Singapuragate: pelo título de 2008 dividido entre Hamilton e Massa

Aos 92 anos, Bernie Ecclestone anda em evidência - e com a língua frouxa. Um dos dirigentes mais importantes para a consolidação da Fórmula 1 como um sucesso mundial, o inglês tem surfado na onda do sucesso da série documental "Lucky", dirigida por Manish Pandey, roteirista do aclamado documentário "Senna". E, por causa dela, tem dado muitas entrevistas. Na última delas, ao site alemão F1 Insider, resolveu ressuscitar o maior escândalo da história da categoria: o Singapuragate, quando Nelsinho Piquet bateu de propósito no GP de Singapura de 2008 para beneficiar Fernando Alonso, seu companheiro de Renault. O espanhol venceu a corrida, mas a armação teve um efeito colateral: acabou prejudicando Felipe Massa, que disputava o título com Lewis Hamilton naquele ano. A Ferrari errou em seu pit stop e o brasileiro não marcou pontos. O inglês da McLaren foi o terceiro, marcando seis na ocasião. Hamilton acabaria campeão em Interlagos com uma vantagem de apenas um ponto.

Felipe Massa para no fim do pit lane após ser liberado com a mangueira de reabastecimento em Singapura-2008 — Foto: Paul-Henri Cahier/Getty Images 2 de 9 Felipe Massa para no fim do pit lane após ser liberado com a mangueira de reabastecimento em Singapura-2008 — Foto: Paul-Henri Cahier/Getty Images

Felipe Massa para no fim do pit lane após ser liberado com a mangueira de reabastecimento em Singapura-2008 — Foto: Paul-Henri Cahier/Getty Images

É verdade que Ecclestone já falou várias vezes sobre o Singapuragate desde 2009, quando o escândalo foi revelado. Mas desta vez trouxe algumas graves revelações. Que deveriam, inclusive, mudar a forma como encaramos esta página vergonhosa - talvez a mais vergonhosa delas - da história do automobilismo. Vamos ao que o ex-dirigente falou:

- Max (Mosley, então presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e eu fomos informados durante a temporada de 2008 sobre o que havia acontecido na corrida de Singapura. Nelsinho disse a seu pai que a equipe havia pedido para bater deliberadamente no muro e em um determinado momento para acionar o e ajudar Alonso, seu companheiro de equipe. Decidimos não fazer nada na ocasião. Queríamos proteger o esporte e salvá-lo de um grande escândalo. Havia uma regra na época de que a classificação do campeonato mundial era intocável após a cerimônia de premiação da FIA no fim do ano. Então, Hamilton recebeu o troféu do Campeonato Mundial e tudo estava encerrado - disse Ecclestone.

Bernie Ecclestone e Flavio Briatore: protagonistas do escândalo do Singapuragate em 2008 — Foto: Shaun Curry/AFP via Getty Images 3 de 9 Bernie Ecclestone e Flavio Briatore: protagonistas do escândalo do Singapuragate em 2008 — Foto: Shaun Curry/AFP via Getty Images

Bernie Ecclestone e Flavio Briatore: protagonistas do escândalo do Singapuragate em 2008 — Foto: Shaun Curry/AFP via Getty Images

Para começo de conversa, se Ecclestone e Mosley, realmente sabiam da armação chefiada por Flavio Briatore e não agiram a tempo, foram coniventes com a manipulação dos resultados da primeira corrida noturna da história da Fórmula 1. Pior, foram informados por Nelson Piquet, pai de Nelsinho, que colocou a boca no trombone um ano depois, assim que seu filho foi demitido da Renault por Briatore e deu início ao escândalo que todos nós ficamos sabendo. O dano à imagem do esporte não foi evitado, foi apenas adiado por um ano. Não faz o menor sentido essa declaração de Ecclestone, já que a imagem da F1 foi muito abalada na ocasião. E várias interrogações foram colocadas sobre decisões polêmicas tomadas anteriormente pela FIA e pelo comando da Fórmula 1. O estrago não foi evitado. Foi adiado. Mas foi feito. E foi enorme.

E assim: qual o estrago na imagem da Fórmula 1 que seria feito se a categoria tivesse descoberto a manipulação de resultados rapidamente e punido exemplarmente os envolvidos? Seriam danos menores do que vimos efetivamente acontecer com punições apenas superficiais. No julgamento da FIA, Flavio Briatore foi banido do esporte, mas a decisão foi revertida alguns anos depois. Hoje é, pasmem, embaixador oficial da F1. Já Pat Symonds, diretor técnico da Renault na ocasião, foi afastado por cinco anos. Voltaria a trabalhar na Williams depois da punição. Depois foi contratado pela direção da Fórmula 1 como diretor técnico. A participação de Fernando Alonso na armação não foi comprovada e está na categoria até hoje. Já Nelsinho Piquet, que escapou de uma pena porque denunciou o esquema, nunca mais esteve envolvido com a F1. Foi para os Estados Unidos, correu na Nascar, foi o primeiro campeão da Fórmula E e atualmente está na Stock Car. O brasileiro, mesmo sem receber uma punição formal, foi o único efetivamente banido da Fórmula 1.

Bernie Ecclestone ao lado de Max Mosley, presidente da FIA na ocasião do Singapuragate, em 2008 — Foto: Gareth Watkins/AFP via Getty Images 4 de 9 Bernie Ecclestone ao lado de Max Mosley, presidente da FIA na ocasião do Singapuragate, em 2008 — Foto: Gareth Watkins/AFP via Getty Images

Bernie Ecclestone ao lado de Max Mosley, presidente da FIA na ocasião do Singapuragate, em 2008 — Foto: Gareth Watkins/AFP via Getty Images

Felipe Massa e Lewis Hamilton se cumprimentam antes do GP do Brasil de 2008, em Interlagos — Foto: Mark Thompson/Getty Images 5 de 9 Felipe Massa e Lewis Hamilton se cumprimentam antes do GP do Brasil de 2008, em Interlagos — Foto: Mark Thompson/Getty Images

Felipe Massa e Lewis Hamilton se cumprimentam antes do GP do Brasil de 2008, em Interlagos — Foto: Mark Thompson/Getty Images

Uma das maiores injustiças da história do automobilismo foi justamente o desfecho do campeonato de 2008. Não pelo título de Lewis Hamilton, que merecia a conquista tanto quanto Felipe Massa. Foi uma das temporadas mais legais da história da Fórmula 1. O brasileiro da Ferrari e o inglês da McLaren disputaram o título desde a primeira corrida do ano, com atuações brilhantes de parte a parte, mas também erros que prejudicaram os dois lados. No fim, uma decisão espetacular em Interlagos, com o título sendo decidido por apenas um ponto a favor de Hamilton, num final inesquecível, debaixo de chuva, resolvido apenas na bandeirada. Pena que descobriríamos a mancha do Singapuragate.

A injustiça de 2008 foi um ponto fora da curva na história da Fórmula 1. Sem precedentes. A manipulação de resultados promovida por Flavio Briatore e pela Renault no GP de Singapura alterou o fim do campeonato. A decisão correta após a descoberta do escândalo seria a anulação daquela corrida, que teve o resultado completamente viciado pelo acidente de Nelsinho Piquet e pela entrada precoce do safety car. Isso daria o título daquele ano a Felipe Massa, o grande prejudicado pela armação. Mas também seria injusto com Lewis Hamilton e com a McLaren, que nada tiveram a ver com o Singapuragate. Inclusive, também foram prejudicados. Perderam a chance de vencer aquela prova. Hoje, a decisão mais correta, a meu ver, seria a divisão do título de 2008. Seria a correção de uma injustiça histórica sem ter de promover outra injustiça.

Defendo esta atitude há tempos. Já conversei, inclusive, com várias pessoas do automobilismo, sobre o tema. Nunca tinha, porém, colocado em texto aqui no 💥️Voando Baixo. Mas ler essas frases de Bernie Ecclestone me deixaram tão revoltado que eu tive de, finalmente, escrever sobre o tema. E vocês vão entender o motivo da minha irritação a seguir.

Felipe Massa e Lewis Hamilton disputaram a temporada de 2008 ponto a ponto — Foto: Getty Images 6 de 9 Felipe Massa e Lewis Hamilton disputaram a temporada de 2008 ponto a ponto — Foto: Getty Images

Felipe Massa e Lewis Hamilton disputaram a temporada de 2008 ponto a ponto — Foto: Getty Images

Felipe Massa com o troféu da vitória no GP do Brasil de 2008 — Foto: Getty Images 7 de 9 Felipe Massa com o troféu da vitória no GP do Brasil de 2008 — Foto: Getty Images

Felipe Massa com o troféu da vitória no GP do Brasil de 2008 — Foto: Getty Images

Imaginem o efeito que um título mundial de Fórmula 1 conquistado por Felipe Massa em pleno Autódromo José Carlos Pace, o templo de Interlagos, poderia ter causado para o automobilismo brasileiro. Imaginem. Certamente não teríamos passado pela entressafra de pilotos na maior categoria do automobilismo mundial - estamos sem um titular desde a aposentadoria de Massa em 2017. Pietro Fittipaldi substituiu Romain Grosjean na Haas em dois GPs em 2023 e agora temos Felipe Drugovich como reserva na Aston Martin. Mas foi só. Nossa participação nas categorias internacionais diminuiu e o apoio de empresas brasileiras aos pilotos que lutam por um espaço lá fora também caiu bastante. Um título mundial poderia ter provocado o efeito contrário.

É verdade que nosso automobilismo interno é forte, mas principalmente nas categorias de turismo. Vimos nestes 15 anos pós-2008 categorias de monopostos sumirem e iniciativas fracassarem por falta de interesse (como justamente a Fórmula Futuro lançada e bancada por Felipe Massa). Só tivemos uma luz no ano passado, quando a Vicar de Fernando Julianelli trouxe a Fórmula 4 para o Brasil com os mesmos carros usados nas categorias ao redor do mundo. A categoria já vai para sua segunda temporada e já exportou pilotos após o primeiro campeonato. Mas repito: qual teria sido o efeito de um título de Fórmula 1 neste cenário?

É claro que o automobilismo é um esporte mais caro que os demais, mas acho que podemos traçar alguns paralelos com outros sucessos recentes. Tivemos o boom do surfe com o sucesso de Gabriel Medina e da Tempestade Brasileira, também com as conquistas de Adriano de Souza, Ítalo Ferreira e Filipe Toledo. E o que falar do skate, com o fenômeno Rayssa Leal, de apenas 15 anos? São esportes que estão aproveitando a exposição na mídia para aumentar a base de praticantes. O automobilismo viveu isso nos anos 1970, 1980 e 1990, com as gerações de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna. Infelizmente, perdemos a chance de ver isso acontecer com Felipe Massa.

Felipe Massa no GP do Brasil de 2008 — Foto: Reprodução 8 de 9 Felipe Massa no GP do Brasil de 2008 — Foto: Reprodução

Felipe Massa no GP do Brasil de 2008 — Foto: Reprodução

Perfil Rafael Lopes — Foto: Editoria de Arte/GloboEsporte.com 9 de 9 Perfil Rafael Lopes — Foto: Editoria de Arte/GloboEsporte.com

Perfil Rafael Lopes — Foto: Editoria de Arte/GloboEsporte.com

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