Ajuda humanitária é urgente no noroeste da Síria, onde guerra dificulta socorro após terremoto
O número de mortos segue aumentando e ninguém sabe a extensão total da tragédia. As equipes que continuam no terreno nesta terça-feira (7) tentando salvar possíveis vítimas do terremoto que atingiu o sul da Turquia e o norte da Síria relatam uma situação dramática, especialmente em áreas já atingidas por outras crises como guerra, fome e milhares de deslocamentos internos.
As primeiras 72 horas após o desastre são crucias para os socorristas em busca de vítimas nos escombros do terremoto que sacudiu uma parte do Oriente Médio. Enviar ajuda aos desabrigados na Síria é o ponto mais complicado das operações humanitárias, principalmente na região rebelde de Idlib, no noroeste do país.
Último reduto controlado por rebeldes e jihadistas, 4,8 milhões de pessoas vivem nessa área em condições precárias, muitas delas deslocadas pela guerra civil, instaladas em barracas.
"Eu gostaria de chamar a atenção para o sofrimento humano no noroeste da Síria, porque ontem à noite, tivemos uma declaração do embaixador do país para as Nações Unidas dizendo que autorizariam a entrada de ajuda humanitária internacional, porém essa ajuda precisaria entrar por áreas comandadas pelo governo e não pela oposição", observa. "Contudo, não podemos esquecer que o terremoto atingiu, principalmente, a área da oposição, onde as pessoas já estão vivendo há praticamente 12 anos sob conflito interno e já estão numa situação bastante difícil do ponto de vista humanitário", analisa.
O diretor-regional da NORCAP para o Oriente Médio, Carsten Hansen, lembra que "milhões de sírios já tinham sido forçados a fugir da guerra e agora muitos outros serão deslocados por causa desse desastre, no meio de um inverno rigoroso e de uma crise financeira sem precedentes no país".
O primeiro tremor de magnitude 7.7 foi sentido às 4h17 da madrugada de segunda-feira (6) no sul da Turquia (hora local). Trata-se do terremoto mais intenso registrado no país desde 1939.
Ao menos 185 réplicas dos abalos foram registradas nas últimas 24 horas, incluindo um segundo tremor de magnitude 7.5, às 13h24 de ontem, em Ekinozou, na província turca de Kahmaranmaras, que foi sentido em províncias vizinhas. Outro abalo de magnitude 5,5 foi registrado ao amanhecer desta terça-feira (7) em Golbasi, no sul da Turquia.
Uma situação de instabilidade que torna o trabalho de salvamento e atenção às vítimas ainda mais difícil.
Sob sanções internacionais desde o início da guerra civil, há 11 anos, o regime ditatorial de Damasco já recebeu promessa de ajuda da aliada Rússia, mas estende o pedido a toda a comunidade internacional. O embaixador sírio nas Nações Unidas garantiu que a ajuda iria "para todos os sírios, em todo o país".
O que muitas ONGs acreditam ser improvável no caso das áreas rebeldes, além desse apelo representar um problema de ordem diplomática com o governo de Bashar al-Assad.
Aya Majzoub, diretora-adjunta da Anistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África, apela à comunidade internacional para mobilizar imediatamente recursos para as operações de resgate e apoio humanitário no norte da Síria. "O governo sírio precisa permitir a ajuda internacional de chegar a todas as áreas afetadas pelo terremoto sem restrições", diz.
1 de 1 Terremoto na Turquia e na Síria — Foto: Arte/g1Terremoto na Turquia e na Síria — Foto: Arte/g1
Com experiência em missões humanitárias em mais de 25 países, inclusive em campos de refugiados das fronteiras da Síria, Fernanda Baumhardt acrescenta que essas populações já não tinham acesso a hospitais e remédios, além de sofrerem com falta de comida.
De acordo com dados do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) para o nordeste da Síria, 3.3 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar e há 2.9 milhões de deslocados internos.
Em 2022, 7.566 caminhões carregados de ajuda humanitária cruzaram a fronteira da Turquia para a Síria, alcançando 2.7 milhões de pessoas por mês.
No mesmo ano, as hostilidades no nordeste da Síria resultaram em pelo menos 145 civis mortos, incluindo 58 crianças e 249 feridos.
Um cenário que ganha proporções ainda mais dramáticas depois do terremoto de segunda-feira, com uma grande fragilidade das infraestruturas, edifícios destruídos, fontes de água interditadas e cortes de energia, conforme relatado pelas organizações internacionais que estão no terreno.
A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) é outra das poucas organizações humanitárias internacionais presentes no noroeste da Síria. Ela administra um hospital e clínicas móveis na província de Idlib, área controlada por rebeldes e jihadistas e foi rapidamente chamada, após o terremoto, para atender os feridos. A organização também está presente no norte de Aleppo, nas regiões de Azaz, Afrin e El Beb.
"Em Idlib fomos solicitados pelos hospitais, especialmente para cuidar de traumatismos", explica à RFI Hakim Khaldi, chefe da missão do MSF na Síria. Ele faz um alerta para a falta de material médico, especialmente gesso para atender os múltiplos casos de fraturas.
Quase toda a ajuda humanitária destinada ao noroeste da Síria entra pela Turquia através de Bab al-Hawa, o único ponto de passagem garantido por uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Contudo, o terremoto destruiu estradas no território turco e afetou funcionários locais e internacionais da ONU, assim como outros parceiros e motoristas de caminhão que geralmente transportam essa ajuda.
"Eles estão procurando suas famílias nos escombros. Portanto, também somos afetados como todos os outros" e "isso teve um impacto nesta operação", explica o porta-voz do escritório de coordenação de Ações Humanitárias da ONU, Jens Laerke.
Laerke deixou claro que "o fundo humanitário transfronteiriço, que é o principal instrumento para fornecer ajuda ao noroeste da Síria, está atualmente vazio" e, segundo a agência da ONU, precisa ser reabastecido com urgência.
A Organização das Nações Unidas já salientou várias vezes nos últimos anos que a entrega de ajuda, que requer a aprovação de Damasco, não é suficiente para atender às necessidades das populações do noroeste da Síria. “O imperativo humanitário de salvar vidas, por todos os meios e por todos os canais possíveis, deve prevalecer agora”, afirmou.
Diante das dificuldades enfrentadas após o terremoto, o Crescente Vermelho Sírio pediu nesta terça-feira à União Europeia (UE) que suspenda as sanções contra Damasco.
Damasco argumenta que a crise econômica está ligada às sanções que atingem o país, desde o conflito desencadeado pela brutal repressão aos protestos pró-democracia, antes de a Síria mergulhar em uma guerra devastadora.
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