Por que não se deve reduzir impostos sobre combustíveis?
Efeito contrário: reduzir impostos para baixar o preço dos combustíveis só empurraria a conta para o futuro, segundo Carlos Lopes (Imagem: Reuters/Paulo Whitaker)
Em 1975, um ano antes de receber o Prêmio Nobel de economia, Milton Friedman disse em uma entrevista para a televisão que “um dos grandes erros é julgar políticas e programas por suas intenções e não pelos seus resultados”. Segundo ele, programas com objetivos sociais costumam ter efeitos contrários àqueles que seus apoiadores bem-intencionados pretendem que eles tenham. A vontade do governo de reduzir 💥️impostos sobre combustíveis se encaixa bem nesse contexto.
Apesar da intenção de reduzir os preços de um insumo essencial no dia a dia de muitas pessoas e trabalhadores, as consequências de medidas como essa serão certamente negativas para a sociedade como um todo, em função de várias razões.
Um primeiro ponto é que mexer com preços com objetivos políticos é um erro. Alterações como essa geram ineficiências, já que o preço é um indicador de escassez relativa das coisas. Desde o ano passado, a produção mundial de petróleo inferior ao consumo e, mais recentemente, a guerra na 💥️Ucrânia, mais que dobraram o valor do barril de 💥️petróleo em dólares. Com preços mais elevados, há incentivo para uma moderação do consumo e estímulo à produção.
Ainda assim, argumenta-se que, para suavizar os movimentos nos preços e os impactos negativos sobre a renda de quem consome muito combustível, a medida se justificaria no curto prazo.
Um argumento claro contra essa medida, contudo, deveria ser a própria restrição orçamentária do governo. Já é bem conhecida a delicada situação fiscal do país. A dívida é alta e não há boas perspectivas de melhora ao longo dos anos. As dificuldades estruturais de o país crescer consistentemente a taxas mais elevadas ou de controlar despesas dificultam a geração de saldos fiscais positivos recorrentes.
O que fazer com a perda de receita?
Diante da escassez de recursos, há duas soluções. A primeira seria tributar outros produtos e serviços para compensar a desoneração sobre combustíveis. A segunda seria aceitar a perda de receita, o que, em um cenário de endividamento e recursos limitados, exigirá um esforço fiscal maior no futuro. Ambas as saídas têm custos importantes.
“Há instrumentos melhores de transferência de renda conhecidos”, afirma Carlos Lopes, do BV (Imagem: Divulgação/ BV)
Tributar de um lado para desonerar de outro faz sentido em situações em que exista o que se convencionou chamar de externalidade positiva. Energia solar é um bom exemplo, já que é menos poluente e tem uma emissão de carbono menor que as fontes de energia mais comuns, mas ainda tem custos importantes de implementação. Neste caso, se o benefício público supera o privado, pode ser o caso de se incentivar a transição para esse tipo de geração, como é feito atualmente.
O incentivo aos combustíveis vai na contramão, por ser algo com muitas externalidades negativas, como poluição, trânsito, acidentes, desincentivo ao transporte público e a alternativas limpas. Além disso, eleva a desigualdade, ao transferir renda da sociedade para quem mais consome combustíveis, os donos de automóveis. Tampouco ajuda a inflação em prazos mais longos, já que as expectativas de inflação se elevam com a perspectiva de normalização dos preços no futuro ou a compensação com outros tributos.
Desonerar simplesmente, sem substituir por outra fonte de recursos, é empurrar a conta para o futuro, seja para esta ou próximas gerações. Fazer isso para estimular algo que será prejudicial para o futuro é ainda mais incoerente.
Ser contrário a essa política, no entanto, não é, necessariamente, ser insensível às dificuldades financeiras que muitas pessoas enfrentam. Para aquelas que realmente necessitam dessa ajuda, há instrumentos melhores de transferência de renda conhecidos.
A expansão desses programas poderia eventualmente ocorrer se compensada por reformas amplas que reduzissem o custo do Estado, melhorassem a distribuição da carga tributária ou elevassem a produtividade, por exemplo. Sem isso, infelizmente, em um país de renda média como o Brasil, com recursos limitados, políticas de desoneração como essa só trazem maus resultados, apesar da boa intenção.
✅💥️Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.
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