Baptiste Bouygues, fundador da Ormaie: "O cheiro diz muito sobre a nossa história e as nossas raí
💥️A Ormaie é uma marca familiar francesa que se apresenta "como uma ✅maison de criação” onde “cada fragrância têm uma história para contar". Como surgiu o conceito da marca?
A minha mãe [Marie-Lise Jonak] foi uma das melhores diretoras criativas do mundo. Desde pequeno que estive sempre nos escritórios dos perfumistas. Lembro-me de a minha mãe fazer ✅L'Instant de Guerlain com o Maurice Roussel e de eu estar no escritório depois da escola a cheirar tudo. Na altura, com 12 anos, não tinha muitos pelos, portanto era perfeito para cheirar as fragrâncias nos meus braços. Era uma espécie de papel mata-borrão gigante [risos]. Desde criança que sempre adorei fragrâncias, sempre cheirei perfumes e sempre soube que queria criar a minha própria marca de fragrâncias, mas queria através de cada uma delas contar aquelas que são as minhas obras de arte favoritas, os meus livros favoritos, as minhas pinturas favoritas e as minhas músicas favoritas. Quando se vai falar de algo muito pessoal acho que, durante o processo criativo, é importante ser super sincero. Eu queria contar histórias muito pessoais: ✅Yvonne é o nome da minha avó, o ✅Le Passant é o cheiro que recordo do meu pai. A marca familiar, obviamente, vem do facto de eu trabalhar com a minha mãe, de ter cofundado a marca com ela e penso que a criatividade é tentar fazer uma obra de arte a partir de algo muito pessoal e tentar ser honesto com as nossas emoções.
💥️Disse que todas as fragrâncias estão ligadas a uma pessoa, a um cheiro ou uma memória. Como é que se engarrafa algo que é tão pessoal e tão abstrato ao mesmo tempo?
Sim, é abstrato, mas também é, e como disse muito bem, é uma memória. Costuma-se dizer que inventamos a máquina do tempo com as fragrâncias uma vez que nos conseguem fazer viajar no tempo. Até me deu arrepios… Elas são capazes de fazer-nos lembrar de alguém. É algo tão único. Acho que é a forma mais fácil e a mais lógica de trazer de volta uma memória. Se acreditarmos no nosso ofício, na nossa arte e se trabalharmos o suficiente conseguimos encontrar os cheiros novamente.
Penso que a criatividade é tentar fazer uma obra de arte a partir de algo muito pessoal e tentar ser honesto com as nossas emoções
💥️E qual é o segredo para criar algo assim?
Tempo. Muito tempo. Por exemplo, em relação ao ✅Le Passant o meu pai costumava usar uma fragrância de lavanda incrível com baunilha e não estava a conseguir, juntamente com a minha mãe, encontrar o cheiro, e decidimos que não íamos lançar a fragrância. Tínhamos tudo menos a fragrância. Então pensámos ‘Não vamos lançar’. À última hora, lembrámo-nos que ele tinha sempre ✅papier d'Arménie no bolso, que é um tipo de papel que se queima em França, que se encontra nas farmácias antigas e está cheio de benjoim. Adicionámos um toque de benjoim à fragrância e encontrámos o cheiro numa tarde. Levamos cerca de três a quatro anos a fazer cada fragrância. São muitas repetições. É como se fosse uma prova. Definimos o conceito primeiro e, por vezes, se tivermos genialidade criativa somos capazes de o fazer muito rapidamente.
💥️São uma das poucas maisons que utiliza ingredientes 100% naturais crus nas suas fragrâncias. Qual é a parte mais difícil de fazer um produto deste tipo?
Nas nossas últimas três fragrâncias usamos um pouco de sintético. Quase não comunicamos essa parte porque o mais importante é a criatividade. Gosto de usar muito ingredientes naturais porque têm uma complexidade, uma elegância e uma densidade que é muito única. O sintético permite, a partir de algumas ✅performances, algumas coisas que são muito interessantes também. O desafio é que os produtos naturais não eram utilizados há algum tempo. Assim, leva muito tempo até adquirirmos um certo ✅know-how para utilizar uma nova paleta de cores. Portanto, essa parte foi muito interessante. Quando falo na questão do tempo, é que quando se faz um ✅accord com sintético sente-se logo o cheiro. Com os naturais, é preciso esperar que as moléculas se fundam. Demora mais tempo. Temos de esperar três a quatro dias antes de sentir o cheiro do teste. Portanto, prolonga o processo de criação. É como se fosse uma caxemira ou um linho incrível: existe uma complexidade inerente que é única.
Ormaie Os fundadores da Ormaie: Baptiste Bouygues e a mãe Marie-Lise Jonak créditos: Divulgação💥️De que forma é que a utilização de maioritariamente ingredientes naturais, afeta a durabilidade da fragrância na pele?
Usamos produtos naturais de qualidade incrível, por isso não altera nada. Sem lhe mentir, é verdade que o sintético permite algumas performances que são loucas. A fragrância consegue permanecer três dias na pele, mas isso não é algo que procuramos. Estamos muito felizes com 12 horas de fixação e focados no lado poético e criativo. Acabámos de lançar dois extratos, que não estão aqui, onde usei sintético porque queria uma opulência diferente. Queria uma certa profundidade. Portanto, acho que o natural traz algo de muito poético e o sintético consegue adicionar uma certa opulência. Mas o que realmente importa é a poesia e as memórias que o cliente terá ao cheirar uma fragrância. Adoro usar os naturais porque, como já disse, são chiques. Mas sem ser snobe, o sintético tem uma dimensão super gira, e é por isso que também o usamos.
Costuma-se dizer que inventamos a máquina do tempo com as fragrâncias uma vez que nos conseguem fazer viajar no tempo
💥️E como é que definem qual o próximo aroma que pretendem criar? Guie-me pelo processo de criação juntamente com os perfumistas.
É algo puramente emocional. O ✅Tableau Parisien, por exemplo, é sobre a minha ex-namorada. Não façam uma fragrância a não ser que sejam casados. É uma má ideia. [risos] Ela é uma atriz francesa que me ignorou completamente da primeira vez que a conheci e eu queria algo que me fizesse lembrar daquela indiferença francesa ✅nonchalant. O perfume tem uma bela tuberose que é super chique. Quase me faz lembrar um filme da ✅Nouvelle Vague. Temos tuberose, mas é como se conseguíssemos ver a distância da pessoa, temos rosa, temos toques de especiarias com cravinho e com canela e há uma nota de tabaco incrível por detrás. Então, quando me perguntam de onde vem isto tudo, é o oposto do que chamamos de marketing. O marketing seria algo do tipo ‘a tendência agora é ter uma cereja ou algo do género’. Nós fazemos comunicação porque falamos dos nossos serviços, mas, para a marca, aquilo que é realmente importante é a criação, se o cliente gosta do produto e se vai ter impacto ou não junto do consumidor. E, às vezes, tem porque é algo novo e é uma história nova. É assim que trabalhamos.
Ormaie créditos: Divulgação💥️É um processo fascinante porque não é fácil nomear as notas enquanto as cheiramos…
O cheiro é muito difícil de recordar porque não é algo visual nem auditivo. É muito único e é algo que não treinamos. Então quando se aprende a cheirar, o truque que precisamos de fazer, e é por isso que eu falo tanto de memória, é ligar o cheiro a uma memória. Para mim, o limão remete-me para a lavagem das mãos em casa da minha avó porque ela tinha um sabonete de limão. Quando sinto o cheiro a limão, penso na minha avó. A rosa faz-me lembrar de alcachofras. É como se nunca nos tivessem dito nome das cores: conhecemos o tom de azul, mas não conseguimos descrevê-lo.
Levamos cerca de três a quatro anos a fazer cada fragrância
💥️A sustentabilidade tem um papel importante na vossa marca. Na Ormaie utilizam energia renovável para produzir o vidro dos frascos e as tampas são esculpidas com madeira de faia e polidas manualmente. Consideram-se uma marca pioneira ao fazerem este tipo de produtos?
Somos muito parisienses, mas também vimos do campo. Em francês há uma expressão que se chama ✅le bon sens parisien - o bom senso camponês - portanto se quisermos fazer algo bonito, tem de ser bom. E não podemos mentir. O meu avô esculpia madeira à noite e eu podia ficar a observá-lo durante horas. Se trabalharmos com pessoas que se preocupam com o ambiente e com aquilo que fazem, isso vai fazer a diferença. Mais do que uma marca pioneira, acho que somos uma marca muito antiga. Temos apenas cinco anos, mas temos estes valores antigos e é por isso que quando as pessoas olham para a Ormaie, sentem que já passaram 100 anos. Recebo muitos comentários de que esta podia ser uma marca com 100 anos, e tem apenas cinco anos. É porque voltámos, acho que algo se perdeu, algo foi esquecido, e é apenas parte de nós, por isso, naturalmente, fizemo-lo. ✅Beau and bon - bonito e bom - são duas palavras muito parecidas em francês, portanto tivemos de o fazer dessa forma. Portanto, sim, como disseste, o frasco é feito através de vidro que reutiliza a energia renovável. A madeira é proveniente de florestas renováveis e a tampa é polida à mão. Mas o que interessa é que quando tiramos madeira para o ✅Tableau Parisien, é uma madeira especial. Sou eu que seleciono os pedaços de madeira, um a um, e como vem de florestas renováveis, sabemos de onde vem e tudo mais. Os pedaços são cortados de forma individual até formarem aqueles quadrados. Depois temos uma máquina incrível que constrói as diferentes formas das tampas e, a partir delas, polimo-las à mão, uma a uma, como uma verdadeira escultura e pintámo-las. São seis camadas de pintura, o que demora dois dias, e cada peça é única. Estava a pensar, enquanto estava a falar consigo, que nós gostamos tanto do ✅know-how que vamos ver como é que tudo é feito e estamos muito próximos das pessoas que produzem os nossos produtos. Se formos ver os bastidores da produção, não vamos querer que seja mau ou prejudicial para o ambiente. E isso acontece quando estamos desligados do produto que estamos a produzir.
Ormaie créditos: Divulgação💥️E o cliente também está muito atento a tudo…
Eu penso que o cliente não se preocupa com a sustentabilidade.
💥️Acha que não?
Acho que a sustentabilidade vem em oitavo lugar no processo de decisão de compra. Apercebi-me disso muito rapidamente. O cliente quer uma fragrância que cheire bem, que seja bonita, que a imagem da marca lhes sirva e que o preço seja correto. Estas coisas vem muito antes da sustentabilidade. Por isso, o nosso trabalho é fazer algo que seja muito inspirador, que cheire bem, e acima disso, seja sustentável.
💥️Todos as vossas fragrâncias são unissexo e ✅cruelty-free. Considera que as fragrâncias unissexo são o futuro da perfumaria?
Acho que o unissexo em termos de fragrâncias é definitivamente o futuro. Não vejo uma ligação entre o cheiro e o género. Obviamente, historicamente falando, é super interessante porque houve algumas fragrâncias que foram comercializadas para homens, e por isso a lavanda tornou-se algo muito masculino, mas porque foi comercializado dessa forma, o que resultou em coisas incríveis que adoro. Fez a ✅Pour Un Homme de Caron, que foi a primeira fragrância comercializada para homem. É uma bela lavanda, uma das melhores fragrâncias e um dos melhores anúncios do mundo. Tinha algo de super giro que adorei, mas, sinceramente, não faz sentido. Fizemos alguns testes com a minha mãe, onde colocámos corante azul numa fragrância super clássica feminina só para ver e todos disseram que era uma fragrância masculina. Só por causa da cor. A ✅Yvonne é uma rosa bonita, que faz-me lembrar a minha avó, é um patchouli super feminino, como o perfume ✅Chipre de Coty, lançado em 1917, mas no Médio Oriente os homens conhecem a qualidade da rosa e adoram o ✅Yvonne. Não se importam.
O cliente quer uma fragrância que cheire bem, que seja bonita, que a imagem da marca se adeque a si e que o preço seja justo
💥️A sobreposição de perfumes é um fenómeno que tem vindo a crescer entre os consumidores. Qual é a sua opinião sobre isso? É algo que recomenda com a Ormaie?
Adoro que as pessoas sejam criativas e que tenham a liberdade de fazer aquilo que querem. Penso que a liberdade é definitivamente um dos nossos valores, especialmente quando se trata de criatividade. Por isso, dizer a alguém que não pode fazer sobreposição de perfumes seria a coisa mais ✅snobe de sempre. Porém, quando trabalho numa fragrância, tento fazer dela uma obra de arte. Portanto, para mim, o sentido por si só tem uma beleza enorme: tem um topo, um meio, há facetas que são tão profundas... Mas se alguém quiser ser único e acrescentar uma fragrância, é muito giro. E se o conseguirem fazer bem, e algumas pessoas fazem-no bem, especialmente no Médio Oriente, eu adoro porque é como se fosse um reflexo da sua personalidade. É a mesma coisa que um designer me dizer que tenho de usar o seu look completo. Adoro o look total do Tom Browne é muito cool, mas se quiser usar uns jeans Levi's com uma camisa do Tom Browne também acho muito giro. É um pouco dessa maneira com a exceção de que no mundo das fragrâncias é preciso ter um bom olfato para se fazer uma boa sobreposição.
💥️Pode dar um exemplo?
O ✅Toi, Toi, Toi é praticamente só madeiras, tem um pouco de pimenta e algum incenso. Portanto, não tem flores nem frutos. Portanto, o que pode acontecer quando se faz o layering é que se podem juntar flores e frutos de coisas diferentes. Mas o que é interessante com ✅Toi, Toi, Toi é que tem muitas notas de base. Se quisermos realçar o amadeirado de uma fragrância, como é o ✅Yvonne, com o patchouli trazemos todas as madeiras de ✅Toi, Toi, Toi e criamos algo completamente diferente que é mais invernal. Portanto, se houvesse duas para misturar, eu diria o ✅Yvonne Extrait de parfum com o ✅Toi, Toi, Toi.
Ormaie créditos: Divulgação💥️O ✅design é uma componente muito importante da identidade marca onde as garrafas quase parecem objetos de decoração. Acha que é uma boa forma de reciclar frascos antigos?
Sim. Lembro-me que a minha mãe, que ganhou muitos prémios de fragrâncias, muitas vezes recebia frascos enormes como prémios que pareciam peças de decoração. Então em vez de termos uma obra de arte, tínhamos uma garrafa enorme. Costumava olhar para elas durante horas e, antigamente, as garrafas eram tão criativas, tão bonitas e era isso que eu queria: que os nossos frascos fossem uma pequena obra de arte que protegesse a fragrância. Lembro-me do [Pierre] Dinand, que era um grande designer de fragrâncias, estar a falar de desenhar a garrafa do ✅Opium com o Yves Saint Laurent e de ele lhe perguntar se queria tomar LSD. E era esse tipo de criatividade absoluta que eu queria encontrar e foi isso que tentámos fazer. A fragrância não é essencial, mas acho que é importante. Portanto, é essa criatividade que está em todo o lado. É um objeto especial para si. Se as pessoas puderem apenas olhar para ele na casa de banho ou na sala e o acharem especial, acho que é algo ✅cool. Houve uma grande tendência minimalista, onde se tornou menos interessante colecioná-los, mas penso que fizemos parte do regresso dessa tendência, sem dúvida. Lembro-me da minha avó colecionar todos aqueles frascos de perfume e pô-los num armário, o que parece muito piroso agora, mas eu adorava.
Acho que as fragrâncias unissexo são definitivamente o futuro
💥️Para a maioria das pessoas, oferecer um perfume é um big no porque é algo muito pessoal. Que conselho dá a alguém que queira oferecer uma das suas fragrâncias?
É muito difícil, concordo consigo. A fragrância é algo muito pessoal. Se eu fosse recomendar alguma coisa, se a pessoa estiver num relacionamento se a namorada gostar da fragrância a outra pessoa vai usá-la. Por isso, basta ir ter com a namorada ou com o namorado e perguntar: "Gostas?" E assim, provavelmente, podemos oferecê-la. Caso contrário, o que fazemos no nosso site, que é super simples, é que é possível comprar todas as amostras e depois ter um desconto automático na sua fragrância preferida. Acho que é a coisa mais fácil de fazer.
💥️O que é que um cheiro pode dizer ou revelar sobre uma pessoa?
É muito estranho porque é muito diferente. O cheiro diz muito sobre a nossa história, as nossas origens, as nossas raízes familiares e coisas desse género. Estou a pensar num amigo que começou a chorar quando cheirou o ✅Marque-Page que tem madeira e couro. A tia dele era do Líbano e lembrou-o de ir àquela igreja com aquela tia naquele país. Conta uma história profunda sobre as nossas origens. Não é como a cultura visual em que se pode aprender tudo. A cultura olfativa é a nossa infância e quem somos. É algo que não podemos mudar. Não mente. Vai diretamente para o seu cérebro reptiliano por isso faz parte de quem somos. Eu viajei muito e, obviamente, é um romantismo sobre o campo francês, mas as criações da Ormaie dizem muito sobre mim, as minhas viagens e não só.
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