Da banana na escola ao enfrentamento: carta de um Vinícius negro pra outro

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Lembrei de um dia em que a sobremesa da merenda escolar era banana e o pátio inteiro da escola esperou silenciosamente eu pegar a fruta para explodir de ofensas como o Estádio de Mestalla lotado em gargalhadas e imitações de macaco. Enfurecido, fui em direção do primeiro que eu vi na frente para poder acertá-lo com violência, mas fui confrontado por um "amigo" que, tal qual Benzema, pediu para eu ter calma: "Se você ficar bravo vai ser pior. Leva na esportiva".

Se a bola não despertou o mesmo encanto em mim como teve pelo meu xará, fiz do jornalismo a minha profissão, contando também com a música como minha atividade secundária nas horas vagas. Enquanto Vini Jr. baila pelos campos mundo afora ao som do samba a cada comemoração de um gol, quis o meu coração bater mais forte pelo rock, música originalmente negra de expoentes como Sister Rosetta Tharpe, Chuck Berry, Little Richard, Fats Domino, Bo Diddley, Jimi Hendrix, Tina Bell e grupos negros como Bad Brains e Living Colour, mas que apropriada culturalmente por Elvis Presley se tornou um som majoritariamente branco.

Vinícius Vieira, jornalista - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal

A mesma imprensa que anos mais tarde iria silenciar as opiniões certeiras de Michael Jackson sobre apropriação cultural [como a carta que ele escreveu, em 1987, falando que Elvis, Bruce Springsteen e Beatles não eram melhores cantores e dançarinos do que artistas negros], e focava em suas excentricidades e na sua "mudança de cor". A branquitude não permite que um atleta ou um artista negro se posicionem, mas espera uma posição de servidão.

Após a violência sofrida no último domingo, Vini Jr. ainda foi às suas redes sociais dizer "Eu sou forte e vou até o fim contra os racistas".

Na segunda-feira (22), diante de uma homenagem que manteve o Cristo Redentor com as luzes apagadas em solidariedade ao atleta, o jogador afirmou que "se eu tiver que sofrer mais e mais para que futuras gerações não passem por situações parecidas, estou pronto e preparado".

É desumano que um jovem de apenas 22 anos carregue esse fardo pesado do racismo, enquanto a população branca segue perpetuamente no direito de ser racista, com o seu crime sendo disfarçado de "liberdade de expressão" ou apenas uma "resposta às provocações".

Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos, por causa da depressão. Estamos assistindo de camarote o ataque à saúde mental de um jovem brilhante como o Vinícius Jr. e só se indignar não basta.

Portanto, meu xará, assim como eu discordei de ti na escolha da profissão e no gosto musical, eu venho publicamente dizer que você não precisa ser forte o tempo todo por algo que não é culpa sua. É necessário a branquitude reconhecer os seus privilégios e decretar o fim de um sistema criado por eles próprios para nos oprimir. Esse peso são eles que têm que carregar, enquanto nós devemos sorrir e bailar, como você faz muito bem.

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