"Não sou masoquista. Sou mais feliz a fazer comédia do que drama"
Na lista das atrizes mais conceituadas do país, há muito que já consta o nome de Paula Neves. Faz teatro e televisão como se não existisse qualquer diferença, exatamente com a mesma facilidade com que assume papéis de comédia ou outros mais dramáticos.
Prova disso é o facto de se encontrar em cena, quase em simultâneo, com duas peças de teatro que não podiam ser mais diferentes. A primeira é 'Dry Martini', que irá interromper por conta de 'Look Back in Anger'.
Hoje, dia 30 de março, Paula estreia-se na nova temporada desta segunda peça, escrita por John Osborne, que subiu ao palco pela primeira vez em 1956, em Londres.
É o Teatro Taborda, em Lisboa, que entre os dias 30 de março e 2 de abril recebe o elenco composto por Paula Neves, André Nunes, Guilherme Filipe Pedro Pernas e Rita Fernandes, encenado por Jorge Gomes Ribeiro.
Foi sobre 'Look Back in Anger' que o Fama ao Minuto falou com a atriz, de 45 anos, que vive atualmente uma fase de encantamento com o teatro. Ainda assim, Paula não esconde o carinho que sente pela televisão, onde começou a sua carreira.
💥️A Paula estreia já hoje a nova temporada de 'Look Back in Anger'. O que nos pode contar sobre a peça?
É um clássico do teatro. É uma peça que estou a fazer com o grupo Companhia da Esquina e com a qual já andámos por alguns sítios. Não é uma peça escrita à luz da atualidade, mas pelo facto de ter sido revolucionária à época – foi escrita na década de 50 – há ecos do que se passam na peça que ressoam até hoje. Infelizmente, a sociedade não mudou assim tanto.
💥️É, portanto, uma peça com um tom mais dramático?
Sim, sem dúvida. Apesar de não ser um drama de choro nem de 'faca e alguidar', é uma coisa contida, uma raiva latente que os personagens têm por causa de uma repressão da sociedade. Acontece tudo dentro de um ambiente claustrofóbico de um apartamento. É um domingo rotineiro entre pessoas que dividem um apartamento e que simplesmente começam por falar sobre o que irão fazer ao longo do dia e tudo parte desta premissa. A partir daí, nasce um diálogo fabuloso e muito potente, que critica a sociedade em que vivemos.
A ideia é pensar-se no que foi a sociedade após a Segunda Guerra Mundial
💥️A versão original da peça estreou em 1956. O que faz com que continue a fazer sentido interpretá-la tantos anos depois?
Embora a sociedade esteja diferente em alguns aspetos, é impossível não nos revermos no texto da peça e não o passarmos para os dias de hoje. Ainda há, nas nossas vidas, ecos de todos estes gritos de desespero.
💥️Já esteve em cena com esta peça durante algum tempo. Qual tem sido a reação do público à mesma?
O público gosta muito desta peça. Ela funciona como um 'murro seco' no estômago. Ninguém vai para lá chorar, não é isso, mas vão para lá pensar. Ainda por cima é curta, acontece quase num sopro. A ideia é pensar-se no que foi a sociedade após a Segunda Guerra Mundial.
Nós, atores, temos de ter a capacidade de ter 1000 textos dentro de nós e de os acionar quando é preciso
💥️Sobre a sua personagem em particular, o que nos quer avançar?
A minha personagem é uma menina de classe alta que casou com um operário. Não aconteceu uma abertura da sociedade para ele, mas sim uma redução da minha personagem para a classe do marido dela, bem como um fechar de portas da classe à qual ela pertencia. Quase que há um castigo quando se tentam romper essas classes.
💥️A Paula começa a promover esta nova peça numa altura em que se despede temporariamente do 'Dry Martini'. Como tem sido esta experiência e de que forma se distingue da nova peça que estreia hoje?
Nós, atores, temos de ter a capacidade de ter 1000 textos dentro de nós e de os acionar quando é preciso. Eu vou parar o 'Dry Martini' para ir fazer o 'Look Back in Anger', ou seja, na semana em que vou estar numa delas, só vou estar concentrada nessa. Mais difícil é conseguir ter os dois textos, tão intensos, na cabeça ao mesmo tempo. Para mim é muito interessante e desafiante estar com duas personagens tão diferentes. É quase como descansar de cada uma delas na outra. Dá para descansar emocionalmente.
💥️É com o registo da comédia que a Paula mais se identifica?
Talvez. Gosto muito dos dois registos, sinto-me confortável com os dois, mas talvez tenha uma queda para a comédia, porque não sou masoquista. Sou um bocadinho, porque todos os atores são um bocadinho masoquistas, mas ao longo da minha vida tenho fugido ao masoquismo e tenho procurado evitá-lo. Esta vida já é tão dura e tão exigente que se no meu trabalho puder ter um alívio, isso ajuda-me muito. Sou bastante mais feliz a fazer comédia do que a fazer drama. Às vezes sinto-me mais realizada numa boa cena dramática, mas a comédia deixa-me mais feliz.
Sinto-me confortável no meu papel de atriz, nesta profissão que escolhi para a minha vida
💥️Sente-se ainda mais atriz por ser esta uma fase em que está mais ligada ao teatro?
Custa-me um bocado dizer isso. O meu primeiro amor foi a televisão, o teatro surgiu depois. Custa-me um bocado comparar e pôr um à frente do outro, é quase como comparar dois filhos. Há momentos em que estou mais encantada com o teatro, outros com a televisão, tem tudo que ver com a personagem que estou a fazer na altura.
💥️Há alguma coisa pensada em televisão?
Por enquanto não, estou muito focada nestes dois projetos.
💥️Numa altura em que já tem tantos créditos dados nesta profissão, em que fase da carreira acredita que se encontra?
Sinto-me confortável no meu papel de atriz, nesta profissão que escolhi para a minha vida. Embora seja uma profissão instável, é algo que está nos meus ossos, no meu sangue e no meu ADN. Foi um amor que nasceu aos 19 anos, não começou de miúda, mas desde que comecei a trabalhar nesta área que a dedicação tem sido total.
💥️Que objetivos tem para o futuro a nível profissional que ainda lhe faltem concretizar?
Não tenho uma meta a atingir. Há atores que têm o sonho de ter uma carreira internacional, eu não. Não é algo que eu sinta em mim. Tenho sim uma grande vontade de continuar a ser atriz, de continuar a trabalhar... tenho curiosidade de saber que papéis e que projetos ainda aí vêm. Sou uma atriz de 45 anos, sinto que talvez esteja a meio da minha carreira. Quero continuar a percorrê-lo e saber o que aí vem. Mais do que fazer este ou aquele projeto, interessa-me saber que personagens é que vou interpretar.
Leia Também: "Cheguei aos 26 sem saber o que tinha. Era o 'parvinho' e o 'nojentinho'"
O que você está lendo é ["Não sou masoquista. Sou mais feliz a fazer comédia do que drama"].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.
Wonderful comments