O não reconhecimento da violência doméstica também é uma violaç

Os Tribunais de Família e Menores têm como bitola o garante do interesse superior da criança que pressupõe precisamente a avaliação do interesse superior da criança enquanto atividade única que deve ser levada a cabo em cada caso individual, tendo em conta a situação específica de cada criança.

Ora, está reconhecido pelas Nações Unidas que a existência de violência nas relações íntimas é claramente incompatível com o interesse superior da criança e com a guarda e os cuidados partilhados, devido às suas graves consequências para as mulheres e as crianças, nomeadamente o risco elevadíssimo de violência após a separação e de atos extremos de femicídio e infanticídio.

Por isso, aquando do estabelecimento das modalidades de guarda e dos direitos de acesso e de visita, a proteção das mulheres e das crianças contra a violência e o interesse superior da criança deve ser de importância primordial e prevalecer sobre outros critérios.

Consequentemente, os direitos ou pretensões dos progenitores agressores ou alegados progenitores agressores durante e após os processos judiciais, nomeadamente em matéria de propriedade, privacidade e guarda, acesso, contacto e visita dos filhos, devem ser determinados à luz dos direitos humanos das mulheres e das crianças à vida e à integridade física, sexual e psicológica e norteados pelo princípio do interesse superior da criança.

O que nos conduz à conclusão que a atribuição da guarda exclusiva à mãe, caso esta e a criança sejam vítimas de violência, pode ser a única forma de prevenir novos atos de violência e a vitimização secundária das vítimas. Para tanto, urge que as vítimas, adultas e crianças, sejam reconhecidas enquanto vítimas, seja quando o crime de violência doméstica se acha provado seja quando ainda está em fase de investigação, pois o princípio do reconhecimento da vítima enquanto tal -estatuído na lei da violência doméstica-, em nada colide com o princípio da presunção de inocência aplicados às pessoas agressoras denunciadas pela prática do crime de violência doméstica.

A atribuição da guarda exclusiva à mãe, grosso modo a vítima adulta, poderá e deverá possibilitar a atribuição à mãe um conjunto de mecanismos de compensação necessários, como o acesso prioritário a cuidados coletivos e individuais e atribuição de prestações sociais que lhe permitirão, e à criança, libertarem-se mais facilmente da relação abusiva em que se encontravam.

Ora, o facto de a violência nas relações íntimas não ser tida em conta nas decisões relativas aos direitos de custódia e de visita constitui em si mesma uma violação por negligência dos direitos humanos à vida, a uma vida sem violência e ao desenvolvimento saudável das mulheres e das crianças. Qualquer forma de violência, incluindo o das crianças que estão expostas à violência contra um progenitor, tem de ser considerada, na lei e na prática, uma violação dos direitos humanos e um ato contra o interesse superior da criança.

Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.

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