Felipe Miranda: Quem não tem teto de vidro?
“Não há muitas dúvidas de que os preços dos ativos locais estão baratos, sob uma perspectiva histórica (comparando a seu passado), relativa (contra pares internacionais) ou frente a sua capacidade de geração de caixa futuro” diz o colunista.
Dizem que o 💥️Brasil não é para amadores. Outros falam o contrário. O Brasil seria só para amadores. Os profissionais já teriam saído daqui há muito tempo, migrando em direção ao bull market em 💥️Wall Street, onde os prêmios de risco fazem algum sentido — aqui, ficamos achando também que as ações são o ativo do futuro: em algum momento, como carregam mais risco e os mercados são minimamente eficientes, elas vão pagar mais do que a renda fixa.
Quem está certo? Difícil dizer. Sextus Empiricus preocupava-se mais com a dialética do que com as respostas prontas. Há sempre bons argumentos de um lado, sendo rebatidos com contra-argumentos de igual intensidade e qualidade. Um duelo sem necessariamente haver vencedores entre tese e antítese.
A verdade é que estamos diante de uma encruzilhada. Não há muitas dúvidas de que os preços dos ativos locais estão baratos, sob uma perspectiva histórica (comparando a seu passado), relativa (contra pares internacionais) ou frente a sua capacidade de geração de caixa futuro. Ao mesmo tempo, parece também existir razoável consenso de que o cenário não é bom. Somos baratos, porque ruins. Se vamos ficar ainda piores e, portanto, mais baratos ou se, ao menos, pararemos de piorar e poderemos ter o início de alguma apreciação dos ativos, depende da preservação de algum tipo de âncora fiscal. Mais objetivamente: acabou o teto de gastos e, com ele, toda a responsabilidade fiscal?
Antes de prosseguir, esclarecimento importante: embora a conversa aqui esteja centrada em preços dos ativos e comentários de mercado, por dever de ofício, ela é muito mais ampla do que isso. Esse falso dilema de “eu estou preocupado com o pobre e você se preocupa com os ricos do mercado financeiro” precisa ser combatido a qualquer custo. Quando o governo sugere o Auxílio Brasil de R$ 400, com R$ 30 bilhões fora do teto, o dólar explode, o juro longo dispara, as empresas brasileiras perdem valor. O dólar mais alto alimenta (ainda mais) a inflação, que acaba justamente com o pobre — o rico pode se defender nos altos rendimentos reais do mercado financeiro, onde tem estacionado o estoque de sua riqueza; o pobre, coitado, nem estoque tem e se dilacera com a deterioração dos fluxos em termos reais. O Banco Central reage elevando os juros, o que reforça o desemprego. As empresas, menos capitalizadas, crescem menos, param de contratar, demitem mais gente.
Enquanto nos perdemos na falsa retórica do “nós contra eles”, resta caminhar sobre o gelo fino. Só a educação financeira e de economia pode salvar. Assunto para médio e longo prazo, quando, se não cuidarmos delas, também nossas carteiras estarão mortas. Então, precisamos falar disso.
Como tudo foi muito confuso e feito até de forma atabalhoada, vale um contexto.
A proposta original do 💥️Ministério da Economia era levar o escopo do 💥️Bolsa Família a um universo de 17 milhões de famílias, para R$ 300, num gasto de cerca de R$ 40 bilhões. Duas considerações sobre isso: já representava uma flexibilização do teto de gastos, depois do tal “meteoro” do ministro Paulo Guedes, com implicações inesperadas previamente sobre o Orçamento de 2022.
Se confirmada a proposta, significaria um expressivo aumento de 50% para o Bolsa Família. Importante notar: frente ao último reajuste do Bolsa Família, ocorrido em maio de 2018, teríamos um incremento real de 20%. Mesmo diante de críticas de que a inflação da baixa renda foi mais acentuada por conta da alta dos preços dos alimentos e, portanto, o reajuste real, de fato, seria menor, ainda assim seria uma importante (e com méritos) conquista. Preservaríamos o poder de compra depois de um período de pandemia e forte alta dos preços dos alimentos.
Mas não há limites para o Leviatã. O monstro macunaímico Venceslau Pietro Pietra tem um apetite insaciável. A demanda da ala política era grotesca: levar o Bolsa Família a R$ 300 e dar um auxílio adicional de R$ 200, fazendo o total de R$ 500 fora do teto, permitindo, assim, outras emendas parlamentares ao longo de 2022.
Era um absurdo completo. Sob o argumento de que “o mercado esperava uma dívida/PIB de mais de 100% ao final deste ano; terminaremos em 81%, logo temos espaço para gastar, como se não houvesse amanhã”.
Claro que as coisas não funcionam assim. E, como não poderia deixar de ser, houve forte resistência da equipe econômica, acertadamente. Arrisco dizer que poderíamos, sim, ter visto baixas no ministério caso as coisas caminhassem por essa direção tão irresponsável fiscalmente.
Ainda que possa soar contraintuitivo e surpreendente para quem não acompanha a questão de perto, a verdade é que, ainda que de forma bastante parcial, o Ministério da Economia conseguiu evitar o pior. Não se trata de dourar a pílula. Longe disso. A notícia de ontem é muito ruim. Estamos dando um aumento nominal de 100% no Bolsa Família, que vai para 0,95%, sem que diminuamos qualquer outro programa de auxílio (sendo que há vários ineficientes), sem justificativa técnica para isso e, pior, sem qualquer sinalização de que o estouro do teto para mesmo nesses R$ 30 bilhões. Sabemos como essas coisas começam, mas nunca sabemos onde termina. Não há nada mais permanente do que um gasto temporário do governo. E parece que também este será sempre o penúltimo estouro do teto de gastos.
Contudo, as coisas poderiam, sim, ser muito piores. O tamanho do rombo fora do teto defendido pela ala política girava em torno de R$ 70 bilhões a R$ 100 bilhões, sem que fosse apenas por um ano. Ficamos, ao menos até agora, em R$ 30 bilhões, para 2022 somente.
Qual a encruzilhada a que me referia a partir de agora?
Ainda não há certeza de que, de fato, ficaremos em R$ 400 por ano um, com a questão sendo estancada em R$ 30 bilhões. Se tivermos algo como R$ 500 (R$ 300 + R$ 200), alguma sinalização de extensão para além de 2022 e/ou tudo sendo alocado fora do teto (e não somente o adicional de R$ 100), as coisas podem piorar bastante em termos de preço de ativos.
Existe o contraponto, claro. Quais seriam potenciais saídas? Primeiramente, a equipe econômica ainda luta por conseguir algo inferior aos R$ 100 fora do teto — embora eu considere esse cenário improvável.
Talvez outras amenizações sejam possíveis, capazes de transmitir uma tranquilidade mínima para as coisas pararem de piorar e haver alguma melhora de preços de ativos, dado o caráter extremamente depreciado e algumas cotações em níveis de ruptura fiscal.
Uma delas é construir uma boa justificativa técnica para os R$ 30 bilhões, combinada a alguma sinalização crível de que o estouro do teto é este e somente este, criando algum outro tipo de âncora fiscal tácita e efetiva. Fundamental também não haver qualquer outro recuo da equipe econômica.
Em sendo o caso, talvez seja possível defender a narrativa de que a surpresa de arrecadação é bastante grande e que a despesa do governo central antes de juros caminhava para 18,2% do PIB, contra 19,3% do governo Temer.
Se conseguirmos algo nessa direção, as coisas podem se acalmar. Por ora, atenção redobrada sobre a necessidade de diversificação e algumas proteções para a carteira. Não à toa, o Palavra do Estrategista de hoje fala de possíveis bons hedge para o momento. Fica o convite à leitura.
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