Lais Costa: Outro olhar sobre o financial deepening

“O que todo esse nevoeiro do mercado brasileiro deveria deixar claro é a importância de uma alocação relevante dos seus investimentos em ativos globais buscando descorrelação e diversificação em moedas fortes. O desenvolvimento do mercado de capitais também passa por essa etapa.”

É possível que você já tenha ouvido a expressão “visão 20/20”. Ela se refere a uma situação muito clara, nítida, e não raro é usada por agentes de mercado. Um exemplo: “hindsight is 20/20” (retrospectivamente, tudo é 20/20). Em outras palavras, acontecimentos do passado parecem óbvios à luz do conhecimento de hoje.

A origem da expressão remonta ao ano de 1862, em uma referência à fração de Snellen, notação de medida de acuidade visual derivada do gráfico desenvolvido pelo oftalmologista holandês Herman Snellen.

O nome pode parecer estranho, mas se trata de algo muito conhecido. Se você já fez um exame de vista e precisou ler algumas linhas com letras em tamanho decrescente para o seu médico, é sobre esse quadro de letrinhas que estamos falando.

O numerador da fração de Snellen representa a distância entre o paciente e o gráfico, que nos EUA é de 20 pés (aproximadamente 6 metros), e o denominador se refere a uma das linhas de letras que o paciente deveria conseguir ler daquela distância.

Nessa lógica, caso a pessoa consiga ler uma linha de letras menores do que a linha de convenção na mesma distância, ela teria uma visão 20/15, ou seja, mais saudável do que o benchmark, enquanto uma visão 20/200 é considerada tecnicamente cegueira.

No mercado de fundos de investimento, existem algumas frações que saltam aos olhos e que nos dizem bastante sobre a possibilidade de fazermos uma leitura mais nítida do cenário econômico.

No universo de hedge funds, grosso modo, a divisão entre fundos sediados nos EUA e no restante do mundo é de 75/25. Dentre os motivos para essa razão, podemos citar baixa rigidez regulatória, segurança jurídica e incentivos tributários e fiscais no território americano.

Se colocarmos uma lupa na indústria americana entre os anos 1940 e 1950, os hedge funds podiam ser divididos entre estratégias macro e todas as demais, em uma proporção 40/60. Com o passar do tempo, o amadurecimento do mercado de capitais, a consolidação das instituições e a clara tendência de juros estruturalmente mais baixos no longo prazo — ainda que com aumentos momentâneos — levaram essa fração para algo como 8/92. A representatividade dos fundos macro foi dragada principalmente por fundos de ações.

Hoje, nos hedge funds, as estratégias relacionadas ao mercado acionário (orientadas por eventos, valor relativo, nichos, ações), quando comparadas a outras estratégias, têm uma proporção de 80/20.

Na indústria de fundos dos EUA como um todo, as estratégias de ações formam uma proporção de cerca de 60/40 em relação às demais.

A evolução do mosaico da indústria em direção ao mercado acionário é um reflexo do fenômeno que chamamos de “financial deepening”, que se refere ao desenvolvimento do mercado de capitais, capitaneado nos últimos 40 anos principalmente pelos EUA.

No Brasil, a razão 80/20 também é válida; porém, ao invés de ações, o 80 se refere a investimento em ativos de renda fixa. Para trazer a matemática um pouco mais próxima da realidade, grande parte desse numerador são investimentos em títulos públicos federais e operações compromissadas que, além de instrumentos de renda fixa, também são usados como garantia de operações de risco.

De todo modo, as ações ficam com meros 14% do patrimônio líquido dos fundos, de acordo com o relatório da Anbima.

Não por menos, a performance dos hedge funds é comparada à do mercado acionário americano, enquanto os nossos multimercados usam o CDI como benchmark.

Quando falamos sobre os multimercados (os nossos hedge funds), há uma inversão da proporção americana 8/92 de representatividade da estratégia macro. A maioria esmagadora dos multimercados são macro e uma tímida minoria é dividida entre os fundos long biased, long & short e retorno absoluto.

Mercados

“Temos um mercado míope, não fosse o fato de que, de perto, parece que vemos pior do que de longe”, afirmou a colunista (Imagem: Pixabay)

Por aqui, não é raro copiarmos padrões às avessas.

Copiamos monumentos de bronze em tom dourado e depreciamos o metal precioso, o mercado acionário e as instituições.

Não seria absurdo afirmar que temos um mercado míope, não fosse o fato de que, de perto, parece que vemos pior do que de longe. E como diria o ex-ministro Pedro Malan, nem mesmo o nosso passado é 20/20.

Podemos olhar todo esse imbróglio de forma otimista e sustentar o argumento de que somos muito mais novos, prematuros sob a ótica de maturidade ou temporãos sob uma perspectiva de morosidade. Estaríamos, portanto, em algum ponto do caminho do desenvolvimento, do financial deepening tropical.

Eu sei, é difícil se manter otimista em relação ao mercado acionário e ao aumento de sua representatividade em momentos como este.

Então sejamos práticos.

O que todo esse nevoeiro do mercado brasileiro deveria deixar claro é a importância de uma alocação relevante dos seus investimentos em ativos globais buscando descorrelação e diversificação em moedas fortes. O desenvolvimento do mercado de capitais também passa por essa etapa.

Por isso, a principal recomendação da série 💥️Os Melhores Fundos de Investimento  é a carteira do FoF Melhores Fundos Blend, que tem a proporção de 20/80 entre fundos globais e locais, no limite do que a regulação atual permite para o público geral. Não fossem os entraves regulatórios, essa proporção seria mais próxima de 30/70 ou até 40/60, a depender da opacidade do cenário econômico.

O financial deepening também significa abrir os olhos para o mercado global.

Um abraço,

Lais.

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