Felipe Miranda: Armas de proteção em massa
💥️Por Felipe Miranda da Empiricus Research
Conta-se que, no último evento de Davos, havia grande expectativa para o discurso do presidente Jair Bolsonaro. Mais até do que expectativa, talvez existissem ali certa apreensão e temor de que algo escapasse à liturgia exigida para o momento. Tuítes dionisíacos e mercuriais não combinam com o clima gelado da Suíça.
Ufa, passamos por essa. Bolsonaro mandou um discurso curto, protocolar, sem se comprometer. Tranquilo, pois agora teremos Paulo Guedes, e o homem sabe o que fala/faz.
Começa bem e tal. Ah, que homem! Uma palavra ou outra de liberalismo, em prol do choque de capitalismo na economia brasileira. Uma defesa da necessidade de reformas fiscais, exatamente aquilo que a plateia parece querer ouvir. Estamos todos alinhados.
Hmmm, começa a ficar um pouco longo demais. Ops, isso parece um improviso. Ai, essa história de “bomba H” soa um tanto agressiva nesse ambiente. Sabe como é, em Davos, a turma leva meio a sério essa história de bomba nuclear. Ali do lado, está o Putin, sabe? Essa galerinha mais barra-pesada. Melhor não brincar…
“Hey, Felipe, I liked Paulo Guedes very much. But could you please explain what he meant when he said ‘nuclear weapon’”? Até explicar pro gringo que a tal bomba H não era exatamente uma Bomba H e aquilo era uma metáfora, nego já socou uns mil pontos no Ibovespa Futuro.
Aí você apresenta calmamente a ideia de desvinculação do Orçamento como plano B à reforma da Previdência para equilibrar as contas públicas. A imagem na cabeça do interlocutor, porém, já está lá e você rala pra demovê-lo do ceticismo.
É só uma anedota, claro. Somos aqui todos fãs declarados de Paulo Guedes e apoiadores públicos da reforma da Previdência. Qual reforma? Essa mesma que está aí. A que existe. O resto é platonismo, discurso demagógico pra ficar bem com todo mundo — a Economia é a ciência (ou seria a arte?) da escassez e, portanto, não dá pra ficar bem com todo mundo; essa é a única abordagem honesta.
Há algo muito importante a diferenciar entre aqueles que realmente fizeram algo na vida, que tomaram certo risco em determinado momento, de outros burocratas pegadores de seus holerites ao final do mês sem “skin in the game”: os primeiros entendem que as decisões envolvem escolher uma coisa em detrimento a outra. Chorão, o do Charlie Brown, bem melhor que esse representante dos caminhoneiros, já dizia: cada escolha, uma renúncia.
Essa história da Bomba H me veio à cabeça ontem, depois de receber o e-mail abaixo:
A correspondência veio da mesa de derivativos de um dos grandes bancos de investimento instalados por aqui. Ela comentava nossa indicação de montagem de uma operação estruturada com opções para servir de proteção a carteiras com posições grandes em Bolsa e juro longo.
A ideia geral era oferecer um seguro para a posição mais estrutural em favor do bull market iniciado no Brasil em 2016 e que, em nossa opinião, deve se manter ainda por alguns anos. Ou seja, era uma forma de manter a exposição comprada em ativos de risco, calibrando mais adequadamente a carteira, com posições de hedge e proteção.
Aqui preciso registrar o agradecimento às mesas de Credit Suisse, Morgan Stanley e BTG, que proveram liquidez para a indicação e evitaram distorções ainda maiores nos preços das puts (opções de venda) sugeridas. Ah, claro: não, não ganhamos nada dos bancos por isso.
Esse contato é feito apenas em defesa do nosso assinante, como tudo que fazemos aqui. Se indicássemos as opções sem os bancos serem solícitos conosco, a própria atuação dos assinantes da Empiricus , num ambiente sem liquidez, geraria enormes discrepâncias de preços. Dá um pouco mais de trabalho, mas garante um resultado mais justo.
Evidentemente, essa disposição a negociar das instituições financeiras só é possível por conta da escala assumida pela Empiricus. Ninguém estaria lá disposto a montar, cotar e ser a contrapartida de uma operação de meia dúzia de investidores pessoas físicas sem escala.
Toda vez que indico opções — e só o faço em três situações: i) geração de renda coberta; ii) procura por proteção dentro de uma abordagem holística para o portfólio; ou iii) pequenas apostas assimétricas em tiros fora do dinheiro, somente com grana da pinga, nunca do leite — surge um “especialista” para citar a frase constante na carta de 2002 da Berkshire Hathaway, de Warren Buffett (como se eu não a tivesse lido, claro): “Em nosso entendimento, contudo, derivativos são armas financeiras de destruição em massa, carregando perigos que, embora agora sejam latentes, são potencialmente letais”.
Deveríamos, então, abolir os derivativos de nosso arsenal de ferramentas financeiras em prol da sólida construção patrimonial?
Antes da resposta efetiva para esse caso em particular, um desabafo: precisamos parar com essa coisa insuportável de achar que tudo que Warren Buffett falou um dia na vida é lei.
Primeiro, porque ele mesmo muda de ideia (e que bom! Só os tolos não mudam de opinião). Já falou mal de tecnologia, depois se entupiu de Apple. Já detonou empresa aérea, para posteriormente comprar várias companhias do setor.
Segundo, pois ele tem um jeito bacana e construtivo de investir, o que não significa, evidentemente, que esse seja o único jeito bacana e construtivo de investir. Outro dia, vi uma entrevista bacana do Ray Dalio em que ele defendia a compra de ouro para o momento, a que o entrevistador rebateu: “Mas o Warren Buffett fala mal do ouro”. Dalio apenas respondeu: “E daí?”. Você tem alguma dúvida de que o maior gestor de hedge fund do mundo também sabe ganhar dinheiro?
Bom, mas esse nem é o ponto central. Volto à questão específica dos derivativos.
Como diria Taleb, o problema do mundo não são as pessoas que não sabem, mas, sim, aquelas que não sabem o suficiente.
Os críticos dos derivativos se esquecem (ou fingem esquecer) que, na mesma carta, o próprio Buffett afirma: “Na verdade, na Berkshire, eu mesmo muitas vezes realizo transações com derivativos em larga escala para facilitar certas estratégias de investimento”. Os supostos defensores fiéis de Warren Buffett são incapazes de recorrer aos parágrafos posteriores da exata mesma carta!
Derivativos foram originalmente concebidos como instrumento de hedge e previsibilidade. Não há nada de arriscado nisso. Ao contrário, se bem aplicados, são ferramentas para redução de risco. Podem ser ainda mecanismos para gerar renda extra (sempre de forma coberta!), o que também significa diminuição de risco — ao comprar uma ação e vender uma call (opção de compra), por exemplo, o investidor basicamente reduz o custo de aquisição daquela ação e, portanto, diminui a chance de perda permanente de capital, que pode ser uma das definições de risco (muito melhor do que volatilidade, aliás).
Negar ao investidor pessoa física o acesso aos derivativos é condená-lo a jogar uma espécie de série B, chamá-lo de incapaz de assimilar conceitos simples de proteção e geração de hedge, mesmo sob o devido auxílio.
Ao indicar put spread (compra de uma put, acompanhada da venda, na mesma quantidade, de outra put com preço de exercício inferior), estamos reduzindo o perfil de risco da carteira do investidor para o qual havíamos anteriormente sugerido compra de Bolsa e juro longo.
Tenho uma defesa pessoal muito grande de que a pessoa física pode (e deve) investir tão bem ou até mesmo melhor do que o profissional. Talvez o argumento, vindo de mim, não lhe soe convincente. Ok, tudo bem. Apenas saiba que Peter Lynch, gestor por décadas do mitológico fundo Magellan na Fidelity, pensava exatamente assim.
Ao indicar com capilaridade a montagem de put spread ao investidor pessoa física, estamos o aproximando do profissional. Mais do que isso, se me permite a ousadia, neste momento o coloco acima da média dos profissionais. Como ouvi de um experiente chefe de mesa de derivativos de um grande banco na semana passada:
“Os gestores estão todos no mesmo call, comprados em kit Brasil, sem nenhuma proteção. Estão correndo um risco tremendo sem saber. Por conta do otimismo generalizado, está barato comprar proteção agora. Em especial, falo dos paulistas. Os cariocas estão mais céticos”. No meu entendimento, dada toda a matriz de payoff potencial, o investidor comprado em Bolsa e juro longo e que, agora, montou também em put spread está em melhor situação.
Há um ponto fundamental a se entender aqui: o gerenciamento de riscos deve ser compreendido dentro do portfólio como um todo, não a partir de casos isolados. Essa é uma defesa minha junto às corretoras e também junto ao regulador, que precisariam mudar um pouco a forma com que seus suitabilities são feitos hoje.
Se você olha individualmente a compra de uma put fora do dinheiro, percebe essa posição como arriscada (a chance de não ser exercido é alta e, provavelmente, você vai perder dinheiro aqui). Contudo, se essa put foi comprada por um investidor com grande posição em Bolsa, ela representa uma importante redução (não aumento) de risco, mesmo sendo, em si, uma posição de risco — na essência, não é tão diferente da proposta em favor dos ganhos da diversificação, de se comprar ativos negativamente correlacionados, para tornar sua carteira mais eficiente; rendeu um prêmio Nobel para o Markowitz.
Talvez seja uma pregação no deserto, mas insisto em tentar levar à pessoa física a mensagem em prol da necessidade de sempre se carregar proteções no portfólio. Cada vez mais, o mundo ganha complexidade e o instrumental analítico clássico torna mais difícil a convicção neste ou naquele investimento. A resposta pragmática a esse ambiente passa por mais diversificação e busca por hedge às próprias convicções.
O avanço da tecnologia, por exemplo, se apresenta como uma dificuldade enorme ao value ysoke clássico. Nesse escopo, recomendo muito fortemente a leitura das últimas duas cartas da Atmos, do mais do que brilhante Bruno Levacov, em que se trata com profunda elegância e erudição o tema.
Tomo emprestada uma frase: “Dinossauros, mesmo que atentos ao risco de extermínio, ainda são dinossauros”.
Como um bom dinossauro, mais precisamente do movimento romântico do século 18, estou atento ao meu próprio risco de extermínio. Tentando evitar a autodestruição, hoje a proposta de que todos nos apeguemos às armas de proteção em massa.
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