Caio Mesquita: A última gota
“Curiosamente, no dia do meu último gole pré-abstinência, assisti a um interessante documentário que combinava a fascinação por vinhos caros com o fenômeno das bolhas especulativas” (Imagem: Youtube/Dogwoof)
Nesta semana, decidi dar um tempo na bebida.
Calma.
Não tenho nenhum problema com o álcool. Raramente passo da conta. Tenho uma tolerância relativamente baixa e começo a sentir os efeitos rapidamente. Em suma, bebo com moderação.
Sou casado há 17 anos e minha mulher nunca reclamou que a bebida estava afetando minha convivência social ou mesmo familiar.
Acontece que, desde o início da pandemia, me permiti relaxar algumas regras. Assim, aumentei a frequência da ingestão alcoólica e passei a ter a companhia de Baco em todos os meus jantares, de segunda a domingo.
No fim de semana, agregava drinks e coquetéis no almoço também. Adquiri o gosto pelo amargo Negroni, bebida favorita dos meus sócios Felipe e Rodolfo.
Presidir um grupo com 450 colaboradores em meio a uma crise sanitária sem precedentes, pelo menos na minha história pessoal, me impôs uma enorme dose de estresse. E, assim, uma dose de single malt no fim do dia terminava sendo o antídoto para enfrentar a crise.
Nesse último fim de semana, decidi que já era o momento de retomar hábitos mais saudáveis. Eu já havia voltado às atividades físicas com a reabertura da academia do meu condomínio no início deste mês. Diminuir a ingestão de bebidas alcoólicas para níveis pré-pandemia foi uma decisão no mesmo sentido da normalização.
Meu último drink (por um tempo)
Para pegar no tranco, aproveitando a decisão para desintoxicar meu organismo, decidi me impor uma quarentena etílica. Assim, ficarei até o fim de agosto totalmente abstinente.
Curiosamente, no dia do meu último gole pré-abstinência, assisti a um interessante documentário que combinava a fascinação por vinhos caros com o fenômeno das bolhas especulativas.
💥️“ Sour Grapes”, disponível na Netflix, trata da formidável valorização de vinhos raros, especialmente os produzidos na tradicional região vinícola francesa da Borgonha, durante a primeira metade da década passada.
A trama se desenvolve em torno de um personagem curioso, o jovem malaio de origem chinesa Rudy Kurniawan, cujo talento na degustação de vinhos, aliado a uma habilidade ímpar de networking com a nata californiana da época, o colocou como o principal player nos leilões de vinhos raros de então.
A atuação agressiva de Kurniawan no arremate dos lotes disponíveis nos leilões provocou uma intensa valorização no preço das garrafas leiloadas.
Não avançarei na trama. O filme tem bom ritmo e, aos poucos, vai desvendando os segredos e reais motivações do jovem enólogo.
Além de ser um excelente estudo de caso de especulação financeira, com vinhos multiplicando de preço de um leilão para outro, a história traz também aulas práticas sobre conflito de interesses advindo da confusão nas funções de aconselhamento e de vendas.
Ao assistir ao documentário, podemos observar os compradores oferecendo fantásticas fortunas por lotes de vinhos seguindo avaliações e recomendações assinadas pelo próprio leiloeiro responsável pelas ofertas.
A estrutura de gordas comissões (20%) geradas pelas vendas dava ao leiloeiro todo o incentivo para esquentar a demanda. Sem querer dar spoilers, a festança das comissões geradas terminou por ensejar práticas além de desleais entre os participantes.
O diretor de “Sour Grapes” não deixa dúvidas de que as casas de leilão se aproveitavam de sua posição de experts do assunto para lucrar, especialmente com novatos no tema. O conflito de interesses do leiloeiro é cristalino, e sua ética, condenável.
Não há como não traçar paralelos com o momento que vivemos agora, em que uma enxurrada de investidores novatos buscam orientação com assessores comissionados.
O alinhamento correto dos interesses entre as partes, com a mitigação de incentivos que atentem contra a relação “ganha-ganha” entre ambas, serviria como base para o desenvolvimento saudável das pessoas como investidores.
Pagar o justo por orientação é o melhor antídoto contra o barato que sai caro.
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