Em tempos de pratos de minuto, qual será o futuro dos cadernos de receita?
"Quando estou pensando na receita, é um embate. Eu me pergunto: isso aqui eu posso transformar num vídeo de 60 segundos ou não? Eu quero que isso chegue a milhões de pessoas ou a quem vai de fato prestar atenção?'", diz a escritora, cozinheira e desenvolvedora de receitas, Jaíne Mackievicz — a nova Julia Child, como já apareceu aqui em Nossa.
E dentro de casa? Será que as pessoas seguem armazenando suas receitas em cadernos, como antigamente? Se a comida afetiva está na boca do povo, seja por amor ou ódio, os cadernos de família nunca saíram de pauta e não é raro ver declarações de amor ou lives inteiras dedicadas a eles e a suas autoras — pois, em sua maioria, são mulheres.
💥️Folhas gastas de afeto...
Na crônica "Dos Cadernos das Avós", que integra o livro "Não é Sopa" (Companhia de Mesa, 2023), a autora Nina Horta fala como é possível analisar a personalidade feminina por meio da letra, do receituário e dos comentários presentes ao redor das alquimias:
✅Dá para ver as mãos finas, os dedos compridos, os punhos de renda, as veias azuladas e o ritual de molhar a pena, escorrega-lá na borda do tinteiro para assegurar a quantidade exata de tinta. Não há borrões, nem falhas. A letra sobe e desce, igual, contida, ocupando o espaço e o tempo desocupado."
Algumas cozinheiras, escritoras e pesquisadoras acreditam que o compilado de receitas registradas como antigamente esteja mesmo fadado ao esquecimento.
"Minha bisavó fez curso de caligrafia, é a coisa mais linda do mundo. Às vezes, fico tentando copiar para ver se aprendo a fazer essas letras maravilhosas", diz a cozinheira Ana Mantegari, que leva em seus doces, biscoitos e salgados a herança da avó e bisavó paternas.
Caderno Taurina de Receitas reúne uma preparação referente a uma faixa —-cada receita assinada por uma parceira, seja ela da música, como Ava Rocha, ou da culinária, como Neide Rigo.Publicado em 2023, em versão digital, a obra traz colagens, técnicas e poesia para apresentar as 13 receitas assinadas por mulheres, mas que tem como foco o público geral.
Se, por um lado, as receitas seguem fragmentadas em takes cada vez mais curtos, a disponibilidade dos materiais na rede pode servir para captar a atenção das crianças. Do interesse pela cozinha vem a ideia de criar suas receitas e (por que não?) os próprios cadernos, no futuro. "Às vezes eu vejo meu filho assistindo algo, ficando com vontade de reproduzir. Isso de certa forma estimula ele também", diz.
Os cadernos vão resistir à era tecnológica
Tanto Oliveira quanto Monteleone acreditam na forma híbrida que esses materiais vão adquirir ao longo dos próximos anos. "Vão guardar essa loucura que é a vida contemporânea, este diário semi público, que mistura redes sociais com anotações pessoais", aposta a editora.
Para a gastróloga, as anotações são indissociáveis de quem está na cozinha e sempre existirão, seja no papel ou longe dele, em documentos virtuais, recados no WhatsApp ou em outras ferramentas.
Mas é bem possível que, no fundo de uma gaveta emperrada de cozinha de avó, sempre haja um exemplar desses tesouros das gerações passadas. Ali, suas receitas repousarão prontas para serem digitalizadas, adaptadas para a correria dos novos tempos ou até mesmo reproduzidas fielmente por algum descendente, em busca de matar a saudade do que não viveu.
✅Sempre haverá um caderno de receitas com suas páginas gordurosas e marcadas pelo tempo. Os amantes românticos desses cadernos resistirão", finaliza Oliveira.
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