“Há algo transgressivo e até transgénero” no ‘wrestling&rsquo
O ‘wrestling’ profissional, popularizado a nível mundial pela empresa World Wrestling Entertainment (WWE), tem algo de “transgressivo e até transgénero”, disse à Lusa a jornalista Abraham Josephine Reisman, autora de uma biografia do dirigente da WWE Vince McMahon.
A biografia, intitulada “The Ringmaster”, vai ser publicada nos Estados Unidos no dia 28 de março, pela Simon & Schuster, sem edição prevista em Portugal até ao momento, apesar das vendas positivas registadas pela biografia de Stan Lee, assinada por Reisman, que a Kathartika lançou em novembro.
“Uma coisa que vejo agora e que não via tanto antes de começar esta jornada de sair do armário como trans é que eu não via quão ‘queer’ e trans o ‘wrestling’ era”, disse Reisman à Lusa, atribuindo o crédito dessa perceção à mulher, a escritora S.I. Rosenbaum.
Reisman realçou que “apesar de o 'wrestling' ser textualmente muito heteronormativo, apesar de ser muito focado no reforço de construções heterossexuais e cisgénero [que tem uma identidade de género igual ao sexo que tem à nascença], também há este subtexto que é sobre transgressão de género”.
“Tens esta camada sob tudo aquilo, quando, muitas vezes, homens bonitos, esculpidos, mostram muita pele, usam cores garridas e, acima de tudo, mostram fraqueza. A essência do combate de ‘wrestling’ não é força, é fraqueza, precisas de mostrar ao público que sentes dor quando o teu adversário te está a fazer algo no ringue”, afirmou a autora de “The Ringmaster”.
Essa fraqueza “é algo que não se ensina aos homens [nos Estados Unidos]”, acrescentou Reisman, que sublinhou: “Não se ensina a mostrar fraqueza, ensina-se a escondê-la. Há algo muito transgressivo e quase transgénero sobre o durão no ringue a abrir o coração, mesmo que seja apenas performativo”.
O ‘wrestling’ consiste no combate “semi-coreografado”, num ringue, por duas ou mais pessoas (geralmente homens, mas com crescente presença feminina), que requer a cooperação entre os participantes e habilidade para executar os movimentos previstos.
Ou seja, apesar de durante décadas a encenação se ter mantido um segredo do ofício, é agora assumido que é algo performativo, com argumentos e resultados previamente combinados, algo que foi colocado às claras no âmbito de um processo em tribunal na década de 1980 e assumido em pleno por McMahon com a transição de WWF (World Wrestling Federation) para WWE, que se traduz por algo como “Entretenimento Mundial de Wrestling”.
Nesse contexto, são criadas narrativas entre os bons (chamados ‘faces’, de ‘babyface’) e os maus (‘heels’), com mais ou menos complexidade e artifício de narrativa.
Em Portugal, a também chamada luta livre americana chegou a ter transmissão na RTP no começo da década de 1990 pela RTP, com comentário de Tarzan Taborda e António Macedo. A então WWF apresentou-se ao vivo no Dramático de Cascais, em 1993.
Como escreve Reisman na biografia de McMahon, “o ‘wrestling’ moldou toda uma geração de homens ‘millennials’”. “Se eras um miúdo de 13 anos em 1999, era impossível evitar o ‘wrestling’”.
“Aprendi sobre artifício sério, sobre as linhas opacas entre o bem e o mal no mundo, sobre como as pessoas podem mudar as suas valências morais por um tostão. Mais, aprendi como a sociedade queria que os rapazes fossem. Apesar de ter deixado de ver esta forma de arte, e apesar de agora me identificar como transgénero, deixou uma marca indelével em mim – e de mim”, acrescentou a autora.
Na obra, Reisman acrescenta: “Não estou sozinha nisso. As gerações que eram crianças quando o produto da WWF se fundiu nos nossos cérebros, nas décadas de 1980 e 1990, estão agora a chegar a posições de poder. Somos, às nossas maneiras, os filhos de Vince, e estamos prestes a herdar a terra”.
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