Felipe Miranda: Onde está a maior assimetria de retornos?
“Comprar títulos de companhias com baixa qualidade de crédito era uma atitude considerada bastante arriscada — mas, como Milken tinha percebido, se você lançasse uma rede suficientemente ampla, as probabilidades jogariam a seu favor. Por que fazer um investimento caro num título de baixas taxas de juros de uma instituição considerada segura, se você poderia fazer uma compra arrasadora de bonds em dez companhias consideradas com risco de insolvência?”
Extraí o parágrafo acima do perfil de Michael Milken . Trata-se de um sujeito, no mínimo, curioso. Certamente, polêmico. Era um gênio, o rei dos junk bonds, com participação mais do que decisiva para o desenvolvimento dos high yield bonds. Numa daquelas ambivalências da vida, foi indiciado por extorsão e fraude financeira em 1989.
Como resultado de um “plea bargain”, admitiu violações às leis da SEC (a CVM americana), sem, no entanto, ser punido por extorsão ou insider. A sentença inicial foi de dez anos de prisão, posteriormente reduzida a dois anos, como resultado de bom comportamento e colaboração num programa de testemunhas.
Milken é também reconhecido pela sua participação filantrópica e fund raising para pesquisa e tratamento do câncer, notadamente de melanoma. A ele, atribui-se a frase: “Eu não conto para minha mãe que trabalho no mercado financeiro; prefiro dizer que toco piano num bordel”. Pelo que vejo por aí, me representa.
Estamos aqui por um método, sabe? Uma abordagem sistemática e filosófica de investimentos. Milken entendeu e aplicou a convexidade para a renda fixa. Mas ela serve para tudo. Se você apropria-se da ideia de que estamos num ambiente completamente dominado pela incerteza e pela aleatoriedade, entende que só resta o caminho de fazer a probabilidade jogar a seu favor, investindo de forma diversificada em ativos cuja matriz de payoff oferece assimetria convidativa, podem pagar muito bem no caso positivo, e não machucá-lo muito no cenário negativo.
De posse desse instrumental, você pode aplicá-lo em qualquer coisa. Nas ações, nas moedas, na renda fixa, nas commodities. Quer um outro exemplo mais audacioso: que tal testar o método da convexidade com criptomoedas?
Embora valha o caso geral, não trago o exemplo de Milken apenas como uma ilustração teórica ou hipotética de antifragilidade.
Há uma razão de falar especificamente do nicho de crédito de alta qualidade: para mim, hoje esse é o mercado menos convidativo para se estar. Mais importante ainda: ele pode oferecer riscos escondidos gigantescos ao investidor. O que parece um reloginho seguro de retornos acima do CDI pode ser, na verdade, uma bomba-relógio.
Vejo spreads bastante reduzidos nesse segmento e muitos investidores comprando crédito, seja diretamente ou via fundos (e os perigos maiores estão naqueles que se entopem de dívida corporativa com baixa liquidez e permitem resgate em D0 ou D1), achando que a ausência de volatilidade significa ausência de riscos.
Dois pontos aqui: i) a assunção de risco marginal não compensa o retorno adicional que esses papéis ou esses fundos têm oferecido (sim, há exceções, que apenas confirmam a regra — a Luciana Seabra tem boas publicações sobre fundos de crédito privado interessantes); e ii) pode haver um reapreçamento geral negativo que venha a ferir a indústria, gerando sustos num investidor que não estava preparado para esses movimentos num ativo que considerava perfeitamente seguro porque não variava.
Aposte centavos para ganhar dólares. Nunca aposte dólares para ganhar centavos. O ato de investir em crédito de qualidade neste momento, sob os atuais spreads, me parece um exemplo do que não fazer.
Bom, se o nicho de crédito privado oferece hoje uma assimetria não convidativa, qual classe de ativos representaria sua antítese? Ou seja, onde estaria hoje uma matriz de retornos potenciais convidativa?
Não é fácil responder a essa pergunta. Ela exige uma série de premissas, tanto sobre cenários potenciais quanto para atribuições das respectivas probabilidades associadas.
Em situações como essa, fica também sempre difícil escaparmos da hipótese de ergodicidade — o palavrão usado para descrever a preservação das propriedades estatísticas de uma série (no caso, financeira) ao longo do tempo —, o que costuma ser uma aberração metodológica.
Ressalva feita, vamos lá.
À primeira vista, dados o desempenho recente e o descolamento do real frente a alguns pares emergentes, talvez o dólar pudesse se colocar como o grande candidato à maior assimetria convidativa — aqui, claro, numa posição de venda de dólares contra a moeda brasileira.
Com efeito, se você observar termos de troca, com as commodities onde estão, vai perceber atratividade do real. Ao mesmo tempo, se adotar uma abordagem microeconômica e conversar com empresas que lidam com o mercado externo, vai identificar uma turma bem animada com suas exportações — muitas inclusive destinando ao ambiente internacional parcelas da produção anteriormente dedicadas ao mercado interno, por conta de preços mais convidativos nesse nível do câmbio.
Já se você insistir na questão macroeconômica, seja por paridade no poder de compra, seja por “fundamental equilibrium exchange rate model”, também vai ver um dólar justo ali na casa dos 3,70 reais, talvez até um pouco abaixo.
Concordo com tudo isso. Pelos fundamentos estritos do mercado de bens, o dólar precisaria caminhar para patamares bem inferiores aos atuais.
No entanto, existe o problema do “carry”. Historicamente, o Brasil era destino clássico do “carry trade”, ou seja, de investidores que queriam se aproveitar do enorme diferencial dos juros brasileiros frente ao resto do mundo. Então, pegavam grana emprestada lá fora a juros baixos e aplicavam aqui na Selic exorbitante.
Agora, com o juro básico a 6,5 por cento e podendo vir abaixo disso, acabou a festa. Não somos mais o paraíso do CDI e isso muda as coisas. Não somente a farra terminou, como pode ter se invertido. Pode se fazer hedge barato por aqui e não é mais tão custoso se endividar em reais.
Essa é a razão pela qual o dólar, apesar de caro, não me parece a melhor assimetria hoje.
Ah, então seria a matriz de payoff no mercado de juros a alternativa mais atraente? Olha, eu até acho que há dinheiro para ganhar aqui. E talvez seja um dinheiro relativamente óbvio. Entendo que a Selic deve cair assim que ficar clara a aprovação da reforma da Previdência, e a curva ainda não contempla isso como deveria.
Contudo, apesar de ser alta a chance de se ganhar dinheiro na curva de juro, nos prefixados ou nos indexados, não tem mais taaaanto espaço para cair. Isso retira um pouco da atratividade da assimetria. Chance alta, mas ganho não tão alto.
Então, chegamos à Bolsa. Múltiplos abaixo da média histórica, com custo de oportunidade do capital abaixo da média histórica e crescimento projetado dos lucros corporativos acima da média. Essas coisas não conversam e vão precisar se reconciliar. Some a isso que hoje ninguém tem Bolsa.
Gringo não quer ouvir falar de Brasil por enquanto; e fundo de pensão só agora começa a se mover, porque tem cerca de 1 ponto percentual “a menor” frente a sua meta atuarial se ficar na renda fixa. Ele vai precisar ir para a Bolsa. O investidor pessoa física, por sua vez, está chegando agora, mas praticamente também não investe em ações.
E, para fechar com o argumento da assimetria: você consegue ver o Ibovespa dividindo por dois? Faria sentido irmos para 5,5 vezes lucros?
Em contrapartida, seria absurdo conceber uma multiplicação por dois em 24 meses? Os múltiplos não poderiam se expandir para 15 vezes lucros (negociando 1,5 vez desvio-padrão acima da média, como costumava fazer em momentos de otimismo) e os lucros corporativos crescer 50 por cento nos próximos dois anos?
Em se estando de acordo com a argumentação, o que você compra em Bolsa? Ora, você compra o óbvio, o mais perto que puder da metonímia “Bolsa”. Vá de BOVV11. Não há por que querer ser o gênio das ações do lixo tóxico neste momento. Afinal, não custa lembrar: mesmo o rei dos junk bonds passou um sabático de dois anos no xadrez.
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