Felipe Miranda: Presente de Natal
“A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle — na frase mais repetida da história neste espaço aqui, até o Nietzsche já deve ter se cansado dela”, disse o CIO da Empiricus
No sábado, vou a Natal falar no Fórum de Negócios. Se você estiver na área, será um prazer. Passe por lá e tomamos um café, um vinho talvez. Será um prazer levar, pela primeira vez, a Empiricus formal e fisicamente ao Nordeste. Estávamos em falta. Sei que palavras não pagam dívidas e, portanto, a palestra será insuficiente para cobrir a ausência de anos.
Rebatendo com o próprio Shakespeare, eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito. Ou seja, se estivemos fisicamente longe, o carinho e a gratidão marcaram presença, ainda que tenhamos passado esse tempo reclusos em nossa casca de noz da Faria Lima.
De todo modo, estou animado. Do que vou falar? Perguntei aos organizadores o tema por eles desejado — sabe como é, você não quer estragar a festa para a qual foi convidado. Contei que podia, ao menos pretensiosamente, falar sobre empreendedorismo, investimentos ou momento brasileiro. Eles responderam me dando alguma liberdade temática (e poética, ainda bem). Então, resolvi falar sobre os três. Por uma razão: no final, eles são a mesma coisa. Tudo poderia ser resumido em duas coisas: convexidade e assimetria.
A palestra de Natal fica, bem, para Natal. Antes, ofereço o mesmo argumento de outra forma, por três vias diferentes, também tentando mostrar serem essas duas únicas coisas (convexidade e assimetria) as únicas que importam. O resto é charlatanismo ou perfumaria.
Primeiro ato
Noutro dia, recebi aqui o Roberto Justus para um bate-papo sobre Brasil, mercados e investimentos. Não somos próximos. Estive com ele por duas ou três vezes. Mas posso dizer que gosto do Roberto. Primeiro, porque eu amo pessoas educadas — e como são cada vez mais raras, nossa; uma espécie em extinção. Segundo, porque ele é verdadeiramente inteligente. E, terceiro, porque nutro um respeito natural por aqueles cuja situação patrimonial é superior à minha, em especial os “self-made”. Sensibilidade também conta e ele é um sujeito sensível. Tente oferecer-lhe uma água filtrada para beber para logo vê-lo superincomodado pelo gosto de cobre.
A conversa foi muito agradável, ambos discorrendo a respeito do otimismo com o país, com o acerto na gestão macro e com nossos mercados em geral. Bom, ao menos posso falar por mim, né? Você pode conferir por si mesmo o papo facilmente na internet.
Vínhamos concordando em tudo, até que, num determinado momento, tivemos um ponto de respeitosa dissonância. Roberto foi enfático ao defender o não investimento em criptomoedas, colocando-se como um “buffettiano”, ainda cético quanto aos fundamentos materiais das moedas digitais (afinal, elas são digitais, né?).
Ele apresentou uma excepcional argumentação contrária ao bitcoin, inclusive com contornos mais técnicos do que eu poderia supor serem de seu conhecimento a princípio.
Até aí, concordei com tudo, exatamente tudo que ele falou. Então, fui questionado se eu mesmo havia comprado bitcoin, ao que respondi que sim. “Ora, mas isso não é contraditório?”
Executivo afirmou que não se importa com os fundamentos do bitcoin em si, mas sabe o perfil de retorno desse negócio e como ele pode impactar o portfólio
Não. Eu não me importo com os fundamentos do bitcoin em si. Aliás, eu não sei absolutamente nada sobre isso. Sou um completo ignorante. Mas sei o perfil de retorno desse negócio e como ele pode impactar meu portfólio. Coloquei uma fatia infinitesimal do meu capital aí e o bicho se multiplicou por três. Era convexo e assimétrico, poderia subir muito mais do que cair. E acabou acontecendo justamente isso.
Segundo ato
Interessado em vasculhar oportunidades abaixo do radar em renda fixa num mundo (e num país) de juros cadentes, me peguei outro dia pecando. Estava lá lendo um jornal quando me deparei com uma coluna comentando o excelente resultado dos títulos indexados ao IPCA e das debêntures incentivadas no ano, com retornos acumulados de até 25%. Então, li algo mais ou menos assim:
“Tal retorno (das debêntures) se deu em grande parte pela expressiva queda das taxas dos títulos indexados ao IPCA, que saíram do patamar de 6% ao ano para cerca de 3% ao ano em pouco mais de 12 meses. Esse grande retorno demonstra o alto nível de risco que o investidor estava correndo: o ganho extraordinário poderia também ser uma perda de proporções semelhantes.”
Desculpe, um grande retorno não demonstra nada em termos de nível de risco. Um ganho extraordinário concretizado não significa que poderia ter havido prejuízo potencial de mesma magnitude. O argumento é algébrica e financeiramente errado.
Se você ganha 1.000% com uma determinada ação sem estar alavancado, quer dizer que poderia ter perdido 1.000%? É um desafio à aritmética e à lei de responsabilidade limitada. Só podemos perder 100% do que alocamos quando estamos apenas “long” (comprados, sem alavancagem). Estar comprado numa opção, por exemplo, te oferece um retorno potencial supostamente infinito, enquanto tem perdas limitadas ao valor da opção. De novo, as coisas não são simétricas, sabe? Obviamente, esteja sempre exposto às assimetrias que lhe são convidativas.
Terceiro ato
Recentemente, disse a um amigo, médico importante no Einstein, que investiria num fundo verde. Ele, investidor consciente e com alguns milhões de reais na conta, logo se animou, pensando tratar-se da possibilidade de expor-se ao mitológico Verde.
Ficou até intrigado por não ter conhecimento ainda da reabertura do fundo, dada sua proximidade com a colônia judaica. Teria Luis Stuhlberger amolecido seu coração e dado a nós, pobres mortais, a chance de mandar alguns caraminguás para o fundo brasileiro que figura no Hall of Fame global dos hedge funds? Hmmm, não foi dessa vez ainda, pena.
Felipe Miranda foi um dos grandes estimuladores do lançamento do fundo Canabidiol na Vitreo (Imagem: Luke Sharrett/Bloomberg)
Eu fui dos grandes estimuladores do lançamento do fundo Canabidiol na Vitreo, nossa gestora parceira e com a qual, evidentemente, mantemos conversas frequentes. É o primeiro fundo do setor no Brasil e uma alternativa bem interessante para abocanhar uma pequena fatia do investimento da pessoa física.
“Ah, quer dizer então que você é um grande especialista em cannabis?” Na verdade, não. Longe disso.
“Então, você curte um baseado é isso?” Definitivamente, também não é o caso. O máximo que chego perto daí é por meio dos discos antigos do Sabotage: “Representei com um do verdinho na mente ok. Não desandei, eu me empenhei, me dediquei também. Conheço o povo, de Sampa, RJ, BH, Baixada, Porto. Sou Gavião fiel de origem louco. Nada bobo, não brigo pelo jogo. Sou fogo contra fogo. Mais vale uma família e um qualquer no bolso”.
Trato o canabidiol e as coisas a ele circunscritas como um setor com crescimento contratado próximo a 20% ao ano pelos próximos cinco anos, com eventos catalisadores brutais no sentido da legalização e da descoberta de novas possibilidades de uso medicinal e que está só no começo. Ou seja, tem muito para crescer. Vale uma pequena fezinha, para nos expormos a uma chance de uma eventual explosão nos próximos anos, agora que os preços estão mais convidativos lá fora e não há mais euforia nem oba-oba excessivo.
Epílogo
Nossa cabecinha animal tem uma tendência a empurrar-nos para as simetrias e as linearidades. Seria mais simples e confortável se as coisas fossem assim. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle — na frase mais repetida da história neste espaço aqui, até o Nietzsche já deve ter se cansado dela.
Infelizmente, temos uma cabeça linear para um mundo exponencial.
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