Angústia, nojo e estafa: o lado sombrio da gastronomia ganha as telas

Mostrar que a comida é, essencialmente, emoção ajudou a fazer de "Ratatouille" (o filme) um enorme sucesso internacional. E no que diz respeito às telas, quase sempre foi assim.

💥️Mas uma nova leva de títulos recentes tem tentado mostrar outros lados das emoções que a gastronomia é capaz de evocar: muito além de contentamento, há angústia, nojo, estafa e até um certo terror por trás de pratos com preparos muito bem filmados.

💥️A cozinha da realidade

Nas telas, a comida se tornou um veículo de expor sentimentos nem sempre tão positivos (ou até impor uma lição moral) — um claro reflexo da própria fase por que passa a gastronomia no mundo, com casos de agressões, assédios e pressão psicológica (leia a reportagem especial do Prime que reúne depoimentos de atrocidades que chefs viveram trabalhando em grandes restaurantes).

Foi-se o tempo dos filmes sobre comida (ou com comida) que davam vontade de comer. De repente, a gastronomia nas telas se tornou uma maneira de falar de batalha de classes, de saúde mental, de traumas.

Do chá que é servido ao personagem de Daniel Kaluuya em "Corra" ao strudel com que se delicia o nazista Hans Landa em "Bastardos Inglórios", a comida se distanciou muito do espaguete com almôndegas de "A Dama e O Vagabundo" e do sanduíche cubano do filme "Chef".

Cena de "The Menu" - Reprodução - Reprodução

É uma versão caricata dos restaurantes, claro, mas ao exagerar no tom, o filme coloca uma lupa sobre a relação quase messiânica que os comensais construíram com os cozinheiros, um tipo de submissão que extrapolou das cozinhas às salas.

Preciso implorar-lhes por uma coisa: não comam! Degustem. Saboreiem. Deliciem-se. Reflitam sobre cada pedaço que colocarem na boca. Tenham consciência. Mas não comam. O nosso menu é muito precioso para isso", diz o chef.

💥️Comida de repulsa

 "O Triângulo da Tristeza" - Divulgação - Divulgação

Talvez seja uma das mais extremas cenas de vômitos já vistas no cinema, mas o objetivo do diretor é justamente causar um mal-estar na plateia, deixá-la desconfortável ao extremo.

A comida, ele diz, é algo que cria justamente uma conexão — ainda que de repulsa — em todas as pessoas. Como o cinema, é uma linguagem universal, cujos códigos carregam muitos (distintos) sentidos.

Da comida feita para agregar, reunir e criar verdadeiros momentos de prazer hedonista à ideia de que nem todos comemos a mesma coisa e que, por isso, o que comemos pode ser uma forma de falar das nossas diferenças (especialmente sociais), o cinema tem mudado a lente com que filma pratos e receitas.

Se é apenas uma fase em que as críticas sociais parecem borbulhar — e às vezes explodir de tanta pressão — nas telas, ainda é cedo para dizer. Mas talvez nunca mais vejamos a comida nas telas com a mesma inocência de antes.

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