Choques em postes que matam dezenas no Brasil motivam cruzada após tragédia no Rio
Na verdade isso infelizmente é mais comum do que a gente pensa (Imagem: Pixabay)
Os poucos pedestres que ainda andavam pelo centro e Zona Sul do 💥️Rio de Janeiro no início da quarentena imposta pela pandemia de 💥️coronavírus puderam ver técnicos circulando pelas calçadas de alguns bairros dedicados a uma detalhada análise de postes de iluminação pública, munidos de seus equipamentos para medições, câmeras e capacetes.
Mas o levantamento, que encontrou diversos postes metálicos sob riscos de causarem choques elétricos até fatais em caso de contato com pessoas, não foi comandado por autoridades municipais e nem pela estatal responsável pelos serviços locais de iluminação.
A auditoria foi paga de próprio bolso por um engenheiro que anos atrás descobriu da pior maneira que o simples ato de encostar em um poste ainda é a causa da morte de muitas pessoas no 💥️Brasil, principalmente mulheres e crianças, mais frágeis frente ao impacto da eletricidade.
Após passar dez anos fora, Rubens Kuhn voltava ao Brasil em 2013 com a esposa, a polonesa Magdalena Rosa, que teve pouco tempo para conhecer o país ela acabou eletrocutada em uma noite em que a chuva ajudou a transformar uma luminária elétrica na região central do Largo do Marchado em arma fatal.
Magdalena, com 32 anos, estava grávida de cinco semanas, o que tornou o desastre ainda mais traumático para Khun e o levou a começar uma cruzada particular para jogar holofotes sobre as mortes causadas pelos problemas com postes.
“Eu não quero vingança, porque ela já se foi, isso não traria ela de volta. Mas eu quero mostrar os riscos, a negligência”, contou ele em entrevista em vídeo à Reuters. “Eu sei que pode acontecer de novo, eles sabem.”
Ele ainda trava batalha judicial contra a responsável pela manutenção dos postes de iluminação no Rio de Janeiro, a municipal RioLuz, agora nos âmbitos criminal e cível, mas já conseguiu nos tribunais uma indenização de 2,4 milhões de reais.
Foi a maior indenização de morte não trabalhista da história do Brasil, diz o engenheiro. Khun agora usa esses recursos para custear os esforços de sua causa, como a contratação da auditoria e advogados e outros assessores, por exemplo.
“Na verdade isso infelizmente é mais comum do que a gente pensa, acontecem vários casos”, disse o especialista em iluminação pública Edson Martinho, diretor da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), que trabalha com o tema há mais de duas décadas.
A Abracopel contabiliza 160 vítimas fatais de acidentes com postes e grades metálicas no Brasil desde 2015.
Foram 38 em 2023, com 17 casos só em postes no primeiro semestre de 2023, quando a entidade começou a contar em separado essas ocorrências.
Na cidade do Rio de Janeiro foram quatro casos em 2023 e três na primeira metade de 2023.
Na vida real, um dos números dessa tabela era o garoto Fabio Carvalho, de 18 anos, que trabalhava como estagiário e na prática já sustentava a casa junto com a mãe, que trabalha como costureira.
Ele jogava futebol em uma quadra perto da Linha Amarela quando, durante uma pausa, encostou em um poste para mexer no celular.
O suor fruto da disputada partida daquela tarde de calor conduziu a eletricidade com maior força pelo corpo do jovem.
“Quando ele encostou a mão no poste, levou uma descarga elétrica e ficou ali, agarrado. Foi até difícil tirar ele. Quando veio o SAMU ele já estava praticamente desacordado. Mas levaram ele ainda com vida, fizeram animação, levaram pro hospital, um hospital público, e lá ele faleceu”, contou o advogado da família, Luiz Antonio Figueira da Silva.
Ele reclama da demora da RioLuz para indenizar as famílias, assim como Khun, que levou sete anos até receber sua compensação e compilou muitos outros casos similares de demora.
Procurada, a RioLuz, responsável pelos postes de iluminação pública no Rio de Janeiro, não respondeu diversos pedidos de comentário sobre o caso de Magdalena e as ocorrências fatais em seus postes em geral.
“O Risco Está Ali”
Crianças e mulheres têm menor resistência aos choques pela pele mais sensível e corpo menor, enquanto a umidade também costuma estar envolvida nas fatalidades.
“Se você me pergunta o grau de risco, eu vou te falar que é assim: se você tem um poste com problema, aí depende também de onde ele está, o risco é proporcional à quantidade de pessoas que estão perto dele, que passam ali, e quem são elas”, explicou o engenheiro Humberto Fabio, da empresa de Ground Engenharia, que fez o levantamento no Rio de Janeiro a pedido de Khun.
Ele analisou mais de 150 postes em nove bairros no centro e Zona Sul & a amostra seria maior, mas os trabalhos foram cortados em meio à aceleração da pandemia.
Em três postes na central Avenida Rio Branco foram constatados riscos de choques que poderiam levar à morte, enquanto vários equipamentos em outras áreas poderiam causar de formigamentos a contrações violentas em caso de toque, de acordo com os resultados da auditoria independente. A RioLuz não comentou o levantamento.
“Bem sinceramente, a situação das instalações que vimos variava um pouco de bairro para bairro, mas o que causou um pouco de surpresa é que mesmo nesses bairros mais… abastados, digamos assim, havia pontos que apresentavam risco”, afirmou.
O perigo está associado a questões como falhas de aterramento e cabos energizados encostando no metal, com “fugas de energia” que tornam-se potencialmente mais arriscadas se somadas a outros fatores como umidade.
“Tem a questão da segurança. Em muitos postes o que encontramos é que foi alvo de roubo. O pessoal abre a caixinha na base, rompe o lacre para levar o cobre… e ficam pontas de fio condutor vivo expostas.”
“Eu posso encostar e tomar um choque ou não acontecer nada… mas o risco está lá, vai depender de quem está colocando a mão, como. Em um dia de chuva, se a água sobe, como foi no caso da esposa do Rubens… é fatal mesmo, água e cabo energizado não tem como.”
As mortes decorrem principalmente de postes de iluminação pública & metálicos, e não daqueles usados na distribuição de energia e para cabos de telefonia, em geral de concreto& quando há “fuga de corrente” nos equipamentos, disse o especialista Luciano Rosito, da Tecnowatt Iluminação.
“Às vezes a gente vê naqueles postes até decorativos em centros de cidades muita fiação exposta. Tem exemplos que andando pelas cidades eu me deparo. Infelizmente acontece e a gente vê essa questão, da necessidade que existe de uma maior manutenção elétrica e prevenção de acidentes.”
O caso da mulher do engenheiro e diversos outros seguem na mira de Khun, que casou-se novamente e voltou para a Alemanha, onde também possui cidadania, mas não esquece o drama vivido e a questão dos postes.
Mesmo de longe ele segue investigando o tema e levantando casos semelhantes. Mais recentemente, passou a trabalhar com a ideia de produzir um documentário sobre as histórias tristes que tem ouvido.
“Agora que eu sei de tudo isso, está na minha conta. Se uma pessoa a mais morrer, eu vou ficar pensando que devia ter feito mais para ter evitado.”
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