Endrick em Brasília: como o estádio da primeira final pelo Palmeiras uniu os pais do atacante

É difícil imaginar que alguém pudesse ser capaz de contar uma história tão impressionante através do destino como a escrita pela família Ramos Sousa, que tem no astro Endrick o papel de protagonista.

Neste sábado, às 16h30, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, a joia de 16 anos vai disputar sua primeira final como profissional no Palmeiras. Num lugar em que seus pais se conheceram e onde sua mãe trabalhou até grávida, com Endrick prestes a nascer.

A decisão da Supercopa será praticamente no "quintal" da família de Endrick. Foi lá onde tudo começou.

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Endrick ao lado dos pais no gramado do estádio Mané Garrincha durante visita em 2013 — Foto: Arquivo Pessoal/Douglas Ramos 1 de 9 Endrick ao lado dos pais no gramado do estádio Mané Garrincha durante visita em 2013 — Foto: Arquivo Pessoal/Douglas Ramos

Endrick ao lado dos pais no gramado do estádio Mané Garrincha durante visita em 2013 — Foto: Arquivo Pessoal/Douglas Ramos

O ano era 2005, e Douglas e Cíntia lutavam pela sobrevivência. Trabalhavam no setor de limpeza do então acanhado estádio Mané Garrincha, ainda sem toda a modernidade e conforto pós-reforma para ser uma das sedes da Copa do Mundo de 2014.

Os caminhos deles se cruzaram após Cíntia ser transferida para o mesmo setor de Douglas. A amizade construída por meio de jogos de dominó nas escadarias do Mané Garrincha, durante o descanso do almoço, foi o início de uma grande história de amor.

– Cheguei e não conhecia ninguém, ele fez amizade rápida comigo, me dava atenção, conversava muito com ele sobre como tinha sido o fim de semana, era meu confidente. Fui gostando do jeito cativante dele, uma pessoa de caráter. Logo entrei de férias, aí ficamos conversando por celular, era amizade mesmo – relembra Cíntia.

Douglas e Cíntia Ramos conseguiram se casar apenas alguns anos após oficializarem a união — Foto: Reprodução/Instagram 2 de 9 Douglas e Cíntia Ramos conseguiram se casar apenas alguns anos após oficializarem a união — Foto: Reprodução/Instagram

Douglas e Cíntia Ramos conseguiram se casar apenas alguns anos após oficializarem a união — Foto: Reprodução/Instagram

Tanto Cíntia quanto Douglas garantem que não tiveram interesse inicial um no outro. Foi uma relação construída na base da amizade e que só virou amor após um beijo despretensioso – eles juram que foi por acaso – durante a espera de um ônibus na rodoviária de Brasília.

– Tinha uma final no Mané e convidei ela e uns amigos para assistir. Depois do jogo fomos comemorar o título, mas meus amigos acabaram não indo. Ela foi. Lembro que na época tinham três amigos meus interessados nela, mas ela não se interessou por eles.

– Fomos para uma festa, eu e ela. Foi a primeira vez que virei a noite, saímos direto de lá para trabalhar. Estávamos na rodoviária, ela sentada no banco, eu olhando para um lado e ela para o outro. Fui virar para avisar que o ônibus tinha chegado e acabei dando um selinho nela. Pegamos o ônibus e fomos trabalhar como se nada tivesse acontecido. Na hora do almoço, estava deitado no vestiário e ela apareceu na minha frente perguntando como que iria ser. Foi quando a gente começou a namorar – relembra Douglas.

Douglas e Cíntia Ramos, pais de Endrick, reproduzem primeiro beijo do casal em Brasília — Foto: Emilio Botta 3 de 9 Douglas e Cíntia Ramos, pais de Endrick, reproduzem primeiro beijo do casal em Brasília — Foto: Emilio Botta

Douglas e Cíntia Ramos, pais de Endrick, reproduzem primeiro beijo do casal em Brasília — Foto: Emilio Botta

Poucos meses depois de assumirem o namoro, o casal soube que teria um filho. Mesmo com o trabalho considerado pesado para uma grávida – Cíntia fazia a limpeza de todo o estádio, subindo e descendo várias escadas –, a mãe de Endrick não conseguiu tirar licença médica. Trabalhou até poucas semanas antes do nascimento do filho.

– Antes mesmo de nascer ele já frequentava os gramados. Pedimos para a administração do estádio para liberarem ela do trabalho por ter muitas escadas, precisava diminuir o risco. Mas não liberaram – conta Douglas, que ficou sem o emprego após a empresa de limpeza perder a licitação para seguir prestando serviços no estádio.

Cíntia e Douglas Ramos, pais de Endrick, do Palmeiras — Foto: Reprodução/Instagram 4 de 9 Cíntia e Douglas Ramos, pais de Endrick, do Palmeiras — Foto: Reprodução/Instagram

Cíntia e Douglas Ramos, pais de Endrick, do Palmeiras — Foto: Reprodução/Instagram

Após nove meses de gestação e de trabalho na limpeza do Mané Garrincha, Cíntia viveu momentos de incerteza e muita apreensão no parto de Endrick. Durante a espera por um leito no hospital de Taguatinga, cidade satélite distante 17 quilômetros de Brasília, para a realização da cesariana, um caso de mecônio* assustou e exigiu dela uma atitude radical para salvar a vida do filho.

Sangrando muito enquanto esperava um lugar para a realização da cirurgia, Cíntia levantou e foi andando até a sala para a realização da cesariana. Uma cena que ela lembra até hoje.

– Ele é um menino de ouro, até o parto dele que foi complicado. Em vez de descer ele subiu para as minhas costelas, defecou dentro da minha barriga. Ele poderia aspirar e ter problema respiratório. Eles apertavam minha barriga e só apertava, subia. Queriam me esperar para levar na cirurgia, mas fui a pé para a sala. Olhava no corredor e era apenas sangue. Não tem nenhum problema respiratório, absolutamente nenhum problema de saúde.

*

Cíntia ajusta roupa de Endrick para premiação como jogador do Palmeiras — Foto: Reprodução/Instagram 5 de 9 Cíntia ajusta roupa de Endrick para premiação como jogador do Palmeiras — Foto: Reprodução/Instagram

Cíntia ajusta roupa de Endrick para premiação como jogador do Palmeiras — Foto: Reprodução/Instagram

Aos 16 anos, o atacante pode conquistar o seu primeiro título como titular do time profissional do Palmeiras justamente no estádio onde os seus pais se conheceram, onde a sua mãe trabalhou grávida e o carregou por cada canto do local que receberá mais de 60 mil pessoas, muitas delas gritando o nome de Endrick.

Mas antes de atingir o status de estrela, Endrick e sua família precisaram vencer batalhas não só dentro de campo, mas também fora dele. A principal delas foi a falta de recursos para ter uma vida digna.

Após os primeiros passos nos campos de futebol de Valparaíso de Goiás e Brasília, cidades onde a família morou antes de se mudar para São Paulo, Endrick foi aprovado para jogar na base do Palmeiras com direito a apenas um acompanhante: a escolhida foi a mãe. O pai seguiu em Brasília trabalhando e tentando ajudar de alguma forma Cíntia e o filho.

Após perder o emprego em Brasília, Douglas decidiu se arriscar em São Paulo. A alternativa era tentar aumentar a renda na capital paulista, que tinha apenas as parcelas do auxílio seguro-desemprego, para sobreviver e manter o sonho do filho de ser jogador profissional.

Cíntia e Douglas Ramos posam com o carrinho de limpeza do Palmeiras, a ferramenta de trabalho de Douglas por muitos anos — Foto: Emilio Botta 6 de 9 Cíntia e Douglas Ramos posam com o carrinho de limpeza do Palmeiras, a ferramenta de trabalho de Douglas por muitos anos — Foto: Emilio Botta

Cíntia e Douglas Ramos posam com o carrinho de limpeza do Palmeiras, a ferramenta de trabalho de Douglas por muitos anos — Foto: Emilio Botta

No último mês em que tinha direito ao auxílio do Governo Federal, Douglas Ramos conseguiu emprego como auxiliar de limpeza em São Paulo. Ele começaria a ser o responsável por cuidar das dependências do Centro de Treinamento do Palmeiras, local que viria a ser o ambiente de trabalho de Endrick. Mas com uma condição: que nenhuma pessoa do clube soubesse que ele era pai de um jogador das categorias de base.

– Quando vim para São Paulo, no último mês do seguro-desemprego, não sabia o que iríamos fazer porque não tinha nada. A Cíntia me pedia calma. Em um mês comecei a trabalhar no Palmeiras, quando eles deram o registro na minha carteira ficou faltando um dia para não perder o seguro, caso isso acontecesse não conseguiria ter dinheiro entre o fim do seguro e o primeiro salário do Palmeiras. Não há como explicar, temos que agradecer a Deus e ao Endrick, tem o esforço e dedicação dele em tudo isso – explica Douglas.

Pai de Endrick, ainda auxiliar de limpeza do Palmeiras, ao lado de Raphael Veiga — Foto: Reprodução 7 de 9 Pai de Endrick, ainda auxiliar de limpeza do Palmeiras, ao lado de Raphael Veiga — Foto: Reprodução

Pai de Endrick, ainda auxiliar de limpeza do Palmeiras, ao lado de Raphael Veiga — Foto: Reprodução

E a história no Palmeiras foi marcante para Douglas após uma inesperada ajuda do elenco. Com problemas dentários em virtude de alta dosagem de antibióticos por conta de um problema na mão, o pai de Endrick perdeu praticamente todos os dentes da boca, causando nele um emagrecimento que chamou atenção dos jogadores pela dificuldade em se alimentar.

– Um dia o Jailson [ex-goleiro do Palmeiras] me pediu para ligar para a Cíntia porque gostaria de falar com ela, até achei estranho ele querer conversar com a minha esposa. Conversaram sobre o meu problema, e os jogadores pagaram uma prótese e tratamento dentários. Não esperava, foi algo que mudou a minha vida – conta Douglas.

Douglas Ramos, pai de Endrick, ao lado de Jailson no Palmeiras — Foto: Arquivo Pessoal 8 de 9 Douglas Ramos, pai de Endrick, ao lado de Jailson no Palmeiras — Foto: Arquivo Pessoal

Douglas Ramos, pai de Endrick, ao lado de Jailson no Palmeiras — Foto: Arquivo Pessoal

O pai de Endrick saiu do trabalho no clube assim que o filho deixou começou a empilhar títulos pelas categorias de base do Palmeiras.

Endrick pisará novamente em Brasília, neste sábado, em um momento bem diferente de quando a deixou há sete anos. Vendido ao Real Madrid por R$ 400 milhões, a primeira vez no gramado do Mané Garrincha como jogador de futebol pode ser também o dia da primeira conquista como titular do Palmeiras.

Endrick ao lado dos pais e da presidente do Palmeiras, Leila Pereira, na assinatura do primeiro contrato profissional do jogador — Foto: Reprodução / Twitter do Palmeiras 9 de 9 Endrick ao lado dos pais e da presidente do Palmeiras, Leila Pereira, na assinatura do primeiro contrato profissional do jogador — Foto: Reprodução / Twitter do Palmeiras

Endrick ao lado dos pais e da presidente do Palmeiras, Leila Pereira, na assinatura do primeiro contrato profissional do jogador — Foto: Reprodução / Twitter do Palmeiras

E quis o destino que fosse Brasília. Endrick era um dos convocados pelo técnico Ramon Menezes para a seleção brasileira que disputa o Sul-Americano sub-20 na Colômbia. Caso não tivesse sido liberado pela CBF, o centroavante não teria a oportunidade de disputar uma final na cidade onde nasceu.

– Ele disse que se pudesse alugaria ônibus para levar o pessoal, está em uma grande expectativa para poder jogar na cidade dele, ansioso por poder representar o entorno, as origens dele. Tanto para ele quanto para nós, será inesquecível – disse o pai de Endrick.

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