação do💥️ Conselho Federal de Medicina (CFM).

Por exemplo, pessoas que nasceram com o sexo biológico masculino, mas depois se identificam como garotas trans, recebem o estrogênio. Este hormônio feminino irá causar mudanças corporais desejadas, entre elas o aumento das mamas.

Em uma situação inversa: quem nasceu com a genitália feminina, mas se vê como um garoto trans, receberá a testosterona. O hormônio masculino levará ao aparecimento de barba, por exemplo.

As crianças e os adolescentes atendidos na USP podem receber um bloqueador hormonal para não entrarem na puberdade e desenvolverem características físicas com as quais não se identificam. Nos garotos trans, o bloqueio impedirá a menstruação e o crescimento das mamas. Nas meninas trans, os pelos do rosto deixarão de crescer, e a voz não engrossará.

A aplicação do bloqueio varia entre cada criança, mas pode acontecer entre 9 a 13 anos em crianças com características biológicas femininas e de 10 a 14 anos naquelas que têm o fenótipo masculino.

"Atualmente temos disponível no Brasil uma injeção para fazer o bloqueio hormonal que é feito assim que a criança for entrar na puberdade", disse ao 💥️g1 a endocrinologista pediátrica Leandra Steinmetz, do Instituto da Criança e do Adolescente do HC da USP.

O promotor de vendas 💥️Stefan Vicenzo Barreto Soares da Cruz tem 25 anos e é um homem trans. Ele contou ao 💥️g1 que fez toda a sua transição no Hospital das Clínicas da USP, mas pela rede particular de saúde.

"Eu tive que fazer pelo particular porque na rede pública demorava muito, tinha muita burocracia", falou Stefan, que passou pela cirurgia de mastectomia, para retirada das mamas. Ele ainda tem vontade de retirar o útero. Mas não decidiu se fará a redesignação sexual.

“O termo transgênero é um termo guarda-chuva e se refere a qualquer variedade de gênero, sejam transexuais, travestis, gênero não binário, agênero, gênero fluído”, disse ao 💥️g1 o psiquiatra 💥️Alexandre Saadeh, coordenador do Amtigos.

Segundo o especialista, no caso dos transgêneros, existe uma hipótese científica de que essa identidade de gênero se manifeste no cérebro na formação do bebê, ainda na fase intrauterina, depois do desenvolvimento dos órgãos sexuais.

Em outras palavras, de acordo com Saadeh, isso quer dizer que alguém que nasce com a genitália feminina não necessariamente terá um cérebro feminino. E vice-versa.

Em 2018, a 💥️Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a transexualidade da lista de transtornos mentais da Classificação Internacional de Doenças (CID). Apesar disso ela continua no CID, mas numa categoria chamada de “saúde sexual”.

Ela passou a ser considerada uma "condição". Oficialmente, a transexualidade é citada com o termo "incongruência de gênero" na CID-11, e descrita como "uma incongruência marcada e persistente entre o gênero que um indivíduo experimenta e o sexo ao qual ele foi designado".

Essa inadequação vivenciada por transgêneros pode provocar o que especialistas chamam de "disforia de gênero", que é quando uma pessoa não se sente confortável com as características masculinas ou femininas de seu corpo.

“É importante o diagnóstico no sentido de viabilizar e legalizar uma intervenção médica que se faça necessária. Desde hormonização até cirurgia”, falou Saadeh.

💥️Callebe Ferreira Marques, de 14 anos, não fez nenhum bloqueio hormonal, mas espera começar a tomar hormônios masculinos a partir dos 16 anos. O estudante também pretende fazer a cirurgia para a retirada dos seios depois dos 18 anos.

Veja onde fica o Amtigos — Foto: Guilherme Luiz Pinheiro/g1-Design 3 de 3 Veja onde fica o Amtigos — Foto: Guilherme Luiz Pinheiro/g1-Design

Veja onde fica o Amtigos — Foto: Guilherme Luiz Pinheiro/g1-Design

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