Justiça de SP proíbe demolição do Espaço Itaú de Cinema e do Café Fellini na Rua Augusta, mas autoriza desocupação do espaço

O anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, que encerra as atividades em 16 de fevereiro, após 28 anos no mesmo lugar. — Foto: Divulgação 1 de 6 O anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, que encerra as atividades em 16 de fevereiro, após 28 anos no mesmo lugar. — Foto: Divulgação

O anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, que encerra as atividades em 16 de fevereiro, após 28 anos no mesmo lugar. — Foto: Divulgação

A Justiça de São Paulo aceitou parcialmente o pedido do Ministério Público em uma ação contra a desocupação do Anexo do Espaço Itaú de Cinema e do Café Fellini, na Rua Augusta, no Centro da capital, para instalação de empreendimento imobiliário e comercial no local.

Para embasar a decisão, o juiz ressaltou que a ausência de decisão da prefeitura sobre o interesse histórico dos imóveis não impede que o novo proprietário, num ato de impulso, promova a demolição das edificações, mesmo que não exista um alvará que libere uma possível obra.

Ele apontou, contudo, que o pedido de manutenção do funcionamento do Café Fellini e do Anexo do Espaço Itaú de Cinema até a decisão do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) não é da competência do Ministério Público, já que se trata de uma relação estritamente privada de locação.

Em contestação ao Ministério Público, a Procuradoria-Geral do Município afirmou que o Conpresp não está omisso na análise do pedido de enquadramento em Zona Especial de Preservação Cultural (Zepec) dos imóveis em questão.

Disse também que, na última quarta-feira (22), essa comissão passou a atuar em regime de urgência a fim de determinar se os imóveis se enquadram ou não como Zepecs.

Espaço Itaú de Cinema, unidade da Augusta — Foto: Espaço Itaú Cinema/Divulgação 2 de 6 Espaço Itaú de Cinema, unidade da Augusta — Foto: Espaço Itaú Cinema/Divulgação

Espaço Itaú de Cinema, unidade da Augusta — Foto: Espaço Itaú Cinema/Divulgação

O Ministério Público entrou com uma ação de tutela antecipada de urgência contra a Prefeitura de São Paulo e a construtora Vila 11, que pretende erguer um prédio onde hoje funciona o anexo do Espaço Itaú de Cinema e o café Fellini, na Rua Augusta, 1.470.

O objetivo é impedir que o cinema e o café deixem o imóvel no dia 28 de fevereiro, como previsto.

A ação de tutela antecipada de urgência protocolada na Vara de Fazenda Pública do Foro Central da capital paulista prevê que o munícipio de São Paulo, em nome de seu órgão de preservação histórica, o Conpresp, abra uma análise para enquadrar o cinema em uma Zona Especial de Preservação Cultural (Zepec/APC) para "impedir sua desocupação e a instalação de qualquer empreendimento imobiliário e comercial no local".

A ação elaborada pela 2ª promotora de Justiça do Meio Ambiente, Maria Gabriela Ahualli Steinberg, quer garantir o funcionamento do cinema até a decisão do Conpresp sobre o enquadramento ou não do cinema na Zepec/APC, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia e do desfazimento forçado das obras do empreendimento.

A previsão inicial era a de que o cinema fechasse as portas para o público na próxima quinta-feira (16) depois de 28 anos.

Para encerrar as atividades, a curadoria decidiu exibir o filme "A última Floresta", de Luiz Bolognesi, em duas sessões gratuitas que marcarão o fim definitivo daquele espaço, que desde 1995 era o point cinematográfico mais querido da cena paulistana.

O documentário de Bolognesi conta a história de resistência do povo Yanomami na terra indígena do Norte do País e aborda os constantes conflitos com garimpeiros, grileiros de terras e fazendeiros, para proteger a área deles, demarcas por lei. O filme coleciona uma série de premiações relevantes no Brasil e no mundo. Entre eles, o Prêmio do Público no Festival de Berlim e Melhor Filme no Festival de Seul. 

Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo. — Foto: Divulgação 3 de 6 Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo. — Foto: Divulgação

Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo. — Foto: Divulgação

Em comunicado distribuído à imprensa, o Espaço Itaú de Cinema lamentou o fim das atividades no imóvel alugado em março de 1995 e lembrou que a chegada do cinema na Rua Augusta ajudou a revitalizar a região através da cultura. Antes, a vida noturna do entorno era caracterizada apenas pela prostituição.

“Adhemar Oliveira inaugurou o Espaço Augusta em outubro de 1993 – na época patrocinado pelo Banco Nacional. O cinema foi o primeiro a apostar na iniciativa de exibir cinematografias independentes do mundo todo, além de promover a formação de público através de cursos e projetos como o Escola no Cinema, Sessão Cinéfila e Clube do Professor. Credita-se ao cinema a revitalização da rua Augusta. O comércio do seu entorno, como lojas, bares e restaurantes, foi estimulado pelo expressivo número de frequentadores do cinema”, disse a empresa.  

O Café Fellini, que fica no jardim do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, no Centro de SP. — Foto: Divulgação 4 de 6 O Café Fellini, que fica no jardim do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, no Centro de SP. — Foto: Divulgação

O Café Fellini, que fica no jardim do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta 1470, no Centro de SP. — Foto: Divulgação

“O Anexo – salas 4 e 5 - foi aberto em um sobrado bem à frente da sede, em março de 1995. O aconchegante cinema acolheu projetos cinematográficos importantes como o Curta às Seis, que diariamente projetava curtas-metragens brasileiros em sessões gratuitas na sala 4, e cursos do Escola no Cinema destacando a história e o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, os movimentos da cinematografia mundial e filmografias de diretores consagrados. A Mostra Internacional de Cinema exibiu ali inúmeros filmes, realizou debates com cineastas e promoveu o ciclo de depoimentos com personalidades da cultura 'Memórias do Cinema'”, completou.

A empresa afirma, entretanto, que as três salas do Espaço Itaú de Cinema em frente ao anexo, que chegaram antes e também exibem filmes consagrados, “continua vivo do outro lado da rua, assim como as unidades Frei Caneca, Pompeia, Brasília e Rio de Janeiro”.

“Prestes a completar 30 anos, além de seguir em plena operação, o Augusta vai incorporar a programação do Anexo, assim como estuda uma possível ampliação do ambiente do Café Fellini no número 1475”, anunciou a empresa.

Em maio de 2022, quando a incorporadora deu o prazo até fevereiro de 2023 para o Anexo deixar o espaço, o gestor do cinema, Adhemar Oliveira, conversou com a TV Globo.

O cineasta Ugo Giorgetti também falou na época sobre a importância do espaço: “Os cinemas que você pode circular como de nível, não passam de 12 salas, 13 salas. Então, quando você perde duas salas, é uma perda muito grande”.

Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo. — Foto: Divulgação 5 de 6 Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo. — Foto: Divulgação

Poltronas das salas de cinema do Espaço Itaú de Cinema Anexo, na rua Augusta 1470, no Centro de São Paulo. — Foto: Divulgação

Durante os 28 anos de existência, o Anexo do Espaço Itaú de Cinema exibiu títulos clássicos do cinema mundial, como os filmes “Stromboli” (1950), de Roberto Rossellini, “Morangos Silvestres” (1957), de Ingmar Bergman, "Um Corpo que Cai" (1958), de Alfred Hitchcock, “Hiroshima, Meu Amor” (1959), de Alain Resnais, “Acossado” (1960), de Jean-Luc Godard, “A Doce Vida” (1960), de Federico Fellini, e “Nosferatu - O Vampiro da Noite” (1979), de Werner Herzog.

“Nas quase três décadas de existência, o Anexo teve ainda outro papel fundamental: o de dar continuidade à exibição de filmes que estrearam do outro lado da rua – no número 1475. Em vez de deixarem o circuito, essas produções entravam na programação das salas menores, a 4 (88 lugares) e a 5 (33 lugares), permanecendo, assim, mais semanas em cartaz”, lembraram os curadores do espaço.

Em maio de 2022, quando a reportagem da TV Globo esteve no local e mostrou que a incorporadora que comprou o imóvel onde está atualmente o cinema também deu o prazo até fevereiro para que outros comércios instalados no imóvel saíssem do local.

Entre eles o restaurante mexicano dirigido pelo empresário Hugo Antares Delgado, que, emocionado, também lamentou o fim de uma era próspera da Rua Augusta, que cada vez mais tem sido tomada por prédios residenciais.

"A gente estava super entusiasmado de ter sobrevivido à pandemia. De repente, chega a notícia de que a gente vai ter que sair desse ponto que a gente gosta tanto e levou quase 8 anos construindo aqui na Augusta", disse o empresário na época.

"Estamos tentando ter garra e entusiasmo pra enfrentar a situação que é mto difícil. Na sexta, fui num show do Caetano e quando ele cantou 'Sampa', quando falou da 'força da grana que ergue e destrói coisas belas'... me pegou bem forte", comentou.

O empresário Hugo Antares Delgado, dono do restaurante mexicano que está ao lado do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, e que também terá que deixar o imóvel nesse mês de fevereiro de 2023. — Foto: Reprodução/TV Globo 6 de 6 O empresário Hugo Antares Delgado, dono do restaurante mexicano que está ao lado do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, e que também terá que deixar o imóvel nesse mês de fevereiro de 2023. — Foto: Reprodução/TV Globo

O empresário Hugo Antares Delgado, dono do restaurante mexicano que está ao lado do Anexo do Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, e que também terá que deixar o imóvel nesse mês de fevereiro de 2023. — Foto: Reprodução/TV Globo

Em dezembro do ano passado, a Associação Paulista de Cineastas (APACI) emitiu uma carta assinada por nomes como Beto Brant, Alain Fresnot, Marina Person, entre outros, que condenava o fechamento do espaço.

Na carta, o grupo afirma que o fim do Anexo do Espaço Itaú significava o réquiem de uma cidade “já totalmente descaracterizada pela febre imobiliária turbinada pela volúpia especulativa do capital financeiro”.

“A notícia de que o anexo do Espaço Itaú Augusta - em que estão as salas 4 e 5 e o Café Fellini - será demolido para a construção de um edifício, é mais uma nota do réquiem desta cidade, já totalmente descaracterizada pela febre imobiliária turbinada pela volúpia especulativa do capital financeiro. Um espaço aprazível como o Café Fellini, onde muitos passaram horas lendo um bom livro enquanto esperavam a sessão começar, ou ainda reunidos com amigos debatendo o filme que havíamos assistido, vai virar entulho. Mais um lugar do afeto, do encontro, da cultura, vai desaparecer”, afirmou o documento.

“Pelo menos é o que está ditando o poder do dinheiro. Devemos nos conformar com isso? Claro que não. Quem ainda ama essa cidade, os cinemas de rua, os espaços de sociabilidade, tem que se colocar ao lado daqueles exigem o tombamento deste lugar com toda a história que ele guarda e projeta”, completou a APACI.

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