Pastora trans cria grupo para resgatar a fé de LGBTs expulsos de igrejas
A desculpa era que só a religião conseguiria "mudar o jeito afeminado" dela - como Jacque descreve o comportamento que tinha na infância antes da transição de gênero. A mãe a deixou no templo com uma única mala e o aviso de que o pastor, Rui Beckman, seria a partir daquele momento o responsável pela criação da garota. Só mudou de casa - e de Igreja - quando ele, a quem hoje se refere como "pai", foi morto a tiros por traficantes do bairro, em 1983.
Do pastor, herdou o sobrenome que adotou no começou da transição de gênero, aos 23. Atendia, então, pelo nome de Vatusa Beckman. Agora, aos 59, chama-se Jacqueline Chanel.
Mudou-se para São Paulo, virou cabeleireira, foi eleita organizadora da Caminhada Trans da capital paulista, ordenada pastora, abriu a primeira igreja trans de São Paulo e não anda só. Debaixo de suas asas, acolhe parte da população LGBTQIA+ que já passou por exclusão social.
A maioria possui um passado religioso. Por terem sofrido algum tipo de preconceito, porém, todas se afastaram das igrejas mais tradicionais que frequentavam.
Pensando nisso, há seis anos, Jacque criou o projeto Séforas. Queria ajudar transexuais e travestis a se reaproximarem da doutrina evangélica.
Toda segunda-feira reúne quem a procura em uma roda na ICM (Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo). Na hora de começar a pregar para quem deixou de ser convertido há um tempo, ela parece escolher com cuidado as palavras quando, ao microfone, diz:
✅Que vocês reconquistem o direito a ter uma fé."
Um certo dia, um homem gay entrou no salão para cortar o cabelo. Jacque o atendeu e, durante a conversa, ele contou que era pastor. Também a convidou para ir a um culto em uma igreja inclusiva, ou seja, que tem um trabalho de acolhimento da população LGBTQIA+.
✅Fui por curiosidade. Chegando lá, encontrei um público de pessoas LGBTQI+, e o pastor cumprimentava um por um com um abraço antes da oração. Quando ele começou a pregar falando como Deus era bom e amava todos sem fazer distinção, eu pensei: finalmente encontrei um Deus inclusivo, um Deus que acolhe." 💥️Jacqueline Chanel, pastora
Criando um grupo religioso trans
Jacque diz que após descobrir as igrejas inclusivas não parou de frequentá-las. Também passou a cobrar os líderes religiosos para que desenvolvessem algum tipo de ação para fiéis trans. Nove anos atrás recebeu como resposta da CCNE (Congregação Cristã Nova Esperança), em São Paulo, a autonomia para criar o Ministério Séforas, um grupo de louvor voltado para transexuais e travestis.
Segundo a Bíblia, Séfora foi a mulher de Moisés. Em estudo da PUC-SP sobre a personagem, a teóloga Francisca Suzuki a classifica como alguém que contradiz "eventuais preconceitos ao defender a sobrevivência de quem se vê ameaçado e ao assumir o protagonismo como mulher". Daí veio a inspiração para o nome do grupo de Jacque.
"Séfora era uma mulher proativa. Responsável por salvar Moisés da morte. Eu queria representar essa vontade de agir, de fazer algo para quem amo. No caso, minha comunidade que quase nunca é lembrada ou respeitada," conta a líder religiosa.
Para poder ajudar mais pessoas que a procuram, há seis anos Jacque transformou o ministério em ONG.
Um Deus que não é carrasco
Às 19h, enquanto rola a reunião, a pequena cozinha da ICM ganha uma movimentação frenética. Grandes caldeirões são colocados no fogão para o preparo do jantar, que será servido na sequência.
Todos os gastos e investimentos do projeto Séforas saem do bolso da pastora. Semanalmente, ela investe de R$ 100 a R$ 150 com os jantares da reunião, além de sempre aparecer com roupas e sapatos novos, que ficam disponíveis para doação.
Quem geralmente cozinha é Rafaela Lima, grande parceira de Jacque. Rafaela, que atualmente está em situação de rua, também vai àquela igreja e aos encontros do projeto Séforas toda semana.
Filha de pastor de uma igreja tradicional, foi expulsa de casa quando contou para ele que era gay, aos 14 anos. Anos depois, já longe da família, se reconheceu como uma mulher trans.
✅As meninas e meninos que vêm até a Jacque têm um histórico parecido. Crescemos acreditando nesse Deus que acha pecado quem gosta de alguém do mesmo sexo. A gente cresce acreditando nesse Deus que abomina a liberdade. E, consequentemente, passamos a nos odiar por ser tudo que nos ensinam que Deus condena. A oportunidade que a gente tem com esse projeto é a de conseguir falar sobre o verdadeiro amor de Deus. Sobre o Deus que não é esse carrasco, mas sim um Deus de amor" 💥️Rafaela Lima
Hoje, à frente da ONG Séfora, ela prega a "inclusão radical" na religião. Algumas meninas que fazem parte do projeto Séforas ainda precisam esconder sobre quem são de verdade. Pedindo anonimato, uma delas conta que um dos únicos espaços em que pode se vestir como quer é na igreja. Para os familiares e colegas de trabalho, ainda aparece com "roupas consideradas masculinas".
Cravado na parede da ICM-SP, bem ao lado do altar, está um texto chamado "Confissão de Fé Inclusa", que Jacque classifica como o resumo de toda a ideia de inclusão que prega em reuniões religiosas com transexuais e travestis. Nele, lê-se:
"Creio nos direitos humanos, na solidariedade entre os povos, na força da não-violência. Creio que todos os homens e mulheres são igualmente humanos. Creio que só existe um direito igual para todos os seres humanos, e que eu não sou livre enquanto uma pessoa permanecer escrava."
Vaquinha online: https://apoia.se/seforas
Pix: 11-98659-7720
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