Ausências que não nos representam

Despedidas são difíceis. Há várias formas de encarar esse momento inevitável que passamos a vida fingindo poder evitar: a morte. Detesto julgamentos sumários. Mas a ausência quase completa de representantes dos campeões mundiais de 1994 e 2002 na despedida ao Rei Pelé foi uma decepção.

Nem sempre é possível que todos estejam presentes em situações de apelo coletivo. Não é viável que todos os parentes e amigos compareçam à maternidade no nascimento dos filhos e filhas de outro parente e amigo. Geralmente vão representantes.

Talvez tenha faltado essa sensibilidade aos tetras e pentas, que estão em contato permanente, pelo menos a maioria, em grupos de troca de mensagens. “Pô, morreu o Rei, quem vai lá representar a gente?”. Certamente o tema não teria virado assunto no rigoroso tribunal das redes sociais. Mauro Silva, campeão mundial em 1994, esteve presente, mas não se sabe se como ex-jogador ou vice-presidente da Federação Paulista de Futebol.

Fato é que faltou bola na despedida àquele que a tratou melhor do que nenhum outro jogador. Principalmente bola de ouro.

Edinho ao lado do caixão de Pelé durante o velório na Vila Belmiro — Foto: Marcos Ribolli 1 de 2 Edinho ao lado do caixão de Pelé durante o velório na Vila Belmiro — Foto: Marcos Ribolli

Edinho ao lado do caixão de Pelé durante o velório na Vila Belmiro — Foto: Marcos Ribolli

Repito: não faço julgamentos. Dunga e Cafu, os capitães de 1994 e 2002, postaram belos relatos em suas redes sociais. Cafu fez vídeos com justificativas para sua ausência. Muitos grandes jogadores que venceram Copas após o fim da carreira de Pelé se manifestaram e fica evidente o respeito e admiração que nutrem pelo Rei.

De novo volto à representatividade. Foi o que faltou à categoria jogador de futebol brasileiro para com aquele que elevou a categoria jogador de futebol brasileiro ao patamar de excelência. Um mísero campeão mundial de 1994 e 2002 que lá fosse em nome do grupo teria provocado esse efeito da representatividade. Um abraço nos filhos, na viúva. Uma declaração em nome do grupo.

Ausências têm motivos. Muitas vezes o comparecimento presencial é impossível, por uma série de fatores. Há quem não compareça porque não goste, o que também se compreende. Velórios e enterros não são eventos de festas. São momentos de solidariedade para quem fica, muito mais do que reverência a quem foi. Não pude comparecer à despedida de alguns grandes amigos e isso me dói. Encontrei maneiras de manifestar minha solidariedade através de representantes.

O próprio Pelé não foi ao enterro de Garrincha, em 1983, e disse que não foi porque não gostava e não ia ao enterro de ninguém. Pelé não foi ao enterro da filha que reconheceu judicialmente.

Aí entram em cena a representatividade e a simbologia. Quando morreu Johan Cruyff, outro gigante do futebol, o elenco profissional do Barcelona compareceu ao memorial. Neymar estava lá. Ele enviou seu pai ao velório de Pelé. Houve representatividade. Nas homenagens a Kobe Bryant, a realeza do basquete esteve representada. Jordan, Johnson, O´Neal e outros.

Muitos colegas de Pelé no Santos e na Seleção não foram ao velório. Alguns por idade, problemas de saúde. Mas ali havia representantes como Manoel Maria, Clodoaldo, Lima, Ado. Não recordarei todos, mas muitos jogadores de gerações posteriores a Pelé estiveram na Vila Belmiro.

Velorio Pele — Foto: Marcos Rbolli 2 de 2 Velorio Pele — Foto: Marcos Rbolli

Velorio Pele — Foto: Marcos Rbolli

A ausência quase total dos tetra e dos pentacampeões escancara alguns fatos: a desunião da categoria jogador de futebol brasileiro, a falta de empatia e a soberba (termo muito bem pinçado por meu amigo Milton Leite na transmissão do velório do Rei pelo SporTV) de alguns. Poucos treinadores também foram à despedida. Outra decepção.

Faltou também – o que não é surpresa – coordenação à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para organizar essa representatividade. CBF sempre pronta a homenagens bajuladoras e pagamento de polpudos cachês e que recentemente fez justa e merecida festa para os campeões de 2002. Custava organizar uma caravana de campeões mundiais em nome da entidade?

O tempo passa, narrava Fiori Gigliotti. O que dele fica são nossos atos e nossos gestos. Talvez com o tempo os nossos campeões mundiais de 1994 e 2002, que tão bem representaram em campo o legado de Pelé (que comemorou loucamente o tetra e o penta), reconheçam nos grupos de Whats App que dessa vez eles não nos representaram.

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