Felipe Miranda: Bolsa é para medrosos ou corajosos?
Aprendi com professor Luizinho que bons analistas não são aqueles com respostas supostamente certas, mas aqueles capazes de fazer as melhores perguntas. Um dos maiores orgulhos dele era a relação com o professor Akerlof, curiosamente marido da Janet “Palmirinha” Yellen — hmmm, veio daí a ideia do mercado de limões, né?
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Páginas de fofoca à parte, vamos ao que interessa: se você entrou aqui atrás de uma resposta direta e objetiva à pergunta do título, vou ficar lhe devendo. Desculpa, passa amanhã. Ofereço aqui uma ou outra reflexão. Só isso.
A partir de certo ponto, o texto de hoje ganha contornos um pouco mais técnicos (e chatos) do que o habitual. Com o clima político em Brasília mais calmo, o exterior espraiando otimismo para os países emergentes e a Bolsa voltando a subir, posso abandonar essa coisa tão obsessiva em torno das cotações alternando-se entre o vermelho e o verde em nossos home brokers, dar um “zoom out”, olhar a floresta toda e falar sobre metodologia.
Entendo e respeito se epistemologia não lhe interessar. No mercado financeiro, “money talks, BS walks”, ok. Por consideração a você, deixarei aqui, antes de partir para o tema do dia propriamente dito, um recado de cunho mais pragmático, para abarcar também aqueles que desprezam a teoria. Respeito gostos e estilos, mas só aponto uma ponderação, aqui emprestando resposta recente de Yngve Slyngstad, CEO do Norges (desculpe minha tradução horrível):
“A maior parte dos meus estudos foram, na verdade, em filosofia. E eu nunca ponho nada disso no meu currículo — que eu tenho uma titulação em Filosofia. Por que eu estudei tantas coisas diferentes? Eu diria que é apenas um reflexo da curiosidade, um desejo genuíno de aprender e de ler vários livros. Eu não acho que você deva estreitar o conhecimento apenas para o campo fechado de sua profissão, definitivamente não em investimentos. Investir é algo realmente amplo. É tudo sobre futuro. Então, ter uma mente aberta foi provavelmente a coisa mais importante para mim.”
Amparado pelo argumento de autoridade, me permito falar de coisas mais amplas. Antes, dois recados:
i. Se você não está nem aí para teoria, metodologia ou filosofia, tudo bem. Não precisa ficar bravo também. Trago uma mensagem para você: lembre-se do comportamento dos ativos nos últimos dias. Guarde na memória, cole um post-it no computador, marque um alerta no seu celular; faça como quiser.
O que aconteceu nesta semana é um caso particular de uma dinâmica geral. Vai se repetir várias e várias vezes ainda. Até a quarta-feira, Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro queriam se matar. Na quinta, viraram namorados apaixonados (um amor hétero, claro). A Bolsa cai 3 por cento e depois sobe outros 3. Vai ser esse tiroteio aí, porque há muito jogo político no entorno da Previdência, e esse jogo está só começando.
Ele será permeado por muito ruído. Apegue-se ao verdadeiro sinal: a reforma da Previdência deve ser aprovada no fim do dia. O corolário pragmático da avaliação é: não tente ficar tradando esse negócio. Sabe lá Deus qual será a capa da Folha amanhã. Monte uma posição significativa em Bolsa e NTN-B longa (pode ser 2026, 2028, 2035) e saia de férias. Fique de olho se lá fora não vai nos enviar alguma bomba atômica repentina. Se não for o caso (e o ambiente, ao menos por enquanto, parece — e é sempre importante o “parece” — não sugerir isso), tudo tranquilo. Quem sabe um curso de filosofia não lhe caia bem?
ii. Gostaria de deixar claro para os quatro leitores desta newsletter: há um código de conduta criterioso na Empiricus que veta todos seus colaboradores de comprar ações. Temos os controles mais rigorosos possíveis nesse sentido. Se lá atrás eu avisei numa carta de vendas que compraria ações (pelo que me lembro, em duas situações, com Rumo e Guararapes, que carrego até hoje), isso aconteceu porque: a) foi antes do estabelecimento desse código de conduta; b) foi, mesmo estando numa publicadora de conteúdo editorial, sob regras mais rigorosas do que aquelas exigidas pela Apimec e pela CVM para negociação de ações por analistas de valores mobiliários certificados (não era uma prerrogativa regulatória, mas, sim, ética e moral, além, claro, de precisar atender a qualquer questão associada a insider trading, front running, pump and dump e afins); e c) avisando pública e bem antecipadamente sobre meu movimento, deixando todos os nossos assinantes e também o mercado geral comprar na minha frente se assim o quisessem fazer — eu nem precisava fazer isso, mas deixei todos entrarem antes, com bastante antecedência, mesmo tendo isso implicado um pior preço de entrada para mim.
Agora vamos lá falar sobre o que realmente gostaria hoje. Ao abordar este tema, talvez você me tome como o último romântico dos litorais do oceano Atlântico.
De certo modo ao menos, acho que você teria razão. Um romântico em seu sentido clássico. O Romantismo foi uma reação ao Iluminismo, um combate à luz da razão como grande sentido da vida, um movimento do sonho e da fantasia. A razão, se considerada como valor maior e único do ser humano, matava aquilo que tínhamos de mais belo e complexo: as emoções, os sentimentos, a natureza.
Se o Iluminismo vinha para jogar luz os problemas da religião e do excesso das tradições ligadas à nobreza, o Romantismo rebatia apontando a razão e a ciência apenas como novos deuses modernos, também tendo os seus próprios. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle. Isso é Nietzsche, que também era um romântico, um opositor às ideias de Descartes sobre o amor.
Para os medievais, o amor era uma doença da alma. Vinha como onda avassaladora capaz de destruir protocolos, instituições, relações contratuais, casamentos. Por isso, caberia ao sujeito fugir dessa patologia (a etimologia de paixão é justamente pathos, patologia), para preservar as relações medievais e os protocolos devidamente estabelecidos em sociedade.
René Descartes, um dos representantes sagrados do racionalismo, era, claro, também crítico do amor como Eros (erótico). Defendia-o mais como Ágape, como o respeito ao cotidiano, a uma certa bem-querença não erótica, ao afeto, ao carinho. Em certo modo, o amor erótico caberia apenas aos ingênuos, àqueles que “ainda não tinham vivido o suficiente”, estavam embriagados por uma paixão momentânea que viria a arrefecer num futuro próximo, condenando ao iminente fracasso da relação. Serviria só àqueles sem coragem para enfrentar a dura realidade.
Nietzsche é a oposição a tudo isso. O valor maior da vida estaria, segundo ele, justamente nos sentimentos, na complexidade e na riqueza das emoções, muito além do bem e do mal. A razão seria muito sobrevalorizada. Se Dionísio sucumbisse a Apolo, estaríamos todos condenados a uma vida controlada e sem graça. O amor, aqui em seu sentido erótico, seria um ato de coragem, justamente daqueles capazes de se jogar no incognoscível, nos mares turbulentos e imprevisíveis das relações, e de abandonar os protocolos.
Sextus Empiricus era contra os professores. Achava que a realidade jamais poderia caber numa planilha de Excel, num modelo econométrico, numa mensuração quantitativa qualquer. Se você começa a querer medir tudo, enquadra a vida, pessoas ou empresas num rótulo que necessariamente despreza a complexidade daquilo. A realidade é muito mais complexa e rica do que podemos descrever.
Como viver num mundo que não entendemos, perguntaria Taleb.
Outro dia, nesta semana mesmo, veio aqui um econometrista. Ele defendia que deveríamos, eu e a Luciana, sempre quantificar o risco de determinado ativo. Discordei de maneira incisiva. Apresentei os argumentos talebianos para provar-lhe que risco nada tem a ver com volatilidade. Ele até pareceu concordar com isso, mas rebateu dizendo que há outras formas de medir, para, pelo menos, ainda que o risco do tal ativo não corresponda necessariamente ao valor calculado, saberemos que é aquilo ou maior. Portanto, precisa estar escrito na pedra: todo risco precisa ser quantificado.
O problema desse pessoal é o platonismo, é achar que podemos bancar o Procusto aqui, de que podemos cortar as pernas da realidade só para fazê-la caber no EViews.
A ideia de quantificar o risco para saber que ele é aquilo ou mais precisa ser abandonada, porque ela acaba servindo como um mapa errado.
Suponha que os ativos A e B tenham o mesmo retorno esperado e a mesma liquidez. Ou, para simplificar e esgotar contra-argumentos: que eles sejam idênticos, com exceção de seu nível de risco.
Imagina que você calcula o risco do ativo A e chega ao número 2 (seja lá por qual métrica). Então, segundo o racional de nosso amigo econometrista, o risco real do ativo seria igual ou maior do que 2, qualquer um. Vamos supor que o risco real (não observado e não o estimado pelo modelo) seja 5 (ele poderia ser qualquer coisa maior do que 2 pelo argumento do nosso econometrista de plantão).
Aí você refaz o cálculo para o ativo B e chega ao número 3. Então, no mesmo racional acima, o risco real pode ser maior ou igual a 3. Vamos supor que seja 4.
Se você seguiu a ideia de nosso econometrista e pensava em alocar entre o ativo A e B, provavelmente será levado a acreditar que A tem menos risco do que B, quando, na verdade, é o contrário. Logo, você compraria A, quando deveria comprar B.
A tal quantificação de riscos pode ser um mapa errado. E não ter mapa é melhor do que ter um mapa errado.
Como você faz, então, para medir o risco matematicamente? Você não faz. Simples assim. Se não tem ferramenta adequada, não usa. Se você não tem uma história para contar, você não conta, não vai inventar. Se não dispomos de ferramenta para enquadrar a realidade no instrumental econométrico, a culpa definitivamente não é da realidade. Essa aí vai continuar sendo o que ela é.
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