Felipe Miranda: Mudança de paradigma, memórias de um futuro padrão-ouro
A Carteira Empiricus caiu 0,45 por cento ontem. Quero que você saiba disso. Gosto das coisas assim, tais como elas são.
Isso — o desempenho da Carteira na véspera — é bom ou ruim?
É claro que a queda de 0,45 por cento num único dia é sempre ruim. Contra fatos não há argumentos. Não quero aqui tergiversar de minha responsabilidade. Só há uma linguagem possível no nosso ambiente: ganhar dinheiro. O resto é perfumaria. Nunca vou esquecer do que ouvi de um gestor multibilionário uma vez, falando a respeito de um comentarista de finanças histriônico em suas redes sociais: “Este aí gere qual fundo? É algum bilionário que eu não conheço? Fundou qual empresa?”. Como resumiu Warren Buffett com seu brilhantismo costumeiro: “Wall Street é o único lugar do mundo onde pessoas que andam de Rolls-Royce vão se aconselhar com outros que chegaram de metrô”.
Volto à questão central. Apesar do retorno negativo da Carteira ontem, a verdade é que, quando contextualizado, o desempenho mostra uma coloração diferente. Sendo muito transparente aqui, no momento em que contabilizamos a performance da véspera (controlamos isso na unha, todos os dias), me senti aliviado.
Explico.
A Carteira tem 36 por cento em ações e uma outra alocação grande em juro longo, outro ativo de risco bastante sensível às condições sistêmicas. Com o banho de sangue da véspera, com o Ibovespa cedendo 3 por cento e o barata-voa na curva de juros, minha expectativa intuitiva apontava para um recuo substancialmente maior do portfólio consolidado.
Talvez mais importante: apesar da queda de ontem, a Carteira Empiricus ainda sobe mais de 2 por cento no mês (o Ibovespa cai 1,6 por cento) e 21 por cento no ano. Pode ter sido pura sorte, podemos entregar tudo amanhã, quem sabe o mundo acabe ainda hoje com EUA e China se matando. Mas aconteceu e esse resultado está no bolso dos assinantes, sem que ninguém possa tirar.
Calma. Isso não é uma tentativa de promover a Carteira Empiricus — muito embora essa seria, na minha humilde opinião, a melhor coisa que eu poderia fazer por você; digo por construção mesmo, dado que ali estão condensadas aquelas que considero as melhores alternativas de investimento, sintetizadas num portfólio consolidado, devidamente diversificado e balanceado. “All weather portfolio”, nas palavras de Ray Dalio, conforme a própria performance tem demonstrado.
O objetivo do texto de hoje é outro. Mais simples e direto: convencê-lo a ter pelo menos 5 por cento de sua carteira investida em ouro. Tudo e só isso. O papo vem menos lúdico hoje, sem historinha. Estamos no meio do tiroteio e, então, a conversa fica mais séria. Ainda que tentemos manter o bom humor (carrego esse péssimo hábito), a necessidade de cerrar os punhos, erguer a guarda e arregalar os olhos diante das ameaças crescentes de recessão inibe um pouco as metáforas e os processos mais criativos. Primeiro, precisamos sobreviver. Depois, pensamos em nos divertir. Enquanto houver um incêndio na sala, não poderemos pensar em trocar a televisão.
O ponto é o seguinte: o desempenho da Carteira Empiricus foi melhor do que o esperado ontem justamente por conta da boa posição em ouro, e de outras proteções clássicas, como o dólar e as puts (opções de venda) — havíamos aproveitado o período de baixa volatilidade para comprar alguns seguros baratos, algo que sempre recomendo que você faça.
Na minha visão, o ouro é hoje o melhor seguro possível diante do risco crescente de recessão mundial e de uma provável perda de valor generalizada da moeda fiduciária. As chances de um voo para a qualidade (compra de ativos ultra-seguros, capazes de preservar valor no tempo, servir de meio de troca e unidade de conta), somadas à nova rodada de estímulos monetários em âmbito planetário, podem dar ao metal precioso um patamar de preço inimaginável a priori — o cenário de 2 mil dólares por onça já não me parece impossível.
Como Alan Greenspan acaba de apontar, na aplicação clássica do famigerado Interest Rate Parity, enquanto tivermos a possibilidade de arbitrar entre os juros nos EUA e os juros no restante dos países desenvolvidos, o dinheiro vai migrar para os títulos norte-americanos. Isso tem uma pressão baixista nos yields e pode inclusive empurrá-los para o negativo. “O zero é só um nível, como qualquer outro.” Pela primeira vez na história, o Treasury de 30 anos paga menos de 2 por cento ao ano. O Fed vai se ver obrigado a agir e a cortar o juro, talvez voltando a discutir um novo QE (Jerome Powell já se prepara para tirar brevê: terá de imprimir dinheiro e depois despejá-lo de helicóptero por aí, igualzinho fez nosso amigo Helicopter Ben). Então, temos o risco de um enfraquecimento do dólar contra o euro e o iene. Só que isso mata as economias da Europa e do Japão, possivelmente já em estagnação — a Alemanha teve retração da atividade, conforme mostrado ontem. Então, o BCE e o BoJ vão pelo mesmo caminho. A China, por sua vez, ainda em transição de um modelo “export-led growth” para outro mais focado no mercado doméstico, não vai querer perder espaço no comércio global e terá de fixar o yuan em patamares ainda mais depreciados.
Saímos da guerra comercial estrita entre EUA e China para uma ampla e generalizada guerra cambial, ainda que tácita. A obstinação por uma moeda mais depreciada por cada um dos países vira o grande inimigo global, ainda que não pronunciável, o Voldemort do mercado de capitais.
Se todas as moedas se depreciam, então os ativos reais precisam ganhar valor. A alternativa evidente a esse cenário é o ouro, a antítese do fiat money.
Ainda não vejo razões para alterar a visão de que estamos dentro de um grande bull market estrutural no mercado brasileiro. Contudo, havemos de ser francos aqui: i) na margem, as coisas pioraram e ficaram mais arriscadas por conta do cenário externo turbulento, turbulentíssimo; e ii) mesmo os grandes bull markets da história enfrentaram períodos longos e profundos de correção (novamente recorrendo a Warren Buffett: se você não consegue ver sua ação cair 50 por cento, melhor não comprar).
Algumas anedotas para mostrar um mundo, no mínimo, estranho, que nos deixa uma pulga atrás da orelha, extraídos de relatório da Evergreen Gavekal:
— Há neste momento 15 trilhões de dólares em títulos de juros negativos no mundo;
— Inúmeros emissores de junk bonds estão sendo pagos para emitir dívida;
— Fora dos EUA, 43 por cento dos bonds no mundo desenvolvido está com juro negativo, sendo que, na Alemanha, o rendimento dos títulos soberanos de 30 anos veio abaixo de zero;
— Temos 14 trilhões de dólares no balanço dos bancos centrais como resultado das políticas de afrouxamento quantitativo adotadas desde 2008;
— O serviço da dívida sobre a dívida pública federal norte-americana deve, em breve, superar os gastos militares, apesar do crescimento desses últimos e das taxas de juro muito baixas;
— Japão e Europa flertam ferozmente com a recessão, caso ainda não estejam nela, sem muita munição monetária para responder à fraqueza da economia;
— A MMT (Modern Monetary Theory, Moderna Teoria Monetária, que basicamente defende que o governo pode gastar sem nenhuma restrição) tem sido seriamente discutida como um remédio adequado para a secular stagnation (estagnação secular, uma dificuldade estrutural de se atingir taxas anteriores de crescimento, fundamentalmente, de acordo com a proposta de Larry Summers, por mudança nos hábitos de poupança e demografia);
— O lucro corporativo total das empresas norte-americanas tem se mantido essencialmente estável desde 2011, enquanto o S&P 500 basicamente triplicou.
Tudo isso pode não dar em nada. Talvez desta vez seja diferente. A inversão da curva de juros nos EUA, historicamente um sinal de recessão iminente, seria resultado apenas dos novos tempos, da tecnologia ampla e da demografia, além de um afrouxamento monetário pontual do Fed.
O problema é que, das vezes em que pensamos que seria diferente, costumou ser tudo rigorosamente igual. Ainda somos os mesmos, e vivemos como nossos pais.
Então, se você ainda não leu “Paradigm Shifts” do Ray Dalio, fica como lição de casa. Tradicionalmente, o que funcionou de maneira impecável para uma década em investimentos costuma não funcionar nos dez anos subsequentes. Depois de um período espetacular para o S&P 500, terá chegado a inflexão?
Na dúvida, temos aqui nosso ouro guardado em caixa forte — ou no fundo da Órama, tanto faz. Pela primeira vez na história, estou considerando colocar moedas digitais na Carteira Empiricus, em percentual bem, bem baixo, claro. Seja como for, já é uma mudança de paradigma.o
Se eu acredito que elas sejam o safe haven ideal, o novo porto seguro? Não, não acredito. Mas e daí? Isso não é um jogo de crenças, opiniões, achismos ou provas de ego. Queremos mais diversificação, descorrelação e preparação para qualquer clima. A diversificação é a arma daqueles que não sabem o que estão fazendo. Justamente por isso, vamos recorrer a ela. Ninguém sabe o que vai acontecer com o mundo. E os mais perigosos são justamente aqueles que acham que sabem.
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