O joio e o trigo na Espanha
O blogueiro adoraria poder falar apenas da postura exemplar de todos os funcionários da boate em que estava uma mulher espanhola que acusa o jogador brasileiro Daniel Alves de estupro. Não fossem eles dificilmente teriam sido coletadas provas suficientes para que venha a ser feita a "justiça" - e não estou aqui julgando ninguém, não fiz curso de Direito para isso, estou aqui para respeitar a sentença que venha a ser proferida (e as aspas em "justiça" estão lá porque não há justiça que repare estupro, a única coisa que elimina os efeitos de quem o sofre é voltar no tempo e o estupro não acontecer). Infelizmente não é possível falar em sociedade avançada (capaz de mudar a lei e não mais diferenciar assédio sexual de estupro) quando se observa a barbaridade que sofre o brasileiro Vinicius Júnior na questão de racismo. E aí ninguém vai preso - aliás, ao mesmo tempo em que me solidarizo com Vini e o parabenizo pela postura digna diante das agressões, lamento que ele não pegue suas coisas e vá jogar sua bola num país que o respeite. Não sei o que é mais inaceitável: se a sociedade que não aceita estupro mas aceita racismo, ou se a sociedade que é dura com vítimas locais e pouco se lixa para vítimas estrangeiras. Assim, fico mais à vontade separando o joio do trigo na sociedade espanhola, de onde são todos os meus ancestrais, e exaltar o que se faz de bom nela.
Em toda essa história do lateral brasileiro, o que se fez de melhor foi a coleta de evidências e provas para a vítima na boate. É preciso lembrar que vivemos em muitas sociedades machistas, a da Espanha incluída, onde infelizmente agressões a mulheres eram minimizadas ou ignoradas. É preciso lembrar também que o fato se deu em Barcelona, onde Daniel Alves brilhou no Barcelona, foi um de seus maiores ídolos, colecionou títulos, foi quem mais assistências deu a Messi, está na galeria dos gigantes da melhor fase do clube catalão. Ora, seria odioso e inaceitável, mas não surpreenderia se o garçom fosse torcedor do Barça e desse um jeitinho de encobrir as coisas, o segurança fosse torcedor do Barça, o dono da boate fosse torcedor do Barça... Mas, felizmente, ainda que todos esses personagens sejam barcelonistas, eles foram cidadãos, prestaram assistência à vitima e municiaram a Juíza com todo o material que compromete o agressor.
A outra coisa "boa" dessa história, é o fato de a vítima deixar bastante claro que não quer indenização financeira, prevista na lei espanhola em casos de estupro comprovado. Isso não muda em nada o destino do caso, não atenua nem agrava a situação de Daniel Alves. Mas, pelo menos, impede aquela clássica historinha de boitatá de que algumas mulheres fazem acusações levianas - ou até provocam o estupro - para tirar dinheiro de jogador de futebol milionário. Basta disso!
Agora o destino de Dani Alves está nas mãos da Justiça da Espanha. Ninguém pode ser julgado de véspera, mas a situação é preocupante para ele. Primeiro porque a Juíza que lhe tomou depoimento não lhe tiraria a liberdade se não tivesse muito embasada para isso. Depois porque a cada dia surge uma nova evidência de que o jogador, no mínimo, foi contraditório nas declarações e tem algo a esconder. O que se espera, nesse e em qualquer caso de estupro, é punição exemplar. Se Dani for absolvido, que seja ressarcido no prejuízo que teve em sua imagem. Se for condenado, com provas de que cometeu esse crime hediondo, que os julgadores levem em conta o seguinte: a diferença entre homicídio e estupro, na minha opinião (e opinião a gente pode ter) está na palavra "literalmente". Num homicídio, o criminoso literalmente acaba com a vida da vítima. Num estupro (seja sofrido por mulher, homem, trans, ou qualquer ser humano), o criminoso também acaba com a vida da vítima, só que não literalmente. Acaba com a vida que a vítima tinha antes do crime. Ela continua a viver, mas não é a mesma pessoa, é um trauma que não se cura, uma ferida que não fecha. Acaba com a vida psicológica da vítima.
Um dia estou seguro de que avançaremos ainda mais para uma progressão de pena baseada na conta bancária do agressor. Porque uma pessoa humilde, que não estudou, que se alimentou mal, que foi enfim massacrada pela vida, tem menos condições de avaliar o significado de um estupro. Quem é rico (ainda que por méritos, porque conquistou com suor seus proventos), que conhece o mundo, quem tem contato com as civilizações mais evoluídas, não tem qualquer atenuante para o que fez. É alguém que precisa ser isolado dos outros. Torço, com sinceridade, para que não seja o caso de Daniel Alves.
E torço também, com enorme fervor, para que um dia possa escrever um post exaltando a justiça espanhola por ter punido exemplarmente os canalhas que hostilizam Vinicius Júnior.
O que você está lendo é [O joio e o trigo na Espanha].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.
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