Felipe Miranda: Não se esqueça, você é um cisne negro
Em 1886, o polímata Francis Galton, primo de Charles Darwin, descobriu algo interessante sobre o comportamento das espécies: filhos de pais muito altos costumavam ser mais baixos do que seus ascendentes diretos; ao mesmo tempo, filhos de pais muito baixos costumavam ser mais altos do que a geração imediatamente de cima.
No clássico “Regression towards Mediocrity in Hereditary Stature”, Galton escreveu algo assim: “(…) tudo indica, segundo esses experimentos, que a prole não tende a parecer com as sementes de seus pais em tamanho, mas a ser sempre mais medíocre do que eles — a ser menor do que os pais, se os pais eram grandes; a ser maior do que os pais se os pais eram muito pequenos. (…) Os experimentos revelaram ainda que a regressão filial média na direção da mediocridade era diretamente proporcional ao desvio parental dela”.
Se os pais pertenciam ao quarto quartil da altura, os filhos não tendiam a também pertencer. Analogamente, pais do primeiro quartil de estatura não costumavam gerar uma prole também nesse quartil. Tudo reversão à média.
Lá se vão 133 anos. É um bocado de tempo. Infelizmente, a difusão do conhecimento na direção da Economia e das Finanças parece obedecer ao mesmo ritmo da economia brasileira. Devagar, devagarinho. Os economistas ou qualquer “especialista” no tema ainda parecem não entender o fenômeno.
Vez ou outra, debruçam-se sobre a dificuldade de se selecionar fundos de investimentos que consistentemente consigam superar seus respectivos benchmarks (índices de referência). Em artigo publicado há pouco mais de um mês no jornal Valor Econômico, competente e admirável gestor escreveu assim:
“O bom desempenho (de um fundo de investimento) não persiste ao longo do tempo, como mostra estudo da revista The Economist sobre os fundos de ações americanos. Suponha que você tenha selecionado um fundo que esteja entre os 25 por cento melhores num ranking de performance dos últimos 12 meses. Nos 12 meses subsequentes, somente 25,6 por cento daqueles fundos se mantiveram no primeiro quartil. Nas três janelas subsequentes de 12 meses, o percentual de 25,6 por cento cai para 4,1 por cento, 0,4 por cento e 0,3 por cento, respectivamente.”
Segundo argumenta, uma das explicações é que, com a boa performance dos fundos, uma maior quantidade de clientes é atraída e os patrimônios líquidos aumentam significativamente. “Desta (sic) maneira, os gestores são obrigados a expandir o número de ativos no portfólio, diluindo as melhores ideias de investimentos. À medida que os fundos crescem, eles ficam com carteiras mais parecidas com os índices de mercado (média da indústria).”
De fato, essa é uma razão. Uma coisa é gerir um fundo de 100 milhões de reais. Outra é tocar um fundo de 10 bilhões de reais. Uma pequena oportunidade pode ser explorada de maneira expressiva pelo primeiro, mas não será pelo segundo.
Um exemplo hipotético para elucidar o caso: um fundo pequeno compra uma microcap qualquer e esta se multiplica por várias e várias vezes em Bolsa. O tal fundo vira o queridinho do momento. Capta com todo o mundo e agora está grande. Há um claro problema de coerência interna aqui: a estratégia do passado, aquela que o fez gerar tanto retorno (concentração numa determinada microcap explosiva) não é mais replicável. Os investidores foram atraídos por algo que, deveriam saber, necessariamente não vai mais atendê-los, porque não pode se repetir num fundo grande. O fundo tem outra escala agora e não pode mais nem olhar direito para microcaps. Se o fizer, o efeito será módico no resultado consolidado.
Outra manifestação concreta do mesmo fenômeno está no comportamento dos fundos multimercados brasileiros em 2018. Alguns deles captaram volumes enormes de dinheiro em velocidade avassaladora. Assim, foram forçados a adentrar outros nichos e mercados nos quais não gozavam propriamente de grande vantagem competitiva — não podiam mais restringir-se a seu habitat natural, pois ele havia ficado pequeno demais para seu tamanho multibilionário. Então, toda essa montanha de dinheiro serviu apenas para financiar a aventura empreendedora de muitos gestores no exterior, onde a banda toca bem diferente. Deu no que deu. Espero que role um “back to basics” agora, o que inclusive pode ser fator positivo para ativos de risco brasileiros, pois a turma vai precisar comprar coisa aqui dentro.
Essa questão do tamanho inclusive ajuda a entender por que muitos fundos, mesmo tendo suas cotas subindo, não geram valor para o cotista. Ele capta depois de uma enorme valorização (gerada no momento em que era pequeno) e fica grande, sendo obrigado a gerir um volume de recursos com o qual não está habituado, o que o força a adotar estratégias que não são sua maior expertise. A maior parte dos cotistas, que entrou depois da fase boa, pega só o momento subsequente, em que o fundo não é mais o caça supersônico de antes.
Não há dúvidas de que é bem diferente pilotar uma lancha e um transatlântico. No entanto, embora a indústria insista nesse argumento para justificar a dificuldade de um fundo manter-se na liderança por muito tempo, não me parece ser a razão essencial por trás dessa alternância entre melhores em janelas temporais dilatadas.
O que escapa aos doutores? Que o sucesso de um fundo não se deve apenas à competência, mas também à ocorrência do acaso. Claro que, narcísica e ensimesmadamente, seria confortável atribuir todo o sucesso à própria habilidade. Mas, infelizmente, não é verdade. A vida como ela é.
Quando Daniel Kahneman, mais do que prêmio Nobel de Economia, foi perguntado por John Brockman, editor da revista online Edge, sobre sua “equação favorita”, ele deu duas contribuições:
sucesso = talento + sorte
grande sucesso = um pouco mais de talento + muita sorte
Em ambientes de incerteza e volatilidade, o ganhador do processo está ali por uma reunião de competência mais sorte — havia vários outros igualmente competentes (quem sabe até mais competentes) ali, mas a deusa Fortuna resolveu premiá-lo. Depois, no próximo ciclo, a sorte acaba e ele cede o lugar para outro competente, o sortudo da vez, premiado pela randomicidade do mundo.
Há vários gênios competentes cuja habilidade é quase indistinguível — o que vai diferenciá-los, em especial em janelas mais curtas, é justamente a atuação da sorte e da aleatoriedade, que, por definição, escolhe um ou outro randomicamente, variando seus preferidos ao seu bel-prazer.
Infere-se daí que:
• Não leve a sério os rankings de investimento ou gestores. Eles travestem a aleatoriedade de pseudocompetência. Mais do que inúteis, eles podem até ser deletérios, exercendo papel de um mapa errado. O líder do ranking pode ser apenas um sortudo que se alavancou e se concentrou, e viu o cenário por ele projetado, mesmo que de baixíssima probabilidade ex-ante, se materializando ao final.
• Não acredite em super-heróis. A indústria financeira sempre elege seus deuses do momento. Ela vive de comissões, taxas e rebates; precisa captar toda hora e a narrativa de que contamos com um novo oráculo é sempre muito sedutora.
• Acima de tudo, não se ache um super-herói. Esse é um dos maiores perigos do investidor. Se você está ganhando muito dinheiro no mercado, principalmente no curto prazo, é bem provável que você tenha dado sorte. Ela vem e vai embora quando quer. Fidelidade não é seu forte. Ao mesmo tempo, se você tem uma carteira diversificada e balanceada, alinhada a uma boa pesquisa, e está perdendo dinheiro, o azar também passa, assim como a sorte.
Como diz Milan Kundera: “mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida?”.
Se “A Insustentável Leveza do Ser” não lhe for suficiente, recorra a Nassim Taleb e jamais se esqueça: você é um cisne negro.
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