Felipe Miranda: Cornucópia
💥️Por Felipe Miranda, da Empiricus Research
Como nos ensinou Guimarães Rosa, “pão ou pães, é questão de opiniães”. Vale em muitas situações. Em outras, não. Em algumas delas, a grafia rigorosa precisa ser respeitada. A segunda vogal do título desta newsletter há de ser mesmo “u” – e não se fala mais nisso. Se fosse com “o”, testaria um novo paradoxo: cópia de corno e solteiro. Aí já é meio demais pra mim. Tenho limites até para ser ridículo.
Na mitologia grega, cornucópia é um vaso em forma de chifre, repleto de flores e frutas. Trata-se de um símbolo da fertilidade, da riqueza e da abundância. O chifre representa o caráter fálico da coisa, em referência ao sagrado masculino. Enquanto seu interior simboliza o útero – preenchido de flores e frutas, remete à fertilidade. A origem do termo se liga à cabra Amalteia, que amamentou Zeus/Júpiter enquanto criança.
Se você gosta de rock’n’roll, talvez conheça a faixa homônima do Black Sabbath. Loud and heavy, the way I like it!
Ontem, participei com a Luciana Seabra de uma conversa com três brilhantes gestores de ações, representando ali a HIX Capital, a M Square (Velt Partners agora) e a XP Gestão. Como são lindas as livrarias, e a Cultura do Iguatemi em particular. É triste vê-las em situação financeira tão ruim. A cultura de Iguatemi (IGTA3) parece muito melhor nesse aspecto, mas isso é assunto para outro texto, sobre meu prognóstico favorável às ações de shoppings.
Saí do papo ainda mais otimista com as ações brasileiras. Também os debatedores projetaram um período de muita fertilidade e fartura na Bolsa brasileira.
Para um sujeito comprometido com o pensar sobre investimentos, é por vezes desconfortável a posição otimista. O pessimismo sempre esteve associado à maior profundidade, à diligência, à seriedade, ao compromisso e à disciplina. O otimista é aquele cara que você chama para jantar em casa para dar risada, não o sujeito que vai administrar seu dinheiro.
Ao longo da história, os pessimistas sempre foram percebidos de algum modo como filósofos superiores. Nietzsche, Montaigne, Schopenhauer, Pascal. Todos apontam uma condição humana condenada e são percebidos como grandiosos – muito embora possam se encontrar também neles mensagens positivas para se libertar dessa tal condição.
Alain de Botton, por exemplo, encontrou em Pascal fonte de consolação. Ele resume assim:
“ A incompatibilidade entre a grandeza de nossas aspirações e a dura realidade de nossa condição gera violentas decepções que torturam nossa vida e deixam marcas em nossos rostos. Daí o alívio, que pode explodir em arroubos de risos, quando finalmente encontramos um autor generoso o suficiente para confirmar que nossos piores presságios, longe de serem únicos, fazem parte da realidade inevitável da humanidade.
Nosso terror em julgar que nós somos os únicos a nos sentirmos ansiosos, entediados, enciumados, perversos e narcisistas acaba sendo gloriosamente infundada e abre oportunidades inesperadas para a comunhão em torno de nossas realidades obscuras.
Deveríamos honrar Pascal e a longa linhagem de escritores pessimistas à qual ele pertence, por nos fazer o favor incalculável de ensaiar publicamente e elegantemente os fatos de nosso estado pecaminoso e digno de pena.”
Em tempos de retorno do conservadorismo, talvez pudesse citar ainda Roger Scrutton e seu clássico “As Vantagens do Pessimismo”, em que defende alguma desconfiança por quem apresenta soluções gerais para todos os problemas do mundo.
Não tenho pretensão de oferecer qualquer solução, seja ela geral ou particular. Há algo realmente libertador em se perceber a condição humana. Somos todos um grande escândalo, como diria James Hillman. Perdemos a vergonha de nós mesmos e aceitamos o quanto somos ridículos, irrompendo com a necessidade de obedecer a patrões, padrões e reputação.
Se agora estou muito otimista com a Bolsa – e a verdade é que estou –, fica aqui o registro, ainda que isso possa soar-lhe superficial, medíocre ou irresponsável.
Ontem, ao menos estava em boa companhia. No debate, vieram excelentes argumentos para sustentar a expectativa positiva para as ações brasileiras. Muitos deles já apareceram aqui, mas merecem ser recapitulados, principalmente porque podem ser vistos sob outro ângulo. Na pior das hipóteses, o contato repetido vai fazendo a gente acreditar por osmose.
A primeira questão é de algum otimismo com o novo governo, de viés liberal e reformista. Ainda que não consiga entregar tudo, é bem melhor que o anterior. E se, mesmo no ciclo anterior, houve grandes multiplicações na Bolsa, devemos esperar também para agora várias histórias de muito sucesso. Basta saber escolher.
Em paralelo, do ponto de vista macro, temos inflação baixa, boa situação do balanço de pagamentos, muita capacidade ociosa (tanto no mercado de trabalho quanto de capital), menor alavancagem de famílias e empresas e juro baixo. Esse juro baixo de maneira estrutural deve fomentar bastante migração para Bolsa (que já começa a acontecer na margem), num momento em que a alocação em renda variável no Brasil beira mínimas históricas.
Do ponto de vista micro, as empresas estão preparadíssimas para surfar uma enorme alavancagem operacional – qualquer aumento de receitas será traduzido em multiplicação dos lucros. As companhias fizeram a lição de casa na crise e estão muito enxutas agora. As margens estão muito aquém de suas médias históricas e sua recomposição implicará explosão da última linha do balanço.
Por fim, os valuations de algumas companhias estão muito, muito depreciados, com fluxo de caixa livre para o acionista em níveis altíssimos. Muitas delas têm previsibilidade de resultados e dependem apenas de suas questões idiossincráticas para aumentar lucros, fugindo um pouco da dependência macro, política ou do cenário internacional.
Para quem busca empresas específicas para investir neste ciclo, os nomes ali sugeridos como maior convicção de cada um deles foram Eneva (HIX), Hapvida (Velt) e Sanepar/Copasa (XP Gestão).
Para resumir a discussão, vamos apelar a Woody Allen: “O pessimista afirma que atingimos o fundo do poço; o otimista acha que dá para cair mais”. Ou, do mesmo Woody: “A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife”. Há razões para algum otimismo.
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