Devo aceitar trabalhar num Grupo Familiar? &
💥️1. O Engenheiro que geria Chocolates: como nasce uma paixão por Grupos Familiares
Nestas coisas nunca fica mal começar com uma nota pessoal para dar o tom à peça. A maior parte da minha vida tem sido dedicada ao fortalecimento de Grupos Familiares. Esta vocação nasceu logo após o MBA onde, ao contrário dos meus colegas que rumaram à consultoria ou à banca comercial, queria trabalhar em marketing de bens de consumo e aceitei uma proposta do maior Grupo Familiar do mundo – a Mars.
Era responsável pelo portfolio de chocolates e foram dois anos inesquecíveis pela diversidade de atividades do meu cargo, a cultura de otimismo e entreajuda, a alta qualidade das pessoas, a mentalidade de inovação, a meritocracia e o enorme gozo da função – tudo coberto pelo tremendo empenho e detalhe de gestão dos acionistas, na altura os homens mais ricos do mundo e com quem estive várias vezes nos seus ✅field visits a Portugal.
A sua fama de passarem sob os radares era lendária – depois de uma viagem da Virgínia em económica, chegavam os dois em Julho num Corsa alugado e de grossos casacos de tweed… vinham aprender, desafiar e dar ideias, mas nunca era posta em causa a responsabilidade e autonomia dos executivos.
Era um modelo perfeito, mas só fiquei dois anos porque o passo seguinte que me pediam para aceitar era sair de Portugal para uma função financeira e eu já tinha tirado dali o que queria – fui para consultoria. Mas ficou para sempre a afeição, admiração e respeito por este Grupo fantástico… e o quadro que David Garrett me ofereceu no jantar de despedida.
💥️2. As virtudes dos Grupos Familiares como plataforma de carreira
E é este o mote para o artigo de hoje: o que pode atrair um profissional a abraçar uma carreira num Grupo Familiar, quais os prós e contras de fazer parte do Grupo e que traços de posicionamento e comportamento lhe podem assegurar o maior sucesso dessa carreira?
Este tópico é fundamental a dois níveis. Primeiro, se um Grupo Familiar tem talento de sangue de família em posições executivas, serão sempre apenas um punhado de elementos e por isso o grosso da organização é inevitavelmente composto por profissionais externos. Segundo, a atração e retenção desse talento externo só se faz assegurando um ambiente de trabalho entusiasmante, virtuoso e sem favorecimento de executivos da Família, a par duma liderança carismática e humana que conduza o Grupo na direção da sua visão de longo prazo.
Os Grupos Empresariais Familiares comungam de vantagens competitivas inquestionáveis sobre os Grupos não-familiares que lhes permitem níveis de valorização e de crescimento superiores, tal como demonstrámos noutros artigos desta coluna. Essas vantagens radicam numa cultura forte, distintiva e virtuosa que faz com que seja normalmente aliciante a um profissional externo tomar a decisão de aceitar uma proposta e desenvolver a sua carreira num Grupo Familiar. Essa carreira tem fortes probabilidades de ser mais agradável, personalizada e gratificante e, havendo um bom entrosamento entre a pessoa, superiores externos e Família, de abrir novas oportunidades internas e chegar ao topo mais rapidamente.
Alguns Grupos Familiares portugueses de renome têm recorrido a gestores profissionais de alto calibre que desenvolveram carreiras e reputações pessoais extraordinárias – os Grupos Mota Engil, SOGEPOC, Visabeira, Tecnimede ou Pestana são apenas alguns exemplos onde profissionais externos de grande nível estão no topo da organização, com a Família remetida a posições não executivas ou, na geração seguinte, a lugares executivos abaixo.
💥️3. O que pode levar o sonho a transformar-se num pesadelo?
Nem tudo são rosas – como qualquer organização, cada Grupo Familiar possui aspetos menos positivos que podem ser armadilhas para os profissionais que não pertencem à Família, que devem ser cuidadosamente identificadas e contornadas com tato e bom senso.
A falta de qualidade e bom senso do líder a par da sua arrogância, sangue quente e vaidade não é invulgar e contamina negativamente o bem-estar da organização e, ainda mais dos profissionais entrados há pouco tempo. Mais adiante abordamos em maior em detalhe os potenciais inconvenientes de trabalhar num Grupo Familiar, mas deixa-se aqui já uma breve nota aos graves problemas causados pela centralização, pelo nepotismo, pela falta de capacidade em tomar decisões, pela ausência de uma visão de longo prazo consistente, pela falta de interesse pelo bem-estar dos colaboradores ou pela excessiva permeabilidade a opiniões de terceiros.
Por isso ao tomar a decisão de aceitar ou não uma proposta de um Grupo Familiar deve avaliar-se e ponderar cuidadosamente os benefícios e as potenciais desvantagens associadas, que veremos de seguida.
💥️4. Benefícios de Grupos Familiares para um profissional externo
Processos de tomada de decisão mais ágeisAo contrário das grandes corporações, os Grupos Familiares têm uma estrutura de gestão mais enxuta e com menos níveis. Quando se está perante a aprovação de um novo projeto, produto ou modelo de trabalho, a resposta pode ser mais rápida e avançar para a execução mais cedo. Em casos de pedidos relacionados com as condições de trabalho, pode bastar uma reunião rápida em vez de esperar dias ou semanas por uma decisão.
Flexibilidade na natureza das funções e responsabilidadesOs Acionistas executivos têm toda a liberdade para encontrar ou criar posições para atrair ou reter um bom profissional. Ao mesmo tempo há maior compreensão para autorizar empregos secundários, o que é normalmente um benefício mútuo.
Grande empenho comum no crescimento e valorização do Grupo.Há naturalmente um sentimento partilhado quanto ao sucesso do Grupo e esse compromisso traduz-se no esforço de todos, acionistas e colaboradores, para assegurar ano após ano o crescimento e a valorização do Grupo. A paixão e persistência do conjunto geram confiança na liderança e reforçam a perceção de segurança de emprego por parte dos colaboradores
Ambiente de trabalho positivo e descontraídoPela natureza do seu legado, os Grupos Familiares têm normalmente um ambiente mais descontraído e confortável. Os horários de entrada e saída podem ser menos rigorosos e é mais fácil garantir tempo livre para assunto pessoais como consultas médica ou assistência às crianças. São regalias oferecidas por igual a profissionais externos ou a membros da Família em lugares executivos.
Oportunidade de testar funções e responsabilidades diferentesTrabalhar para um Grupo Familiar abre muitas vezes mais oportunidades para desenvolver uma variedade de tarefas diferentes ao longo do dia, em vez de completar as mesmas repetidamente. De igual forma existe maior flexibilidade para um profissional testar outras posições além da sua para avaliar se poderia fazer sentido mudar ou não, com o benefício para a gestão do Grupo avaliar os seus colaboradores no sentido de maximizar o uso do seu talento e potencial. para a empresa, pois permite que gerentes e proprietários reconheçam e usem as melhores qualidades de sua equipe.
Equipa enxuta, unida e com espírito de entreajudaMuitas vezes os Grupos Familiares têm estruturas dimensionadas à justa com base na eficiência, proximidade e espírito de entreajuda entre colaboradores. Um profissional externo acabado de entrar pode conhecer todos os colegas na empresa no seu primeiro dia e, com o tempo, tornar-se como um membro da Família.
Forte espírito de EquipaFora do trabalho, as Famílias vêem-se muitas vezes como uma unidade. Nos Grupos Familiares, esta unidade estende-se a todos os colaboradores. Trabalhar num Grupo Familiar significa participar numa cultura colaborativa e solidária, onde as pessoas se ajudam mutuamente e fazem sacrifícios pessoais para o bem da empresa ou dos seus colegas de trabalho, o que reforça a saúde financeira do Grupo e a segurança no emprego aos colaboradores.
Sentimento de confiança e segurança.Integrar um Grupo Familiar e estar próximo da Família pode tornar mais fácil saber em quem confiar. A proximidade a membros da Família que se preocupam com o bem-estar dos profissionais externos pode aumentar a autoconfiança e estimular a introdução de inovações ou mudanças, mesmo que cometa erros porque o fará sem medo de ser punido se falhar
💥️5. Inconvenientes de Grupos Familiares para um profissional externo
Conflitos no seio da FamíliaOs membros da Família trazem por vezes questões pessoais de casa para a empresa – uma briga qualquer por um tema doméstico pode prolongar-se no escritório. Seja qual for a natureza desse assunto, o princípio de arrastar a discussão para o escritório é mau e pode afetar outras pessoas na organização. Há na realidade conflitos sérios em Grupos Familiares que acabam por afetar o ambiente, a produtividade e o conforto dos profissionais externos na organização – é o caso por exemplo de discussões mais acesas entre acionistas ou entre o líder e profissionais de topo, as quais já testemunhámos pessoalmente mais do que uma vez. Estas situações têm um efeito extremamente nefasto e prolongado sobre o ambiente organizacional, a confiança no Grupo e nos seus acionistas e a motivação dos profissionais não familiares a quem foi vendido um quadro cor-de-rosa que afinal é preto. Há seguramente lugar a discussões legítimas, mas é preciso que tenham lugar na maior reserva.
Disparidade de tratamento entre executivos familiares e não familiares. Em alguns Grupos Familiares há discrepâncias de tratamento entre membros da Família em cargos executivos e profissionais externos & nuns casos os primeiros são privilegiados, noutros os membros da família podem ter regras mais rígidas do que outros colaboradores para dar o exemplo. Se não há regras homogéneas e transparentes o ambiente interno e a motivação dos profissionais externos é prejudicada.
Dificuldades de integração e um sentimento de exclusão, de não pertença.Os profissionais não familiares podem sentir-se como estranhos e excluídos – por exemplo se forem tomadas decisões sem o seu conhecimento que envolvem a sua área de responsabilidade ou se não entenderem certas piadas internas ou histórias de Família que se contam no escritório. Mas aqui há remédio & o profissional externo nestas circunstâncias deve abordar a Gestão Executiva ou os seus colegas de trabalho, sobretudo o segundo porque essa franqueza vai fortalecer a relação com os colegas e a integração na organização.
Má gestão dos interesses da geração seguinte pelos Acionistas É frequente os acionistas da Família esperarem que os membros da próxima geração, já estudantes ou recém-formados, sejam integrados no Grupo, mesmo que esse objetivo não seja compatível com os planos pessoais desses jovens. Esta situação conduz a um mau ambiente de trabalho, agravado para os profissionais externos pela dificuldade de orientar estes jovens contra a sua vontade e reduzindo a sua própria motivação e produtividade
Família firmemente convencida de conceitos de base errados para o GrupoOs membros da Família partilham frequentemente antecedentes e pontos de vista semelhantes sobre temas controversos. Podem também seguir processos e procedimentos de trabalho semelhantes, porque é tradição ou porque se acha que faz sentido dentro da sua unidade familiar, sem ouvir a opinião do resto da organização – e em particular dos quadros profissionais não familiares. Se o ponto de vista destes quadros for muito diferente da perspetiva dos Acionistas e esses quadros tiverem de aceitar essa perspetiva, sabendo que não é o melhor para o Grupo, gera-se uma situação de profunda frustração: “Que estupidez! Mas o que é que aqui estou a fazer?” A demissão destes quadros profissionais é o corolário lógico.
Processos de sucessão ou transições de poder mal feitas entre membros da Família. Quando não são bem preparadas, as transições de poder no Grupo entre membros da Família, tipicamente da geração mais sénior para a seguinte podem criar grandes problemas no funcionamento da organização e das suas chefias em particular. Os membros seniores da Família que supostamente se afastam podem tentar continuar a tomar decisões depois de deixarem os seus cargos, enquanto os novos gestores da Família podem levar algum tempo para aprender os detalhes mais finos de suas novas funções. Em todo o caso, a entropia e a ineficiência geradas, são tipicamente fontes de desmotivação para os gestores profissionais não familiares.
Deterioração da confiança na Gestão Executiva por nepotismoPor vezes os membros da Família que assumem a gestão executiva do Grupo decidem promover familiares com cargos executivos no Grupo sem uma justificação racional de mérito aceitável. Naturalmente, estas situações causam tensão entre colaboradores familiares e não familiares, que sentem natural frustração e desmotivação conduzindo no limite a demissões.
💥️6. Comentário final
Se os benefícios de aceitar uma proposta e desenvolver carreira num Grupo Empresarial Familiar são significativos, não se podem colocar de lado as potenciais desvantagens que, de facto, existem em muitos casos e que devem ser tidas em conta o mais cedo possível sob pena da realidade ser muito diferente do sonho que se esperava da experiência na altura do processo de recrutamento.
É por isso fundamental que, antes de aceitar qualquer proposta, se aproveite as oportunidades para falar com colaboradores que não são membros da família e colocar-lhes perguntas sobre as suas próprias experiências com o Grupo. E ao mesmo tempo, partindo da informação no site da empresa, sondar delicadamente para entender a cultura, a forma de estar e intervir da Família e o modelo de ✅governance do Grupo.
Tendo decidido aceitar a proposta, a prioridade vai estar em interiorizar as características reais do Grupo que potenciam os benefícios esperados e em lançar uma gestão proativa, mas discreta. dos riscos que podem criar problemas. Construída de forma sólida esta posição de arranque, o sucesso da carreira do profissional externo depende naturalmente da qualidade do seu desempenho, da capacidade de assumir novos desafios, da sua atitude como team player, da incorporação do ethos e valores da empresa e da sua imagem junto dos colegas, da gestão executiva e da própria Família. Tudo o que faz um profissional com uma carreira superior.
Mas num Grupo Empresarial Familiar há dois fatores adicionais que são cruciais para o sucesso de qualquer quadro profissional externo à Família…
Em primeiro lugar, manter a neutralidade e nunca tomar partido em conflitos dentro da Família – Se os membros da Família tiverem um desentendimento, eles podem esperar que o profissional externo apoie um lado ou o outro. No entanto é crucial que preserve a sua neutralidade, ouvindo os problemas e desabafos dos membros com quem tem relação, mas sem se envolver nem tentar resolver nada entre eles – provavelmente há mais a acontecer do que o profissional externo pode ver. Se se tornar difícil escapar ao centro do vulcão, se as coisas ficarem realmente difíceis, é aconselhável reservar algum tempo fora do escritório.Em segundo lugar, o profissional externo deve ter um entendimento realista da sua posição e das perspetivas de evolução da sua carreira. Se tiver aspirações a ocupar o lugar de CEO, então tem de entender que as hipóteses serão seguramente muito reduzidas porque na larga maioria dos casos o lugar está reservado a um membro da Família – a não ser que seja necessária uma solução de transição. Por outro lado, é decisivo fazer um exame aos objetivos profissionais e ao ambiente de trabalho & se os dois estiverem alinhados, maiores são as hipóteses de satisfação no Grupo com uma carreira estável, boas reações profissionais aos vários níveis e baixa exposição a conflitos.Apostar em desenvolver carreira num Grupo Familiar de topo tem benefícios de enorme valor, mas naturalmente riscos decorrentes de potenciais desvantagens e a necessidade de ter certos cuidados dada a proximidade com os Acionistas e a sua consanguinidade, o espírito da Família, não se deixando ofuscar por essa proximidade. Mas os riscos têm hoje, nos melhores Grupos Familiares, reduzida probabilidade de ocorrência o que faz com que o balanço seja claramente favorável a aceitar uma proposta de um Grupo Familiar.
Em suma, a carreira num Grupo Familiar reputado é uma opção muito atraente, talvez a melhor para a maior parte de profissionais com energia, ambição, gosto por um ambiente desafiante, facilidade de relação… e uma boa dose de paciência e de inteligência emocional!
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