Felipe Miranda: Investimentos para casar
Colunista compara compra de ação ao casamento pela perpetuidade (Imagem: Empiricus Research)
✅“Há apenas dois lugares possíveis para uma pessoa.
✅A família é um deles. O outro é o mundo inteiro.”
Daniel Galera — Barba Ensopada de Sangue
✅“Love doesn’t come in a minute
✅Sometimes it doesn’t come at all
✅I only know that when I’m in it
✅It isn’t silly, love isn’t silly, love isn’t silly at all”
Paul McCartney — Silly Love Songs
Eu me casei no último sábado. Poderia escrever uma declaração de amor para a Gabi para representar o simbolismo do momento. Seria verdadeiro e espontâneo, além de merecido.
Mas não farei isso.
Primeiro, porque ela mesma já deve estar um tanto cansada dessa história — as declarações se manifestam em ritmo superior àquele das operações dos fundos de alta frequência e vão além das palavras, como deve ser.
Sou um violeiro frustrado, treinado em Sol maior, naquela batidinha clássica do Extreme: “More than words”. E, depois, porque imagino que você possa estar pensando: o que eu tenho a ver com isso? No que eu, claro, lhe daria total razão.
Casar admite múltiplas interpretações. Respeito todas elas. Para mim, porém, representa institucionalizar-se. Não no sentido de que você passa a estar domado, domesticado e amansado.
O mesmo quadro de Mick Jagger continua pregado na parede às minhas costas aqui no escritório, símbolo maior da ambivalência entre cavaleiro da Coroa britânica e roqueiro inveterado. A arte está em combinar as duas coisas.
Também não quero dizer que seja seu antônimo, ou seja, indomado. Destemido pode ser uma boa palavra. Aquele que não teme adquirir caráter de instituição. Quando a vontade individual é superada pela proposição genuína da instituição Família. O projeto à frente de si mesmo.
E note que isso não necessariamente se liga a elementos cristãos. Como nos lembra Maria Homem e Contardo Calligaris, há aspectos bastante individualistas na essência do cristianismo. “Aconteceu que, indo eles pelo caminho, veio um homem que lhes disse: ‘Seguir-te-ei para onde quer que vás’.
çJesus disse-lhe: ‘As raposas têm seus covis e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça’. A outro disse: ‘Segue-me’. Mas ele disse: ‘Senhor, permite-me que vá primeiro sepultar meu pai’. Mas Jesus respondeu: ‘Segue-me, e deixa que os mortos enterrem os seus mortos; tu vai e anuncia o reino de Deus’.”
Se a única metafísica das coisas é que não há metafísica em nada e se somos apenas uma fagulha cósmica fruto da reunião sucessiva e absurda de forças aleatórias, o sentido da vida, em si, não existe por ele mesmo e precisa ser dado pela gente. E, para mim, ele está na família.
Também não quero dizer que só há família para os casados — sou um verdadeiro liberal, em sua plenitude, não da boca para fora, falador de coisas para agradar os coletinhos North Face da Faria Lima; respeito todas as formas possíveis de união.
Seja como for, porém, o ato do casamento guarda talvez o maior simbolismo do que é institucionalizar-se.
É exatamente isso que nos traz ao texto de hoje, porque meu momento pessoal (ou melhor: familiar, que está acima do estritamente pessoal/individual) coincide com o profissional. Seria coincidência? Não sei. Sempre achei esdrúxulas as afirmações do tipo: “Ele é muito legal no pessoal, mas é escroto no profissional”.
Como separar essas duas pessoas? Ele entra no escritório como Clark Kent e, ao passar pela cabine telefônica na recepção, vira o Super-Homem (no caso, o Lex Luthor)? Faz sentido isso? Valores, ética, moral e educação não são, quase por definição, algo universal, necessariamente transbordantes a um único escopo e não circunscritos à esfera pessoal ou profissional?
Talvez você já tenha percebido. Talvez não. O fato é que a Empiricus está se institucionalizando, disposta a cortar na própria carne, em prol de um projeto maior, destemida rumo a uma nova fase e, mais importante, rumo à sua própria essência.
Duas coisas principalmente exigem isso. Nós não éramos ninguém até ontem. Aqui não há herdeiro, apadrinhado, amigo do rei. Somos todos “self-made men”. E, para conseguir um espaço num oligopolizado e altamente poderoso sistema financeiro, que arranca o couro de correntistas e investidores todos os dias sem que esses necessariamente percebam, pois as taxas de rebates e colocação são sempre sub-reptícias, bem como os conflitos de interesse dos lobos em peles de cordeiro, sim, precisamos gritar, dar algumas cotoveladas por aí.
Pense num estádio de futebol já totalmente lotado. Você chega pedindo licença, falando baixo e caminhando vagarosamente, sem esbarrar nas pessoas. Qual é a chance de conseguir um bom lugar? Não que me orgulhe também. Apenas é o que é. A realidade desafia a idealização.
Mas depois que você se assentou, conseguiu seu espaço, mantém relações pessoais e institucionais, não faz sentido a mesma postura. Não está condizente mais com sua posição.
Não. Não acho que chegamos lá. Cumprimos apenas um primeiro degrau de uma escada que — espero — será tão bonita quanto “Stairway to Heaven”. Esforço não vai faltar. Mas também não há como enfrentar os dados. Temos hoje 356 mil assinantes pagantes, num universo de pouco mais 1 milhão de investidores na B3. Grosso modo, um terço dos investidores está aqui.
Não há como seguir adotando uma postura de outsider. Somos parte integrante do sistema, com endogeneidade no processo — o que nós falamos ou escrevemos hoje influencia o própria sistema, que volta a influenciar o que iremos falar e escrever no momento subsequente, quase como uma materialização da reflexividade de George Soros.
Então, há, sim, admito, um pouco de voz passiva neste processo de institucionalização. Somos vividos por poderes que fingimos entender, como resume o poeta Wystan Auden. Fomos conduzidos ao mainstream naturalmente, sugados pela escala assumida pela empresa. Não há como permanecer outsider quando você passa a ser um player relevante do sistema — neste exato momento, mesmo que não queira, você virou um insider, está dentro da coisa, não mais à margem.
Ao mesmo tempo, houve uma decisão deliberada nesse sentido. Poderíamos continuar como sempre fomos, manter as práticas de sempre, permanecer crescendo como sempre fizemos. Seria razoavelmente confortável esse caminho. Mas a porta estreita costuma ser a mais correta.
Optamos por mudar. Essencialmente, por uma coisa: para corrigir erros que cometemos no meio do caminho, aparar excessos e encontrar a nossa mais pura essência. Em termos objetivos e incontestáveis, você deve ver um marco formal disso nas próximas semanas — nem posso dar spoiler aqui, mas apenas dizer que deve rolar algo para escrever na pedra, algo como “fim da fase 1”.
Não precisaremos esperar até lá. Como você talvez já tenha notado, o tom de nossas campanhas de marketing mudou bastante. Sim, ainda estamos pautados pelo copywriting norte-americano, porque essa é nossa essência e porque não há alternativa para uma empresa de newsletters financeiras em escala em nenhum lugar do mundo. E, sem escala, você não monta uma equipe boa e grande de analistas.
E sem equipe boa e grande de analistas, não há boa análise, o que, claro, seria muito pior para o investidor. De todo modo, a agressividade comercial foi expressivamente abrandada. Sim, isso tem impacto nas nossas vendas de curto prazo, mas, tenho certeza, será muito mais profícuo lá na frente. Perceba, por exemplo, a material e objetiva repetição dos alertas de riscos nas cartas de vendas.
Além disso, estamos terminando uma revisão importante na nossa série de publicações — e de novo aqui, estamos cortando na própria carne num momento inicial, abrindo mão de receita em prol de um projeto maior, de uma Empiricus 100 por cento alinhada à sua vocação, corrigindo erros que cometemos na trajetória; decisão essa que inclusive se pautou em muito no feedback dos assinantes.
Passamos a ter um único produto premium de Análise Técnica (Gráfica), aumentando, assim, a proporção das assinaturas fundamentalistas. Respeitamos os traders que se apoiam em indicadores técnicos e em gráficos. Há espaço para todo mundo e não estou aqui para dizer que só há um jeito de ganhar dinheiro no mercado. Mas, sinceramente, a nossa essência é de investidor, de comprar coisas por menos do que elas valem. Cada vez mais, estamos próximos de nós mesmos.
Talvez ainda mais representativo seja o fato de que essa nova série de Análise Técnica tem muito mais peso em position e swing trade, com espaço marginal para o day trade. Pesquisa recente da FGV, encomendada pela CVM, mostra que cerca de 90 por cento dos day traders perdem dinheiro. Eu sei que você adoraria comprar pela manhã e vender à tarde com um bom lucro, mas a questão objetiva é que as probabilidades estão contra você. E jogar esse jogo tendo as probabilidades contra é difícil pra caramba.
Em paralelo, encerramos nossa assinatura apoiada em recomendações de cunho Long x Short. A indústria Long x Short no Brasil quebrou três vezes. Veja quantos fundos long only ou long biased bem-sucedidos há no mercado — é uma enormidade. Agora, compare com os parcos casos de sucesso de Long x Short. Ah, sim: um ou outro contraexemplo não invalidam a tese. Dentro de uma distribuição, sempre haverá aquela exceção estatística, mero ruído aleatório.
O short tem particularidades enormes e muitas tecnicidades — além do Jim Chanos e do Muddy Waters, quais short sellers multimilionários você conhece? Agora, compare com o tanto de investidor e comprador de longo prazo por aí. O short é contra a convexidade, o que prejudica bastante as suas chances também e aumenta bem a probabilidade de um único erro matá-lo. Além disso, sempre tem chance de squeeze, é caro, ilíquido.
Erramos. E estamos dispostos a corrigir. Nossa essência é long only, em favor da convexidade. Compramos coisas como investidores, vemos ações como empresas, que obedecem a ciclos empresariais, cuja maturidade é bem diferente do ciclo do day trade. Isso nos caracteriza, forma nosso caráter. Como resumiu Warren Buffett, se você não está disposto a morrer com uma ação, é melhor não comprá-la. É assim que eu vejo o casamento.
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