HomeEcoaArticleSobre a forma exata das palavras, onde talvez more sua beleza07/08/202436 Imagem: Getty ImagesVivo em descompasso com meu tempo. Uma declaração como essa poderia se completar com todo tipo de contravenções e antinomias, mas hoje me refiro a uma coisa mesquinha, irrelevante, a uma dessas implicâncias bestas que tão bem nos definem. Tenho uma atenção obstinada à grafia das palavras, e sofro com o descaso que vai se alastrando por aí, em quase toda escrita. Sinto que cada palavra forma um desenho na página, um desenho incompleto se lhe usurpam uma letra, um desenho disforme se lhe agregam um desatino. Como se um mero deslize do dedo pudesse turvar toda a mensagem, deslocando o foco em direção à falha, àquilo que jamais o mereceria.Acabo de assistir a uma série um tanto tola sobre uma mulher que acossa um homem com insistência doentia, com grande violência, inclusive mandando-lhe centenas de mensagens obscenas e hostis num só dia. Minha sensação era de que nunca poderia me relacionar com alguém assim, não por sua insanidade, sua psicopatia. O que eu não conseguiria relevar numa mulher como ela seria a sintaxe absurda e a infinidade de erros ortográficos a me atingir a cada instante. Quando me dei conta disso, da aflição menor que até superava as aflições maiores, temi que a loucura pudesse estar em mim.Vivo em descompasso com meu tempo, é o que digo, na contramão da pressa e da displicência, do desleixo escancarado, ou de um jovial descompromisso. Por um tempo pensei que me sentisse assim por ser escritor, por ver nas palavras meu instrumento de trabalho, por confiar a elas o sentido da minha existência, ou, se não tanto, ao menos o meu sustento. Mas fui me deparando com uns quantos exemplos de escritores distraídos, escritores admiráveis e no entanto desleixados, conformados com a imprecisão das frases que propagam por aí.O que você está lendo é [Sobre a forma exata das palavras, onde talvez more sua beleza].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.Links
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