Após um século, 150 famílias reaparecem no país: História trágica
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✅Nosso povo vive uma espiritualidade ancestral, que foi violada e negada durante todo esse processo [de colonização]. Substituíram todo o modo de vida do nosso povo e como ele dialoga com o seu sagrado. É uma história muito trágica de violência, expulsão de território e genocídio. 💥️Vanda Witoto.
Borracha e genocídio
A ativista destaca a época da exploração da borracha, na região do rio Putumayo (um dos mais importantes afluentes do rio Amazonas), local de origem de seus bisavós, onde, segundo ela,💥️ houve um grande genocídio no início do século passado, obrigando os Witoto e outros povos a migrarem. Alguns foram para o Peru e outros desceram o rio Amazonas para o Solimões, no Brasil, entre eles, seus ancestrais.
Vanda nasceu na região do Alto Solimões, no município de Amaturá, no Amazonas, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, anos após essa migração forçada de seu povo. É lá que fica a aldeia Colônia, nome fruto da colonização, que os Witoto lutam para mudar. E foi nesse local que a ativista morou por 16 anos.
✅Eu nunca tinha saído da aldeia até meu pai me colocar em um barco para Manaus, em 2002. Ele me disse que eu era um pássaro e não precisava viver presa no meu território. 💥️Vanda Witoto
Ela conta que na cidade foi trabalhar como empregada doméstica, ganhando R$ 100 por mês. "Foi o período que passei as maiores violências da minha vida."
Renascimento como indígena
Em 2009, Vanda conseguiu um emprego numa loja de tortas em Manaus. E foi neste estabelecimento que a ativista trabalhou por sete anos ganhando um salário-mínimo. "Lá eu tive a oportunidade de ter formação para liderança, estar à frente de uma equipe. Isso ajudou muito no meu desenvolvimento."
Mesmo trabalhando, o dinheiro era curto e não dava para Vanda visitar a família na aldeia, nem mesmo quando sua avó, Tereza Vargas, uma grande liderança do seu povo, faleceu. E, por ironia, foi longe do seu povo que a ativista teve a oportunidade de saber sua identidade.
✅Uma pessoa me perguntou se eu era indígena. Eu respondi que eu era uma mulher Witoto, porque disso eu sempre tive noção, mas eu não sabia o que isso significava para a história do meu povo. E foi então que essa pessoa contou que indígenas tinham direitos, como o de ir para a universidade. 💥️Vanda Witoto
Vanda então prestou o vestibular e descobriu que tinha que comprovar que era indígena por meio do Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Indígena), que é emitido pela Funai assim que uma criança indígena nasce. "Esse documento nunca fez sentido para nós, por isso eu não levei para Manaus. Minha mãe tinha o documento guardado. Quando eu recebi o Rani, a minha história mudou."
Derekine de Saúva
Foi de posse desse documento que Vanda descobriu seu nome indígena aos 27 anos. "Eu não sabia que tinha um. Meu nome indígena é Derekine, que significa que eu pertencia ao clã de Saúva. Nosso povo é dividido assim para parente não se casar com parente", explica.
💥️Saber todas as aquelas informações somente naquela altura da vida deixou Vanda revoltada e cheia de dúvidas, fazendo com que ela descobrisse o "pacto" de silêncio pela sobrevivência que seu povo firmou.
"Perguntei para o meu pai porque nunca nos contaram aquelas coisas. Por que eu tinha um nome indígena? Por que eu tinha um clã? Eu não estava entendendo nada. E meu pai ficou muito receoso, porque os nossos mais velhos não falavam sobre a nossa cultura."
✅Queriam que a gente apagasse toda a nossa história por causa da violência a que tinham sido submetidos. E, para não corrermos os mesmos riscos, fomos silenciados. Queriam nos proteger. 💥️Vanda Witoto
Um povo sem maloca
Uma das coisas que o povo Witoto conseguiu preservar nesses 100 anos foram seus hábitos alimentares, considerados fundamentais para a sua conexão espiritual e ancestral.
💥️Porém, o mesmo não se pode dizer de um dos maiores símbolos da cultura Witoto: a folha de coca, que faz parte da tríplice de elementos importantes da composição de pensamento desse povo, juntamente com o tabaco e a macaxeira doce.
O cultivo da folha de coca no Brasil é proibido, o que afasta os Witoto de sua principal medicina. "Não se pensa como Witoto se não tem o espírito do tabaco e da coca na boca. Nosso povo no Brasil não mambeia. Não poder mambear a coca é uma grande violência contra a gente", afirma.
A ativista explica que o ato de mambear é realizado exclusivamente por homens, por simbolizar o corpo da mulher. Por ser a representação do feminino, os homens mascam a planta com o objetivo de enviar proteção ao corpo da mulher.
O mambeio se dá antes de conversas, pronunciamentos e encontros dentro de um espaço específico na maloca, construção que o povo Witoto do Brasil não tem.
"Não ter uma maloca é uma das grandes dores da nossa vida. E foi visitando meus parentes na Colômbia que descobri o motivo de nunca termos conseguido construir uma mesmo em meio a tantas tentativas."
✅Os mais velhos disseram que a espiritualidade nunca nos deixaria construir uma maloca sem ter uma roça de ✅coca.💥️Vanda💥️ Witoto
Reencontro ancestral
Vanda faz uma analogia com a história das crianças Witoto perdidas na selva colombiana com a das crianças Witoto do Brasil, afirmando que, enquanto o grupo passou 40 dias perdido na floresta, as crianças indígenas do seu povo no Brasil estavam perdidas há um século.
💥️O reencontro se deu através da fama que a ativista conquistou após ser a primeira amazonense a ser vacinada contra a covid-19 e ter sido uma das grandes protagonistas na luta em prol à saúde dos povos nativos do estado durante a pandemia. Ela fez do Parque das Tribos, a comunidade onde mora com parentes indígenas, uma unidade de atendimento e, do seu carro pessoal, uma ambulância.
"Os parentes da Colômbia sempre mambearam por nós e buscaram por sobreviventes. Foi na pandemia, quando eu fui vacinada, que o nosso povo se reencontrou. Então, nós fomos para a Colômbia e, diante dos nossos relatos sobre as violências que sofremos aqui, o nosso povo fez uma carta para começarmos o processo de propor, enquanto lei, uma reparação desses danos a partir de uma legislação para que meu povo possa plantar coca em seu território", diz.
Hoje, estima-se que o povo Witoto esteja em torno de 150 famílias distribuídas em 3 aldeias no Brasil.
O 'grande pássaro'
A indígena colocou seu povo no mapa e agora vive esse processo de luta por retomada e valorização da cultura Witoto em solo nacional, além de batalhar pela regeneração e preservação do meio ambiente, participando de eventos e convenções, como a Cúpula da Amazônia, e tecendo diálogos com diversos setores da sociedade.
Em 2022, Vanda foi candidata a deputada federal no Amazonas pela Rede Sustentabilidade, mas não foi eleita.
O sonho do pai de Vanda foi bem além do que ele previa para a filha, que era terminar o Ensino Médio e ir para o "distrito" para trabalhar. Mas uma coisa ele acertou em cheio: a ativista voou alto. "Sou o grande pássaro do meu pai."
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