Trabalho escravo no RS: depoimentos revelam endividamento ao sair da Bahia, agressões e cárcere
Os 207 homens que foram resgatados em Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul, em condições de trabalho escravido, relataram em depoimentos ao Ministro do Trabalho e Emprego (MTE) situações de agressão, cárcere privado e agiotagem. A 💥️RBS TV teve acesso aos depoimentos.
Conforme os auditores fiscais do trabalho que ouviram os homens, os relatórios "detalharam os sinais clássicos de trabalho escravo", entre eles, o 💥️endividamento, que começou quando o grupo saiu da Bahia. A maioria viajou do estado nordestino para o RS com a promessa de pagamento de salários, alojamento e alimentação, realidade diferente da que encontraram.
Um dos trabalhadores contou que a viagem até Bento Gonçalves custou R$ 1,3 mil. Outro, que o empregador dava vales a quem quisesse adiantamento de salário e cobrava juros abusivos. Houve casos em que uma pessoa que se apresentava como policial ia aos finais de semana até o alojamento onde estavam residindo, que ficava no bairro Borgo, e oferecia empréstimos, com cobrança de juros, de R$ 100 até R$ 150.
1 de 5 Trecho de depoimento prestado pelo trabalhador ao MTE — Foto: RBS TV/ReproduçãoTrecho de depoimento prestado pelo trabalhador ao MTE — Foto: RBS TV/Reprodução
Segundo os depoimentos, eram obrigados a comprar de um mercado próximo, onde os preços eram superfaturados. Um pacote de biscoito chegava a custar R$ 15. Um saco de pão, R$ 10. Já um sachê de suco em pó, R$ 4.
Os trabalhadores foram contratados pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA, empresa que oferecia a mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi, Salton e produtores rurais da região. O responsável pela terceirizada, Pedro Augusto Oliveira de Santana, chegou a ser preso, mas pagou fiança e foi solto.
2 de 5 Relato dos trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão ao MTE — Foto: RBS TV/ReproduçãoRelato dos trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão ao MTE — Foto: RBS TV/Reprodução
Sobre as 💥️condições do regime de trabalho, uma das pessoas resgatadas disse que acordava às 4h30 porque funcionários do empregador começavam a bater nas portas dos quartos. Que, nesses momentos, era comum que eles sofressem agressões psicológicas dos empregados, com gritos e xingamentos. Choques elétricos seriam usados para obrigar os trabalhadores a sair da cama para ir trabalhar.
Outro trabalhador contou ter sofrido 💥️agressões físicas dos funcionários. Ele levou tapas no rosto de um segurança porque teria quebrado um armário no alojamento. Colegas dele contaram terem sofrido golpes de cassete, soco e com cadeiras, além de ameaças de morte.
Sobre as 💥️condições do alojamento, os trabalhadores disseram conviver com abelhas e marimbondos. Era normal que fossem picados pelos insetos e, quando pediam remédios, os pedidos eram ignorados.
Houve relatos de preconceito devido ao estado de onde parte dos trabalhadores vieram. Um deles contou que, dentro do ônibus que levava os homens para a colheita, um suposto policial teria dito que não gostava de "trabalhador baiano". Ainda, que "se dependesse dele, matava todos".
Ainda, que quando um vídeo feito pelos trabalhadores dentro do ônibus foi publicado em um grupo de troca de mensagens na internet, o contratante teria ficado sabendo e teria mandado dois funcionários até o alojamento, onde trancaram um trabalhador em um quarto, local em que ele foi espancado. Ele teria sofrido agressões com spray de pimenta e cabo de vassoura.
Em um dos depoimentos, é descrito o relato de um trabalhador sobre a fuga de três colegas. Eles saíram por uma janela, que estava a uma altura de 2 metros, que dava sobre o teto de uma edificação. Até o chão, eram mais 5 metros. Após, correram até a propriedade vizinha e se esconderam em uma região de matagal. Teria sido um desses que conseguiu gravar um áudio pedindo socorro, o que levou à descoberta do caso.
3 de 5 Relato dos trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão ao MTE — Foto: RBS TV/ReproduçãoRelato dos trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão ao MTE — Foto: RBS TV/Reprodução
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De acordo com o MTE, com base em exames de corpo de delito, "não há dúvida de que houve agressão".
"Nós localizamos spray de pimenta, taser [arma de choque], cassetes. Esse material estava parte no carro desses seguranças. O cassetete ficava segurando a porta de entrada da pousada", diz Henrique Mandagará, coordenador de combate ao trabalho escravo do MTE.
Conforme os auditores, se a fiscalização não tivesse flagrado a situação degradante que os funcionários tinham que viver, dificilmente o grupo receberia os valores que foram acordados na contratação.
"A gente acredita que, com essas dívidas que seriam cobradas futuramente, de mercado, R$ 400 por cada trabalhador, com relatos de agiotagem na pensão, [onde] foram emprestados dinheiro a juros de 50% [por dois meses], com certeza esses valores seriam reduzidos", diz Mandagará.
Na quarta-feira (1º), o Ministério Público do Trabalho (MPT) começou a negociação para cobrança das indenizações por dano moral coletivo e individual.
"A apuração vai investigar todos os envolvidos na cadeia produtiva que se beneficiou do trabalho nessas condições. Todo aquele que reste comprovado que se beneficiou e que obteve lucro a partir de mão de obra escrava, e considerada escravidão contemporânea, terá, na medida de sua responsabilidade, a exigência de adequação de sua conduta e reparação das lesões eventualmente praticadas", diz Carolina Ribeiro, procuradora do MPT.
Os pagamentos aos 207 trabalhadores resgatados já foi concluído. Em média, as verbas rescisórias para cada trabalhador ficaram em torno de R$ 5 mil.
As provas encontradas pelos auditores fiscais foram encaminhadas para a Polícia Federal (PF). Segundo a PF, os indícios de trabalho escravo se configuram pelo não pagamento de salários, empréstimos com juros abusivos, endividamento e pelas ameaças sofridas.
4 de 5 Trabalhadores foram resgatados em Bento Gonçalves e voltaram para os seus lares — Foto: RBS TV/ReproduçãoTrabalhadores foram resgatados em Bento Gonçalves e voltaram para os seus lares — Foto: RBS TV/Reprodução
O empresário Pedro Augusto Oliveira de Santana, responsável pela contratação dos trabalhadores terceirizados que foram resgatados do trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, já foi autuado por irregularidades trabalhistas – que resultaram, por exemplo, na interdição de alojamentos para trabalhadores.
De acordo com o MTE, Santana tinha outra empresa, criada em 2012, chamada Oliveira & Santana, que foi autuada 10 vezes por irregularidades trabalhistas. Apesar disso, nenhuma situação análoga à escravidão foi flagrada. A empresa chegou a ter 206 funcionários e fechou em 2023.
No final de janeiro, os trabalhadores foram resgatados de um alojamento mantido pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA, empresa mantida por Santana que oferecia mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi, Salton e produtores rurais da região.
O advogado Augusto Werner informa que assumiu a defesa de Pedro Augusto Oliveira de Santana e da Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA na terça-feira (28) e fará uma reunião com o representante anterior para se inteirar dos fatos antes de divulgar um posicionamento.
Rafael Dorneles da Silva informou que "a empregadora Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial".
5 de 5 Trabalhadores foram resgatados em Bento Gonçalves devido a trabalho em condição análoga a de escravo — Foto: RBS TV/ReproduçãoTrabalhadores foram resgatados em Bento Gonçalves devido a trabalho em condição análoga a de escravo — Foto: RBS TV/Reprodução
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